Carregando...

  • Início
  • A nova meta dos executivos: Família

Como eles estão enfrentando o desafio de conciliar sucesso profissional com dedicação à mulher e aos filhos, para conseguirem conquistar um pouco de felicidade aqui na Terra. Nara Coelho comenta.

  • Data :15 Mar, 2008
  • Categoria :

A nova meta dos executivos: Família

Como eles estão enfrentando o desafio de conciliar sucesso profissional com dedicação à mulher e aos filhos

Biscoito de polvilho, pipoca, refrigerante e bala de goma espalhados pela cama. Em meio às guloseimas, o executivo carioca José Talarico, 53 anos, e seus filhos, Bruno e Thomaz, de 14 e 13 anos, respectivamente, curtem um de seus programas prediletos: assistir a lutas de vale-tudo pela tevê. Agarrados na cama, numa posição que apelidaram de “macaco”, os três não param de se beijar e trocar carinho. Acontece sempre que estão juntos, seja na partida de frescobol na praia, na de sinuca em uma casa de jogos ou nas manobras de skate.

Separado da mãe dos dois garotos e pai de duas outras jovens de outros dois casamentos, o CEO, vice-presidente jurídico e de relações governamentais da PepsiCo do Brasil, costuma ver Bruno e Thomaz nos finais de semana porque trabalha e mora em São Paulo, enquanto seus quatro filhos e suas três ex-mulheres vivem no Rio de Janeiro. “Continuo trabalhando muito, mas mudei as prioridades. Hoje, a prioridade são os meus filhos e não o meu trabalho”, diz ele, que deu folga à gravata, ao laptop e ao BlackBerry, como sempre faz quando está com os filhos, para participar do Family Workshop, evento organizado pelo empresário João Doria Jr. que reúne anualmente as famílias dos principais empreendedores e altos executivos do País em um hotel.

Talarico faz parte de um grupo de CEOs que está trocando o “frenesi mundano” - nome dado por especialistas ao estilo de vida voltado à ambição desmedida dos executivos - por mais atenção, companheirismo e amor à família. “Hoje, meu pai já tira folga do trabalho só para a gente ir ao Maracanã assistir a um jogo do Botafogo”, conta Thomaz, filho de Talarico . Entre as mulheres, é possível encontrar casos de altas executivas trocando o cargo da corporação pelos afazeres do lar. Os homens não fazem o mesmo, mas já se percebe um avanço em relação à co-responsabilidade familiar. “Há uma mudança grande deles nas divisões das tarefas e funções familiares e outra, ainda pequena, no que diz respeito às de responsabilidades, principalmente entre os mais jovens”, diz a psicóloga e pesquisadora Betania Tanure, da Fundação Dom Cabral (FDC), um centro de excelência de desenvolvimento de executivos, empresários e empresas, em Minas Gerais. Especialista na área de comportamento organizacional, Betania é autora do livro A (in)felicidade dos executivos , que nasceu de uma pesquisa de dois anos para a qual ela entrevistou 1.100 executivos e descobriu que 54% deles se dizem insatisfeitos com o tempo dedicado à vida pessoal. “Dentro de casa, eles não fazem uma avaliação de suas decisões (ou da falta delas), como acontece na hora de tomar uma decisão empresarial”, pontua Betania. Outro professor da FDC, Léo F. C. Bruno, acaba de concluir o estudo Contexto dos presidentes junto com Mariá Giuliese. A pesquisa analisou dirigentes de 40 das 500 maiores e melhores empresas do País e concluiu que 39% deles consideram problemas no relacionamento familiar a conseqüência mais nefasta da carreira de executivo.

Algo parecido aconteceu com Talarico. Há dez anos, ele convocou uma reunião em casa para discutir sua mudança para São Paulo por motivos profissionais. Desde então, assistiu à ascensão de seu prestígio na empresa, a segunda maior do mundo no ramo de alimentos, e ao declínio de seu terceiro casamento, que se desfez após 16 anos de união. “Paguei um preço altíssimo: tenho Ph.D. em solidão”, afirma ele, que, sozinho na capital paulista, morou em flat, apartamento alugado e, agora, constrói uma casa. “Tomei decisões - certas ou erradas - objetivando dar tranqüilidade financeira à minha família, mas o relacionamento ficou fragilizado.”

