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Enquanto a ONU posiciona soldados no Congo para remover rebeldes ruandeses, um homem tenta convencer os insurgentes a voltar para casa com persuasão e música. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :22/09/2008
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‘DJ da paz’ tenta desmobilizar rebeldes no Congo

Michael J. Kavanagh Do BBC Focus on Africa

Enquanto a ONU posiciona soldados em florestas no leste da República Democrática do Congo para remover rebeldes ruandeses que se instalaram na região desde 1994, um homem armado com um sistema portátil de rádio tenta convencer os insurgentes a voltar para casa usando uma combinação de persuasão e música.

As FDLR (sigla para Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda) reúnem rebeldes da etnia hutu que habitam as florestas do vizinho Congo desde o período do genocídio no qual, acredita-se, alguns teriam participado.

Escondidos na mata junto com outras milícias, os rebeldes continuam a ameaçar a estabilidade da região.

A missão do DJ Sibilondire, de 36 anos, é convencê-los a ir para casa.

Todos os dias às 5h da manhã, em uma choupana em North Kivu, no topo de uma montanha, Michel Sibilondire monta um pequeno transmissor de rádio da ONU e inicia sua programação.

Quando o aparelho começa a funcionar depois de muito esforço, ele aponta sua antena na direção de árvores ainda cobertas de neblina à distância.

“A um quilômetro daqui você começa a vê-los (os rebeldes) sozinhos ou em pares”, explica. “E se você continua por cerca de 30 quilômetros, vai chegar ao lugar onde as FDLR vivem há anos.”

Sibilondire é conhecido entre os rebeldes pelo nome Mike India. Ele transmite em quatro línguas. Alterna sucessos pop do Congo e de Ruanda com música country americana e notícias sobre os últimos desdobramentos do programa de desmobilização da ONU.

O DJ foi contratado pela ONU para ser o que ele chama de “apresentador de rádio para a paz” em 2006, depois de vivenciar uma década de conflito ao lado da esposa e de seus dois filhos.

A “rádio da paz” existe há quatro anos. É difícil quantificar seu sucesso. Calcula-se que mais de 5 mil rebeldes das FDLR tenham retornado a Ruanda nesse período.

Mas os indícios são de que os 7 mil que continuam na região não serão bem-vindos no Congo por muito mais tempo.

Por isso, a mensagem de Mike India hoje em dia é mais direta - volte para casa ou você será morto.

ONU

No início do ano, o Conselho de Segurança da ONU exigiu que os membros das FDLR e de outros grupos armados ruandeses no Congo deponham as armas “imediatamente” e se entreguem para repatriação para Ruanda.

Segundo a decisão do conselho, se houver atraso, os soldados da ONU estão autorizados a “usar todos os meios necessários” e apoiar as operações dos militares congoleses para remover os ruandeses à força.

O Exército já vem posicionando tropas na região de North Kivu em preparação para a batalha contra as forças rebeldes.

Mike India tem esperanças de que a situação não chegue a esse ponto.

“É impossível tirar as FDLR da República Democrática do Congo pela força”, ele diz. “Não vai dar certo. Isso vai ser muito ruim para o povo congolês.”

O homem que lidera o programa de desmobilização da ONU no país, Philip Lancaster, não discorda.

Lancaster diz que a falta de profissionalismo do Exército congolês - que lutou ao lado das FDLR no passado - vai dificultar a proteção dos civis durante uma ação militar.

“Por causa da forma integrada como as FDLR se instalaram nas comunidades congolesas, os tipos de medidas que precisam ser tomadas são mais de natureza policial do que militar”, explica.

Ele acredita que o problema principal é o medo, “tão enraizado em suas mentes que achar uma forma de vencê-lo é um desafio real”.

“Eles estão convencidos de que se voltarem para Ruanda vão ser mortos, presos ou humilhados.”

Se os rebeldes participaram do genocídio, terão de enfrentar a Justiça de Ruanda - mas acredita-se que o número dos que realmente cometeram crimes não passe de uma dúzia, já que a maioria dos rebeldes atuais era criança em 1994.

Reconstrução

Por isso, as transmissões de Mike India são repletas de mensagens tranquilizadoras sobre paz, segurança e o pacote de desmobilização, que envolve dinheiro, treinamento profissional e outras formas de suporte básico.

De vez em quando, ele anuncia o número do seu celular. Entre 1h e 4h da manhã - quando as ligações são gratuitas - seu telefone é inundado de ligações ou mensagens de texto.

Alguns rebeldes querem saber onde se entregar. Outros reclamam do atual presidente de Ruanda, Paul Kagame, um ex-líder rebelde da etnia tutsi. Alguns ligam para pedir uma música.

