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Adolescentes podem ser mais propensos a cometer crimes violentos se tiverem uma versão menos ativa de um gene que controla a agressão, revela estudo de médicos ingleses. Jorge Hessen comenta.

  • Data :26 May, 2008
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Gene que ‘causa mau comportamento’ é identificado

Adolescentes podem ser mais propensos a cometer crimes violentos se tiverem uma versão menos ativa de um gene que controla a agressão e forem submetidos a abusos na infância, segundo um estudo realizado pelo Instituto de Psiquiatria de Londres e objeto de uma reportagem da revista científica New Scientist .

A equipe do Instituto de Psiquiatria de Londres teve acesso a um estudo neozelandês que acompanha desde 1972 a saúde física e mental de mais de mil pessoas desde o nascimento.

Os pesquisadores analisaram tanto o registro de maus tratos na infância quanto a presença da enzima MAO-A, que regula a quantidade de serotonina no cérebro, molécula que tem um papel importante no controle da agressão.

O resultado indicou que crianças que sofrem algum tipo de abuso na infância e possuem uma forma pouco ativa da MAO-A têm três vezes mais chances de apresentar uma desordem comportamental e dez vezes mais chances de serem condenadas por um crime violento.

O estudo identificou dois grupos de delinqüentes.

Um grupo é formado por pessoas que passam a cometer crimes pequenos depois de entrar em contato com a turma errada. Esses jovens comumente deixam a criminalidade aos vinte e poucos anos.

O outro grupo, mais problemático, é formado por pessoas que passam a dar sinais de um comportamento anti-social já mesmo na idade de ir à creche. São essas crianças que teriam uma predisposição biológica para problemas comportamentais, segundo o estudo.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 10 de abril de 2008.

Jorge Hessen comenta*

NÃO SOMOS JOGUETES DA CASUALIDADE BIOGENÉTICA 25 de maio de 2008

A reportagem publicada na revista científica New Scientist consigna que o “gene” causador do mau comportamento foi identificado. Segundo o resultado da pesquisa, os adolescentes podem ser mais propensos a cometer crimes violentos se tiverem uma versão menos ativa de um “gene” que controla a agressão. O estudo foi realizado pelo Instituto de Psiquiatria de Londres, onde pesquisadores analisaram e registraram a presença da enzima MAO-A, que regula, no cérebro, a quantidade de serotonina, molécula que tem um papel importante no controle da agressividade. O mau comportamento é, segundo se acredita, apenas um reflexo da forma pouco ativa da MAO-A.

Sobre o assunto, não desconhecemos que a genética, através de seus princípios, teve grande importância no esclarecimento dos mecanismos de aparecimento e desenvolvimento das espécies, mas fatos que não estavam tão claros na obra revolucionária de Charles Darwin de 1859, com o desenvolvimento posterior da teoria darwinista, dinamizada pela genética, deram origem a diversas especulações em torno da natureza do homem. Nesse sentido, nasceu a idéia de que os genes seriam responsáveis não só pelos caracteres morfológicos de um ser vivo, porém também de toda sua bagagem comportamental.

É importante ressaltar de imediato que há diferenças fundamentais entre a gênese orgânica e a gênese espiritual. A primeira, em sentido puramente material, pois que se trata exclusivamente do ponto de vista corpóreo. A segunda é uma verdade axiomática: se não há efeito sem causa, não há efeito inteligente sem causa inteligente. Não podemos atribuir pensamento à matéria, mas concluir que ela se move mediante um comando inteligente, e que dela se serve para se manifestar e evoluir.

É bem verdade que é o próprio Espírito que modela o seu envoltório, molda-o de acordo com a sua inteligência e necessidades, mas daí a dizer que os genes seriam responsáveis por toda uma bagagem comportamental, vai uma grande distância, pois assim não estaríamos estabelecendo distinção entre habitação e habitante.

Aplicada ao homem, essa forma radical de interpretação biogenética adquiriu enorme força na forma do “darwinismo social”. A rigor, o escopo da proposição seria a lei de perpetuação de certo gene como delimitador de uma determinada característica – seja morfológica ou comportamental –, mas, sobretudo esta última, quando representasse vantagens nitidamente desejáveis a toda espécie. A mantença do gene favoreceria diretamente a permanência da própria espécie.

Como resultante desse princípio, que é consubstanciado para os caracteres morfológicos, seria possível modificar o comportamento dos indivíduos pela manipulação genética. Essa tese admite que os genes contêm todo o código que descreve o indivíduo, mesmo em sua mais íntima psicologia, a saber: sobre como ele se posiciona diante de determinadas circunstâncias, de suas tendências inatas, na inteligência, na afetividade, no relacionamento social. É óbvio que esse princípio está em total discordância com os preceitos da Doutrina Espírita.

Será que somos apenas um repositório para a sobrevivência dos genes que carregam para a eternidade nossos sentimentos e modos de ser? Ilustremos o assunto evocando a doutrina da eugenia. Segundo ela, seria possível ao Estado gerar uma elite genética pelo controle rigoroso da reprodução humana, favorecendo a perpetuação dos indivíduos com caracteres de comportamento desejáveis e proscrevendo os indesejáveis. A historiografia registra que alguns Estados totalitários do século passado chegaram a namorar com a eugenia como programa de desenvolvimento social com trágicas conseqüências.

