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O jovem brasileiro dá mais valor à fé do que às igrejas, escolhe professar uma religião por iniciativa própria, não por orientação familiar ou costume e tem uma relação de intimidade com Deus, sem o temor e a distância tão presentes nas gerações anteriores. Sergio Rodrigues comenta.

  • Data :22/08/2008
  • Categoria :

A fé da juventude

Estudos inéditos revelam como os jovens se relacionam com Deus e apontam um descrédito das religiões

RODRIGO CARDOSO Colaboraram: Hugo Marques e Renata Cabral

O jovem brasileiro dá mais valor à fé do que às igrejas. Ele escolhe professar uma determinada religião por iniciativa própria, não por orientação familiar ou costume. E tem uma relação de intimidade com Deus, sem o temor e a distância tão presentes nas gerações anteriores. Essas são as principais tendências observadas por respeitados especialistas do País, comprovadas por estudos recentes - ainda inéditos e aos quais ISTOÉ teve acesso. Esses estudos revelam que o perfil religioso da população está sofrendo alterações significativas e definitivas. Mais: isso ocorre acima de tudo por conta da atitude religiosa manifestada pela juventude do que pela filiação dela a qualquer religião.

Um dos dados mais reveladores é o da pesquisa do teólogo Jorge Claudio Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. Ele ouviu 520 universitários de 17 a 25 anos e, com os resultados, acaba de concluir o livro Religiosidade jovem , ainda na esteira do lançamento. No estudo, a categoria “jovens sem religião” soma 32% dos entrevistados - um percentual infinitamente superior aos números do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que indicam 7,3% da população. Desse total, 12,2% se dizem agnósticos ou ateus e 19,8%, crentes sem religião.

É esta última categoria, dos crentes sem religião, que está revolucionando a maneira como o brasileiro se relaciona com suas crenças. “O espírito buscador do jovem não procura uma instituição religiosa que o enquadre, mas uma doutrina onde ele se encontre”, diz a antropóloga Regina Novaes, pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Para a juventude, explica, a fé está em alta; a religião, não.

Uma das maiores autoridades no assunto, Regina assina - junto com o sociólogo Alexandre Brasil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - um dos artigos no estudo Juventudes: outros olhares sobre a diversidade , uma extensa e criteriosa publicação elaborada em parceria com a Unesco e o Ministério da Educação (MEC). Confeccionado a partir de uma pesquisa da Unesco que ouviu dez mil pessoas de 15 a 29 anos em 26 Estados brasileiros, ele coloca uma luz sobre o comportamento de católicos, evangélicos, espíritas, adeptos da umbanda e do candomblé e dos não religiosos.

Crente e sem religião, a paulista Andrea Bahni, 22 anos, diz acreditar na existência de um Deus, mas critica a orientação do catolicismo contra o aborto e o uso de preservativos e abomina a prática evangélica de arrecadação de dinheiro por meio de cartão de crédito e débito. Por tudo isso, mantém-se distante de qualquer filiação religiosa, mesmo tendo experimentado várias doutrinas nesse universo de pluralidade que se apresenta nos dias de hoje.

Dos 13 aos 17 anos, Andrea foi adepta da religião wicca (também chamada de bruxaria). Considerava a existência do Deus Sol e do Deus Lua, até que, ao assistir a um culto evangélico, passou a acreditar em Jesus Cristo. A nova crença, no entanto, não a impede de aceitar o fato de haver vida após a morte e reencarnação, preceitos difundidos pelo espiritismo. Universitária do curso de moda, Andrea já tomou passe em centro espírita, mas, hoje, manifesta sua religiosidade em uma igreja católica perto de sua casa, que freqüenta vez ou outra, ou em conversas diárias com o “Papai do Céu” dentro de casa.