Dois anos atrás, ele procurou uma analista. Queria diminuir a angústia afetiva e estar pronto para responder às ansiedades dos filhos. Durante um ano no divã, aprendeu que, no ambiente familiar, a verdade vem antes do que é o certo ou o errado. “Um dia meu filho Thomaz perguntou: “Você já traiu a minha mãe?” Eu respondi que sim. A honestidade com as crianças nos aproxima”, diz Talarico.

Presidente da Avis, uma das maiores empresas locadoras de automóveis do mundo e que possui, no Brasil, 100 lojas, Afonso Celso Santos lança mão de suas viagens de negócios para ter a família por perto. “O que mais une a família é viagem ao Exterior. Minha esposa viaja comigo quase 100% das vezes. E meus filhos, sempre que a agenda escolar permite”, diz o executivo de 50 anos e pai de três filhos, de 15, dez e nove anos. “Vivi um déficit de atenção à família. Aí, amadureci e passei a dar importância para as coisas que são realmente relevantes e procuro trazer a família para perto.”

A jornalista Soraia Lopes Corona, esposa do presidente da Bio Ritmo, a maior rede de academias do País, reconhece que o marido, Edgar Corona, está mais presente em casa depois que as filhas nasceram. “Ele tenta todos os dias administrar melhor o tempo e aproveitar melhor a família”, afirma Soraia, mãe das gêmeas Maria Clara e Maria Paula, de 18 meses. Edgar, 51 anos, encurtou o expediente em duas horas e diz que as meninas determinaram sua agenda. “Fico até mais tarde no trabalho para, no dia seguinte, ficar com as gêmeas na parte da manhã em casa”, conta ele.

Sair da sinuca entre a conquista de prestígio e sucesso profissionais e a dedicação à família não é fácil. Por um motivo simples: falta de tempo. Hoje, o mundo wireless, o iPhone, o BlackBerry, o laptop e toda a parafernália tecnológica plugam com um clique o executivo em qualquer momento do dia, da noite ou da madrugada em qualquer lugar do mundo . De acordo com o levantamento da professora Betania, o executivo brasileiro trabalha em média 13 horas por dia - duas a mais do que o americano e três, do europeu.

Somente no início do século passado, nos anos 20, quando os homens permaneciam enfurnados dentro das fábricas durante o processo de industrialização, trabalhou-se tanto. E no Brasil - diferentemente de outros países, onde os serviços de saúde, transporte e educação podem ser confiados ao Estado e a previdência pública confere certo sossego - o dirigente de uma corporação sabe que a bonança, mais do que o sucesso financeiro, só virá de seu próprio esforço e após muita dedicação.

O presidente da Avis trabalha 14 horas por dia, duas a mais do que 15 anos atrás, quando o primeiro de seus três filhos nasceu. “Sempre tive a consciência pesada por não ver a minha família como eu gostaria”, diz Afonso Celso. Em sua primeira viagem à Disney, o executivo conta que se encontrava mais estressado do que curtindo a viagem, já que estava nos Estados Unidos também para negociar a compra da Avis. Na ocasião, seu primogênito, Victor, então com três anos, encantou-se pela Cinderela. “Um dia, nervoso, eu queria ir embora de um lugar e o Victor queria ver a Cinderela. Eu o puxei pelo braço, e ele chorou, chorou. Ele nem deve lembrar disso, mas ainda hoje dói em mim.”

O CEO diz ser comum entre seus pares avançar, sem perceber, o sinal do tempo que deveria ser exclusivo da família. “Há aí uma armadilha que os pega quase sempre. O prazer que o executivo tem com o investimento na vida profissional aparece em um prazo mais curto do que um investimento na vida pessoal”, diz a pesquisadora Betania, da FDC. Afonso Celso não esconde que trabalhar horas a fio é um atrativo e que faz isso, em primeiro lugar, porque gosta muito. Mesmo assim, criou o que chama de rotas de correção para não avançar o sinal.

Três anos atrás, ele se matriculou junto com os filhos e a esposa em aulas de tênis. Queria aproximar mais um do outro, fazê-los acordar mais cedo e praticar uma atividade física. Acontecia duas vezes por semana e durou nove meses. Há quatro meses, passou a caminhar pelo condomínio onde mora, durante uma hora toda noite. Está sempre acompanhado pela esposa, Elaine, e eventualmente pelos filhos.

A mais interessante rota de correção, porém, foi apelidada por ele de “sala da família”. Trata-se de um local em sua empresa onde desfruta de um almoço com a mulher e os filhos. Desde abril do ano passado, sua esposa pega as crianças no colégio e segue para a Avis pelo menos duas vezes por semana. “Passamos duas horas juntos, comendo, vendo televisão e conversando. Antes, não almoçava com a família nunca”, conta ele.