“Olá, Mike India!”, diz um texto. “Estamos com as FDLR - sou capitão em Rusamambo. Quando Deus quiser, estaremos prontos para retornar a Ruanda.”

Convencer os rebeldes a depor as armas é uma questão de confiança, e os apelos pessoais parecem funcionar melhor. Mas o processo é lento - apenas um ou dois ex-combatentes transitam pelos campos de passagem da ONU diariamente.

Mike India sabe que não tem muito mais tempo. À medida que se acentuam as tensões com o posicionamento de tropas na região, o DJ intensifica seu trabalho.

Ele transmite pelo menos dez horas por dia e dorme ao lado do transmissor.

“Estou trabalhando para convencê-los”, ele diz, depois de se despedir e desligar o gerador, às 10h da noite. “Esta é a minha contribuição para a reconstrução do país.”

Notícia publicada pela BBC Brasil , em 17 de junho de 2008.

Carlos Miguel Pereira comenta*

Mike India, como é carinhosamente tratado pelos rebeldes de Ruanda, não é um líder político nem uma autoridade militar, mas através do seu trabalho simples está a fazer muito mais para evitar um conflito violento do que outros com muito maiores responsabilidades.

Mike dá uma lição a todos nós: Muitas vezes evitamos as tarefas simples, alegamos que não podemos perder tempo com coisas pequenas, porque na realidade pensamos que não estão de acordo com a nossa importância, nem nos proporcionam o destaque que procuramos. Outras vezes olhamos para a dimensão de um problema e pensamos que a nossa pequena contribuição de nada adiantará para solucioná-lo, e desistimos de ajudar. Ao agirmos desta forma negligenciamos as palavras de Madre Teresa de Calcutá: “Sei que o meu trabalho é uma gota no oceano, mas sem ele, o oceano seria menor.” Todo o trabalho pelo bem, por menor que seja, é útil, proveitoso, fator de crescimento de nosso Espírito e um impulso enorme na permanente marcha da humanidade em busca da evolução e do progresso.

Não precisamos ser líderes políticos, autoridades ou ilustres representantes de alguma organização; qualquer que seja a nossa posição numa sociedade, há sempre uma forma de nos expressarmos. Há sempre uma forma de gritarmos contra as injustiças, de lutarmos pela paz e por aquilo que julgamos certo, isto sem recorrermos a processos violentos. Há sempre um caminho para podermos nos transformar em co-criadores de um mundo melhor.

Vários são os relatos no meio espírita que nos antecipam uma mudança neste Planeta. Uma mudança que não será efetuada necessariamente a nível físico, mas sim a nível da consciência de cada um dos habitantes deste Globo. Pouco a pouco, as pessoas começam a perceber que precisam mudar as suas consciências, que precisam mudar as suas atitudes diárias para poderem construir um mundo mais evoluído, pacífico e sublimado. Começam a perceber, cada vez melhor, o que um bondoso amigo nos veio exemplificar há 2000 anos atrás: Que precisamos substituir as nossas expressões de medo, de ódio e de rancor por expressões de amor, tolerância e confiança uns nos outros. Gradualmente começamos a perceber que para nos unirmos com os nossos irmãos do mundo inteiro que pensam e agem de maneiras diferentes, não precisamos torná-los iguais a nós, pois a diversidade é inevitável numa população de bilhões de seres humanos. O que precisamos fazer é procurar integrar e unir as diferenças que existem com os braços do amor. Esse é o grande objetivo.

É precisamente isso que Mike India tem feito com os rebeldes de Ruanda que estão no Congo, homens e mulheres que vivem com medo, atormentados pelos erros cometidos e temerosos pelo seu futuro. Muitas vezes os conflitos íntimos mal controlados levam à crueldade, à total insensibilidade, pelos indivíduos não se sentirem confortados em si mesmos, transferindo o rancor da sua própria situação à primeira oportunidade. Como vivem num desequilíbrio interior muito grande, ao serem confrontados com ameaças e atitudes violentas, responderão inevitavelmente de forma violenta. A capacidade de discernir o bem do mal não é inerente a todos os indivíduos, sendo antes uma conquista do Espírito. Como nos diz o Espírito de Hammed, no livro “As Dores da Alma”: “Cada ato de agressividade que ocorre neste mundo tem como origem básica uma criatura que ainda não aprendeu a amar.”   Mike India, em vez de ameaças, proporciona música aos rebeldes de Ruanda, mostrando interesse e preocupação por eles, criando empatia, esclarecendo-os, indicando-lhes um caminho e estabelecendo um clima de confiança. Procurando evitar, de uma forma pacífica, um conflito que, como todos os conflitos, nunca é benéfico para ninguém. Através da realização deste seu trabalho simples, Mike India torna-se uma enorme gota deste Oceano de amor, união e fraternidade que todos nós gostaríamos que fosse bem maior.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.