A existência de bricolagens religiosas como a de Andrea e a ausência de vínculos religiosos só são possíveis porque a convicção de que a fé só poderia ser vivida dentro de uma religião, como ocorria em gerações anteriores, não existe mais. Por meio de um questionário, o teólogo Ribeiro verificou a adesão e a rejeição do jovem a algumas crenças. Ele rejeita, por exemplo, o fato de que as pessoas devam ter só uma religião e seguir as orientações dela e está de acordo com a idéia de que ter fé é mais importante do que seguir doutrinas rígidas. “A juventude tem fé não porque é bonito, mas porque precisa, ajuda a propor projetos e avançar na vida”, diz o professor da PUC.

A fé da juventude, portanto, é algo prático, mais antropológico e menos teologal. Religiosidade jovem , que será lançado este ano, mostra que apenas 19,9% das pessoas freqüentam algum ritual religioso pelo menos uma vez por semana, 30,5% nunca participaram e 33% o fazem só em ocasiões especiais, como batizados, casamentos ou missas de sétimo dia.

Isso ocorre porque o jovem da atualidade busca uma crença mais como um indivíduo emancipado e menos como o filho que segue a tradição familiar. Assim como vai atrás de um lugar no mundo, ele procura algo em que acredite profundamente. “A juventude não trata a religião como costume, cultura, mas como algo que tem a ver com escolha”, diz a antropóloga Regina. Foi por vontade própria que Aparecida Luiza da Silva decidiu ser católica praticante. Ainda pequena, aprendeu com a mãe a rezar o Pai Nosso e a Ave Maria , mas nunca tinha sido levada por ela à missa. Aos 11 anos, foi a uma igreja acompanhada de vizinhos e, desde então, passou a pedir para a mãe levá-la à missa todo final de semana.

Hoje, aos 24 anos, Aparecida trabalha no Santuário de São Judas Tadeu, em São Paulo, participa do coral da igreja, sai à rua visitando casas para dar seu testemunho cristão e segue as orientações sexuais da doutrina católica. “Não sou beata. Freqüento barzinho, danço forró em casas noturnas e já tive namorados”, diz ela. “Mas não sou a favor de ‘ficar’, não quero ser objeto de prazer de ninguém. Vou casar virgem, sexo só depois do casamento.” Segundo uma recente pesquisa feita pela socióloga Silvia Fernandes, professora do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), apenas 26,1% dos jovens católicos pensam como Aparecida em relação à castidade.

O estudo denominado Juventude, religião e política na Baixada Fluminense levantou, entre outras questões, o que jovens católicos e evangélicos freqüentadores de igrejas da Baixada Fluminense pensam sobre o sexo antes do casamento. Apresentado em um congresso em Birminghan (Inglaterra) e ainda inédito no Brasil, ele mostra que, entre as mil pessoas ouvidas, os evangélicos são mais conservadores - 88,9% são contrários à prática. Seguidora da doutrina batista, a paulista Fernanda Almeida Freire, 17 anos, afirma que pretende se iniciar sexualmente apenas depois de trocar alianças. A adolescente, que se converteu aos 12 anos por vontade própria, vai à igreja todo final de semana, faz parte de dois ministérios e já preteriu uma viagem à Disney por um acampamento de jovens de sua crença. “Leio a Bíblia e acredito no que está escrito. Por isso, sigo os ensinamentos do Senhor”, diz ela.

Entre os católicos, pontua Silvia, a identidade religiosa está se dissociando de uma necessária obediência doutrinal. Reflexo, em parte, da crise moral pela qual a Igreja Católica passa por reafirmar tradições antigas e não avançar no discurso em relação a novos desafios da modernidade, como célula-tronco, pílula anticoncepcional e uso de preservativo. “O papa esteve no Brasil e veio falar em castidade. Intrometer-se na vida sexual do jovem é um pouco demais! O catolicismo está há décadas de distância da prática real”, reclama o teólogo Ribeiro.