O que aconteceu com Afonso Celso tem um nome técnico, como explica a professora Betania: investimento no processo de autoconhecimento. É quando o executivo, principalmente acima de 50 anos, repensa seus valores e analisa do que estaria disposto a abrir mão em prol de uma vida mais estruturada e equilibrada . Vice-presidente da GP, Guarda Patrimonial, maior grupo de segurança privada do Brasil, José Jacobson Neto, 54 anos, passa por esse processo. Sua dedicação à vida pessoal durante toda a sua trajetória profissional foi, assumidamente, pífia. “Meus filhos foram crescendo e eu, como sempre, me doando pouco a eles e também à minha esposa”, diz ele.

Pai de Caio, 26 anos, Rafael, 24, e Fábio, 23, o CEO conta que nunca comprou material escolar ou foi à escola para discutir o comportamento dos filhos. “Eu cobrava dele mais tempo para nós, mas ele nunca tinha”, afirma Cristiane, a esposa de Jacobson, que, em 28 anos de casamento, viajou a passeio com o marido apenas quatro vezes. Fábio, o caçula, conta que “desde que se conhece por gente” sempre saiu de férias com os irmãos e a mãe. O especialista na área de comportamento organizacional da FDC, Léo Bruno, pontua que, se o executivo não tem contato físico próximo e freqüente com a família, não consegue ser líder dentro de casa. “Por isso, é uma classe de poucos líderes e muitos gestores do lar. Gestores do colégio, por exemplo, é o que mais tem”, completa. Presidente do Grupo Serson, referência em qualidade no ramo de hotelaria, Júlio Serson, 46 anos, divide com a esposa a tarefa de levar as filhas Rebeca, oito anos, e Luiza, quatro, ao colégio. Administrando empreendimentos também nas áreas de construção, incorporação e agropecuária, no Sudeste, Norte e Nordeste, ele passou a viajar uma semana por mês, metade do que ocorria até bem pouco tempo atrás. “Antes, usava meio período do final de semana para trabalhar. Atualmente, não faço mais isso”, conta.

A dedicação dele não parou por aí. Júlio foi, ano passado, representante dos pais no colégio da filha caçula. Era o único homem nas reuniões. “Tinha mãe que me ligava, no meio do meu expediente, reclamando que a professora não estava limpando a filha de forma adequada quando ela ia ao banheiro fazer pipi . Outras mandavam e-mail dizendo que a filha não estava sendo alimentada direito”, conta ele. “Eu quis participar mesmo. Isso tem a ver com qualidade na relação com a família.”

Jacobson, da GP, ainda não deixou de dormir com o celular sob o travesseiro. Os filhos dele continuam recorrendo ao e-mail para se comunicar mais rapidamente com o pai. No ano passado, porém, a consciência do executivo pesou. “Sinto, hoje, o que meus filhos sentiram lá trás: carência afetiva. Eles têm pouco tempo para se doar para mim”, diz Jacobson. “Gostaria de acompanhar mais a vida profissional deles, dialogar sobre o que fazem, passar meus conhecimentos.” Todos moram com o pai, estão bem empregados e, com freqüência, são assediados pelo presidente da GP, que negocia programas como um jantar com as namoradas deles em casa para tê-los ao lado.

A maior ação em prol da família, porém, ocorreu no final do ano passado, quando ele programou pela primeira vez uma viagem de 15 dias de férias com a família. O filho Rafael relembra como foi a virada de ano mais feliz da vida deles, na Disney. “Na Epcot Center a queima de fogos é espetacular e é vista por 300 mil pessoas. Para vê-la melhor deve-se guardar lugar na frente de um lago”, conta. “Meu pai chegou às 16h no lago e disse para a gente aproveitar os brinquedos que ele ficaria guardando um bom lugar para vermos a virada. E ele ficou de pé lá até a meia-noite para garantir a melhor vista para nós. Choveu naquele dia, mas ele não arredou o pé!”

O gesto de Jacobson mostra um avanço no quesito qualidade no relacionamento familiar, mas não é só isso que está em jogo. O que aconteceria com um executivo se ele trocasse as 13 horas diárias na corporação por quatro de trabalho com qualidade? Provavelmente não estaria no cargo no final do mês. O que os familiares reivindicam é um balanceamento melhor do tempo dedicado à vida profissional e à pessoal. “Carreira você programa. Família não e, por isso, erra mais”, reconhece Talarico, da PepsiCo, que, hoje, faz o que for preciso para trocar um almoço de negócios por uma farra regada a guloseimas em cima da cama quando os filhos requisitam.