Nosso objetivo aqui é chamar a atenção para os fundamentos que diferenciam a posição espírita das especulações advindas principalmente da genética. O principal ponto que agride diretamente com essas recentes propostas é a concepção de livre-arbítrio. Algumas teses expostas acima, mormente da reportagem da New Scientist , como ranço do darwinismo social, aplicada à natureza humana, parecem fortemente limitar uma das mais misteriosas propriedades do homem: o livre-arbítrio.(1)

Apesar das muitas interpretações filosóficas do livre-arbítrio, em que a teologia alega que a doutrina da onisciência divina está em conflito, pois se Deus sabe exatamente o que ocorrerá, incluindo cada escolha feita por pessoa, o status das escolhas como livres está em questão. Muitos cristãos não-calvinistas tentam uma reconciliação dos conceitos duais de predestinação e livre-arbítrio. Estudiosos de vieses vaticanistas aceitam a idéia de livre-arbítrio universalmente, mas geralmente não vêem o livre-arbítrio como existindo separadamente ou em contradição com a graça divina.

Santo Agostinho e São Tomás de Aquino escreveram bastante sobre o livre-arbítrio. Agostinho foca no livre-arbítrio nas suas respostas aos maniqueus, e nas limitações de um conceito de livre-arbítrio como negação da graça divina. A rigor, a ênfase da Igreja de Roma no livre-arbítrio e na graça divina freqüentemente é contrastada com a predestinação no cristianismo protestante, especialmente após a contra-reforma.

Para o Espiritismo, o livre-arbítrio significa liberdade moral do homem, faculdade que ele tem de se guiar pela sua vontade na realização de seus atos. Os Espíritos ensinam que a alteração das faculdades mentais, por uma causa acidental ou natural, é o único caso em que o homem fica privado de seu livre-arbítrio. Fora disso, é sempre senhor de fazer ou de não fazer.

Não estamos desconsiderando a importância da genética como ciência bem estabelecida, mas discordamos das interpretações absurdas nascidas de extrapolações com base profundamente materialista. A genética tem sido responsável por uma enorme variedade de contribuições práticas em vários campos da ciência, tornando possível a cura de muitas doenças e a produção de substâncias que melhoram consideravelmente o desempenho fisiológico de muitos seres vivos.

Não desconhecemos que a Ciência tem contribuído, no limite de seu recurso, para síntese de substâncias que exercem funções neurotransmissoras – a fim de assegurar o controle e equilíbrio neuropsicofísico dos portadores de agumas síndromes psicopatológicas. Porém, no que diz respeito às tendências da individualidade humana, é óbvio que elas não podem ser fixadas, inexoravelmente, ou pré-programadas, geneticamente, desde a hora de nosso nascimento. Isto equivale afirmar que a decisão de qual caminho tomar diante das influências externas (incluindo aqui o processo de produção da enzima MAO-A, que regula, no cérebro, a quantidade de serotonina) pertence somente ao Espírito, durante sua jornada evolutiva. Uma vez que as qualidades morais que caracterizam a índole do ser humano têm inexoravelmente origem em seu Espírito.

Kardec indagou aos Espíritos: “Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros do mal? Não têm eles o livre-arbítrio?” Os Benfeitores responderam: “Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanto para o mal. Os que são maus, assim se tornam por vontade própria.” (2) ( grifamos )

Sem o livre-arbítrio, os Espíritos não passariam de meros andróides previamente programados. O ínclito mestre de Lyon redarguiu aos Mensageiros maiores: “Como podem os Espíritos, em sua origem, quando ainda não têm consciência de si mesmos, gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? Há neles algum princípio, qualquer tendência que os encaminhe para uma senda de preferência a outra?” A resposta foi simples: “O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria liberdade, desde que a escolha fosse determinada por uma causa independente da vontade do Espírito. A causa não está nele, está fora dele, nas influências a que cede em virtude de sua livre vontade. É o que contém a grande figura emblemática da queda do homem e do pecado original; uns cederam à tentação, outros resistiram.” (3)

Por isso mesmo, não seria possível que as predisposições instintivas fossem determinadas geneticamente. A Doutrina Espírita, abertamente, faz a asserção de que as predisposições instintivas, a bagagem ou herança espiritual criada e carregada por ele mesmo através dos séculos são patrimônios do Espírito. Essa conclusão, magistralmente integrada ao conteúdo de princípios da Terceira Revelação, é a única capaz de explicar o ser humano ou de, ao menos, trazer a sensação consoladora de que não somos joguetes da casualidade biogenética.

Referências:

  1. Capacidade do ser decidir entre duas alternativas ou entre um conjunto de opções por uma introspecção interna. O livre-arbítrio prende-se logicamente a razão de ser da personalidade humana, diz-se que a criatura humana age de acordo com suas pendências pessoais, e toma a decisão segundo seus interesses e inclinações quando o livre-arbítrio tem papel preponderante;

  2. Kardec, Allan, O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. Feb, 2001, parte 2, do capítulo 1, questão 121;

  3. Idem, questão 122.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal lotado no INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.