Em suas pesquisas com universitários, ele verificou que os pais de seus entrevistados eram mais católicos que os filhos. Enquanto 42,5% dos jovens se diziam católicos, 57,7% dos pais e 60,6% das mães afirmaram o mesmo. Essa crise na transferência geracional da fé, no entanto, não faz do ateísmo (a negação de Deus) o grande beneficiado. São os crentes sem religião que crescem: 19,8% dos entrevistados estão nessa categoria, enquanto pais e mães somam 12,3% e 6,7%, respectivamente.

É fato que no campo religioso, hoje, há muitas outras formas não institucionais de espiritualidade, como esotéricas, holísticas, nova era, e não raro se encontram em uma mesma família quatro, cinco religiões presentes. Os símbolos religiosos, antes difundidos na igreja e no âmbito familiar, circulam mais por outras áreas de domínio público, como em blogs sobre religião, nas camisetas dos jogadores de futebol e em feirinhas. Até na moda. Tudo isso facilita o espírito buscador do jovem e sua adesão ao estado de “religioso sem religião”.

Nesse universo, é socialmente possível - algo impensável em épocas passadas - um jovem ir à missa de manhã e meditar em um templo budista à noite. “Na juventude é o momento de se experimentar. E, hoje, também se experimenta religião”, enfatiza a pesquisadora Regina.

Matéria publicada na Revista Isto É , 25 de junho de 2008.

Sergio Rodrigues comenta*

A fé é uma conquista do espírito no curso de sua longa jornada evolutiva. Não se adquire de um momento para outro nem pode ser imposta. Para ser verdadeira, há que ser raciocinada e não fruto de imposição cega. Para acreditar de verdade é preciso conhecer. O dogma da fé cega conduz o homem à incredulidade, porque exige a abdicação do raciocínio. Somente a fé acompanhada da razão pode triunfar, pois o homem passa a crer porque compreende. Ninguém pode verdadeiramente acreditar sem compreender. Por isso, Kardec afirmou que “fé inabalável somente o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.”

A pesquisa em questão abrangeu um universo composto por jovens universitários, portanto, instruídos, que questionam, pensam e não que aceitam o que se lhes é imposto. O que realmente importa para Deus é que suas leis sejam compreendidas e praticadas, não importando se num templo religioso ou fora dele. Respondendo à pergunta de Kardec sobre qual seria a melhor religião, os Espíritos afirmaram que a melhor religião será a que fizer mais homens de bem. Assim, o rótulo religioso nada vale, se não acompanhado de atitude. O guia e modelo da humanidade, para nós, espíritas, é Jesus, que, em sua passagem pela vida corporal, como demonstra o Evangelho, não se filiou nem, muito menos, fundou religião alguma. Seu ensinamento foi sempre visando a vida espiritual, que é a verdadeira vida, não tendo descriminado quem quer que seja nem religião alguma.

No entanto, a Natureza não dá saltos e as idéias não se transformam de súbito. Por enquanto, muitos dos nossos irmãos ainda necessitam do formalismo religioso, de rituais, cultos, paramentos, imagens, velas, cânticos, etc, o que havemos de respeitar. No entanto, é preciso avançar, evoluir. O religiosismo formal ainda é uma necessidade que experimentamos enquanto nos encontramos muito distantes da perfeição. Os espíritos que aqui reencarnam ainda necessitam de uma religião formal, como uma maneira de incutir-lhes alguma fé e de estabelecer algum limite à prática do mal. À medida que avança em sua evolução espiritual, a humanidade não mais necessitará de religiões convencionais, pois passará a praticar uma fé raciocinada, sem intermediários nem crenças impostas. Esses jovens que responderam à pesquisa estão expressando sua decepção com o tradicionalismo religioso, que não esclarece nem consola. Demonstram que começam a distinguir a verdadeira fé daquela cega, imposta com base em concepções humanas.

  • Sergio Rodrigues é espírita e colaborador do Espiritismo.Net.