Matéria publicada na Revista Isto É , em 8 de fevereiro de 2008.

Nara Coelho comenta*

A nova meta dos executivos: Família

Tem este foco a interessante matéria da revista Isto É, que revela aos leitores um novo e importante posicionamento que pais de família, vitoriosos em suas carreiras, estão começando a dar às suas vidas. Depois de anos dedicando-se a alcançar o sucesso profissional, os entrevistados perceberam que não são felizes, sofrem com a ausência da família, com o desfazimento de seus casamentos, sentindo-se reféns do cotidiano estafante que os colocou a deriva do afeto indispensável ao equilíbrio emocional de todo ser humano.

Ricos e infelizes; poderosos e carentes de amor. Sós em seus aposentos confortáveis após vários casamentos ou com filhos entediados ante sua companhia quase desconhecida. Onde erraram? Afinal, seguiram à risca o moderno figurino materialista, em que a conquista dos bens de consumo, em maior quantidade possível, é o passaporte para a felicidade. E também não o é a vida livre em questões afetivas? Afinal, reza o pensamento comum que o dinheiro compra tudo: prazer, poder, felicidade… Por isto, tantos não se inibem em se corromper ou promover ou, até, aceitar a corrupção!

Com Jesus, aprendemos que a “felicidade não é deste mundo”. Durante séculos, esta afirmação parecia dizer respeito ao “céu” a ser alcançado depois da morte. E o homem, mais uma vez, tentou materializar o que é espiritual, achando que, rico da moeda corrente na Terra, poderia comprar, inclusive, um “lugarzinho” privilegiado no paraíso celeste. Como este equivocado entendimento das palavras de Jesus dominou e anestesiou a atitude humana! Hoje, enfim, mais esta coluna de sustentação do materialismo começa a ruir, impulsionando os que se flagram nesta armadilha a mudar de rumo, percebendo na solidão de suas dores que o amor é alicerce da felicidade.

Com o Espiritismo, conseguimos compreender os ensinos do Mestre, que enxergamos sob a luz da reencarnação: “a felicidade não é deste mundo”, porque não se encontra nos valores materiais, mas nos morais. Eis que estamos na vida física para o aprimoramento moral, que alcançamos na medida em que nos aproximamos das leis divinas, para cuja exemplificação Jesus veio à Terra. Moral feita de amor e consciência forjada no bem, que se repercutirá naturalmente na família a reproduzir atitudes equilibradas e dignas e, conseqüentemente, felizes. Os entrevistados desta matéria da revista Isto É nos dão o testemunho desta assertiva. Ainda bem que, já nesta reencarnação, tiveram “olhos de ver” para retomar as rédeas de suas vidas, contribuindo para que os leitores compreendam que nunca somos felizes quando abandonamos nossos compromissos com a evolução moral.

Riqueza ou pobreza são estágios de aprendizado evolutivo. Respeito e dedicação ao lar, contribuindo para a elevação moral da família como célula maior na edificação da sociedade sadia, são aspectos fundamentais da boa utilização do livre-arbítrio. Cada uma destas experiências visam engrandecer-nos, segundo nossas necessidades individuais de aprimoramento. Nem privilegio, nem castigo. São rotores da alma a diligenciar o patrimônio moral de espíritos eternos que somos. Ah! Se tivéssemos entendido Jesus; se nos tivéssemos feito surdos aos apelos do dogmatismo religioso que nos agradava a vocação materialista, enquanto nos jogava aos precipícios da dor, quanto já poderíamos ter caminhado em direção a felicidade!

Entretanto, como sabemos com Jesus que a cada um será dado segundo as suas obras, somos envolvidos pela confortadora certeza de que muitos de nós começam a alcançar a maioridade espiritual, que, enfim, nos impulsiona a conquistas morais superiores ao usar nossa inteligência a serviço do bem e na edificação da verdadeira felicidade. Eis o testemunho dos entrevistados da Isto É!

  • Nara Coelho, mineira de Juiz de Fora, formada em Direito pela Faculdade de Direito da UFJF, é expositora espírita nos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, articulista em vários jornais, revistas e site de diversas regiões do país.