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O suicídio da francesa Chantal Sébire, que teve seu pedido para morrer com a ajuda de um médico negado pela Justiça, relançou o debate sobre a eutanásia. Carlos Miguel Pereira comenta.

  • Data :07 Apr, 2008
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Suicídio reacende debate sobre eutanásia na França

Daniela Fernandes De Paris para a BBC Brasil

O suicídio, na noite de quarta-feira, da francesa Chantal Sébire, que teve seu pedido para morrer com a ajuda de um médico negado pela Justiça, comoveu a França e relançou o debate sobre a eutanásia no país.

O caso levou o governo a reexaminar uma lei recente sobre a questão, considerada “insuficiente e desumana” por entidades que militam por uma legislação mais ampla na França, semelhante à que já existe em países como a Holanda e a Bélgica.

A lei Léonetti, aprovada em 2005, garante apenas o direito de “deixar alguém morrer”, permitindo que o doente seja induzido a coma artificial e morra de fome e de sede, o que pode levar vários dias.

Sébire, que sofria de uma rara doença incurável que deformou seu rosto e provocava dores terríveis, se recusou a morrer dessa forma, que ela considerava ser “uma agonia terrível também para sua família”.

Ela queria poder tomar uma injeção com uma dose letal de medicamento, o que foi negado pela Justiça.

O porta-voz do governo francês, Luc Chatel, declarou nesta quinta-feira que “é preciso levar em conta os casos mais dolorosos”, como o de Chantal Sébire.

“O governo criou uma comissão que vai dizer se existe hoje o desejo de ir além da lei de 2005”, disse o porta-voz.

O governo francês criou, na quarta-feira, horas antes que Sébire fosse encontrada morta em sua residência, uma comissão dirigida pelo relator da atual lei, o deputado Jean Léonetti, para avaliar possíveis “insuficiências da legislação” atual.

Em entrevista ao jornal Le Parisien publicada nesta quinta-feira, Léonetti afirma que “é preciso encontrar a solução menos pior possível, que se possa ao mesmo tempo levar em conta casos particulares, mas também ter um quadro jurídico claro”.

Ministros divergem

O caso de Sébire desencadeou reações divergentes entre membros do governo francês.

O ministro das Relações Exteriores, Bernard Kouchner, um dos fundadores da ONG Médicos Sem Fronteiras, defendeu na quarta-feira o direito de eutanásia para a ex-professora, declarando que “seria necessário permitir que ela não se suicidasse de forma clandestina, que faria todo mundo sofrer, sobretudo sua família”.

A nova secretária de Estado para a Família, nomeada na quarta-feira, também se declarou favorável à eutanásia, contrariando, dessa forma, as declarações da ministra da Justiça, Rachida Dati.

Em um comunicado, o presidente Nicolas Sarkozy declarou na quarta-feira “estar particularmente sensível ao sofrimento de Chantal Sébire e de sua família e do apelo que havia sido feito a ele”.

Antes de entrar na Justiça para pedir o direito de morrer, no dia 12 de março, Sébire havia escrito ao presidente Sarkozy, mas não obteve resposta.

Após o anúncio de sua ação na Justiça, Sarkozy pediu que fosse criada uma comissão médica, formada por especialistas, para analisar eventuais possíveis tratamentos para Sébire.

Na quarta-feira à tarde, o médico da ex-professora havia sido recebido pelo conselheiro para assuntos de saúde do presidente Sarkozy.

Até o momento, a Justiça de Dijon, cidade onde Sébire morava, disse que não há elementos suficientes para determinar a causa de sua morte.

O movimento pelo direito à eutanásia na França vem crescendo. A Associação para o Direito de Morrer com Dignidade reúne 44 mil membros, o dobro do registrado há cinco anos.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 20 de março de 2008.

Carlos Miguel Pereira comenta*

Ao lermos a história de Chantal Sébire, todos sentimos uma comoção natural, presumindo o sofrimento, a angústia e os conflitos íntimos que esta professora francesa de 52 anos de idade estaria a viver. Mesmo discordando da atitude tomada, procuremos entender as suas motivações e evitemos o julgamento ou a acusação gratuita de quem se julga moralmente superior ou dono da verdade. Mentalizemos as palavras do mestre de Nazaré: “Eu não vim ao mundo para julgar o mundo!” Ou então as de Chico Xavier: “Uma das mais belas lições que tenho aprendido com o sofrimento: Não julgar, definitivamente não julgar a quem quer que seja.” Ao invés de expressarmos, do alto da nossa saúde e vivacidade, o que faríamos ou deixaríamos de fazer, poderíamos aproveitar estes casos tão delicados para promovermos uma reflexão íntima e prepararmo-nos, psicológica e espiritualmente, para a possibilidade de um dia podermos estar no lugar de Chantal Sébire, ou dos seus familiares, e termos a capacidade de enfrentar essa etapa tão complexa com serenidade e seguindo os princípios éticos e morais adquiridos.

A eutanásia, do grego “boa morte”, consiste na antecipação da morte do corpo, ou então, na abreviação da vida física, motivada pela impossibilidade de contornar doenças incuráveis, anular sofrimentos desesperantes e a incapacidade em proporcionar, ao paciente, uma vida com qualidade, digna e saudável.

A Doutrina Espírita encara a eutanásia tal como qualquer outro delito contra a vida humana: como uma violação das leis naturais. Por quê?

Porque uma das mais basilares e fundamentais propostas espíritas é a existência do Espírito imortal, que evolui através de inúmeras experiências reencarnatórias. Todos somos um Espírito imortal, a desfrutar desta enorme oportunidade de aprendizado que é a vida. Oportunidade essa, que nos é concedida por Deus, inteligência suprema e causa primária de todas as coisas, para que possamos corrigir os nossos erros e crescermos como Espíritos, em amor, experiência e sabedoria.

O Espiritismo proíbe a eutanásia?

A Doutrina Espírita não proíbe coisa alguma. Como uma proposta profundamente pedagógica, nascida pelo intenso e árduo trabalho de um eminente pedagogo, Allan Kardec, o Espiritismo trabalha de forma muito concreta o esclarecimento. Para que com esse esclarecimento, possamos ultrapassar a nossa ignorância e partir para o intrincado e complexo trabalho de aquisição de sabedoria. No caso específico da eutanásia, é necessário esclarecer que:

  • A realidade estende-se muito para além desta vida que nós conhecemos, vai muito para além do que os nossos sentidos limitados pela matéria nos deixem perceber;

  • Deus é a mais sublime manifestação do amor. Não castiga, nem pune ninguém, antes concede consecutivas e infindáveis oportunidades de aprendizado;

  • As dificuldades e as adversidades são processos de educação e de reparação, mostrando-nos a intervenção da justiça e do amor divinos em nossas próprias provações e males; O esforço de superação dos obstáculos que temos pela frente é que irá moldar o nosso Espírito e fazê-lo evoluir;

  • A vida humana é uma dádiva que não deverá de forma alguma ser abreviada. É um presente que devemos procurar agradecer através do nosso trabalho, empenho e esforço no desenvolvimento e aperfeiçoamento espiritual;

  • Deus concedeu-nos a liberdade para pensar e agir através do livre-arbítrio, mas também fez dele uma enorme responsabilidade, já que, perante a nossa consciência, teremos que responder pelo mau uso que lhe tivermos dado;

  • Tal como é dito na pergunta 258 de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, as provas e expiações por que temos que passar são escolhidas por cada um de nós antes de reencarnarmos. Ao desistirmos de continuar a viver, por recusarmos suportar o que nos propusemos realizar, estamos a incorrer no equívoco de pensar que a morte é o fim para os nossos sofrimentos.

Por tudo isto, mesmo sendo conscientemente pela liberdade individual e sensível ao sofrimento de quem desespera por uma solução para as suas dores físicas, psicológicas e morais, a Doutrina Espírita defende que a vida humana é uma preciosa dádiva e um estupendo instrumento de aprendizado que não temos o direito de extinguir, nem mesmo por caridade.

Oremos por Chantal Sébire! Que na erraticidade, ela seja apoiada e esclarecida pelos bons Espíritos, preparando-a para novas oportunidades, onde os seus erros e equívocos poderão ser corrigidos através de novas realizações, de trabalho dedicado e um esforço contínuo de superação.

  • Carlos Miguel Pereira trabalha na área de informática e é morador da cidade do Porto, em Portugal. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net.