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  • Nascida dentro de presídio, menina vive em cela ao lado da mãe, uma serial killer

A menina nunca cometeu um crime, mas sua mãe, Shirin Gul, é uma assassina serial condenada cumprindo prisão perpétua e, segundo a política carcerária afegã, ela pode manter a guarda de sua filha até que ela complete 18 anos. Valerie Nascimento comenta.

  • Data :19 Dec, 2017
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The New York Times

Rod Nordland*

Em Jalalabad (Afeganistão)

Meena teve catapora, sarampo e caxumba na prisão. Ela nasceu ali, foi amamentada e desmamada ali. Agora com 11 anos, ela passou toda sua vida na prisão e provavelmente também passará o restante de sua infância.

A menina nunca cometeu um crime, mas sua mãe, Shirin Gul, é uma assassina serial condenada cumprindo prisão perpétua e, segundo a política carcerária afegã, ela pode manter a guarda de sua filha até que ela complete 18 anos.

Meena até mesmo foi concebida na prisão, e dela nunca saiu, nem mesmo para uma breve visita. Ela nunca viu um aparelho de televisão, ela disse, e não tem ideia de como é o mundo fora das paredes da prisão.

A situação dela é extrema, mas não única. Na ala feminina do presídio provincial de Nangarhar aqui em Jalalabab, ela é uma das 36 crianças presas com suas mães, entre 42 mulheres ao todo. Mas nenhuma das outras crianças passou tanto tempo sob custódia, já que a maioria das sentenças de suas mães é muito menor.

Prender crianças pequenas junto com suas mães é uma prática comum no Afeganistão, especialmente quando não há parentes próximos ou o pai é ausente ou distante. Defensores dos direitos da criança estimam que há centenas de crianças afegãs presas cujo único crime é ter tido sua mãe condenada.

Há um programa de orfanatos para crianças cujas mães estão na prisão, mas as mulheres precisam concordar que seus filhos e filhas sejam levados, e o programa não cobre muitas áreas do Afeganistão, incluindo Jalalabad.

Na prisão de Meena, as celas das mulheres são arranjadas em torno de um pátio espaçoso, com sombras de amoreiras, e as crianças correm livremente por ele. Há alguns balanços caseiros enferrujados, trepa-trepa e escorregadores que terminam em poças de lama.

Há uma sala de aula em uma das celas, com um quadro branco e uma mistura de bancos e cadeiras, com 16 crianças em oito mesas. Uma mesma professora cuida de três séries, da primeira a terceira, uma hora por dia para cada série. Apesar de já ter 11 anos, Meena só chegou à segunda série.

Quando me encontrei com Meena, ela se sentou, segurando um saco plástico amarelo sob seu xale. “Passei toda minha vida nesta prisão”, ela disse, durante uma tensa entrevista na ala feminina no mês passado. “Sim, eu gostaria de sair. Eu queria sair daqui e viver lá fora com minha mãe, mas não sairei daqui sem ela.”

Meena fala de forma gentil, é serena e educada, com um rosto arredondado de querubim emoldurado por um hijab modesto. Sua mãe fuma sem parar, é impetuosa e franca, além de tatuada, em um país onde tatuagens são consideradas irreligiosas. Seu lenço de cabeça de lado revela um cabelo com mechas de henna.

“Como você acha que ela se sente?” disse Gul, impaciente diante do que zombava como perguntas idiotas. “É uma prisão, como ela deveria se sentir? Uma prisão é uma prisão, mesmo se for o céu.”

Uma pergunta sobre por que Gul não deixa sua filha partir enfureceu a mãe ainda mais. Ela deu início a um ataque ao presidente afegão. “Ora, sr. América, diga para o cego do Ashraf Ghani, seu fantoche, seu escravo, para que me tire daqui”, ela disse. “Não cometi nenhum crime. Meu único crime foi preparar comida para meu marido, que cometeu um crime.”

O homem que ela chama de marido, Rahmatullah (eles nunca foram legalmente casados), foi condenado juntamente com o filho dela, cunhado, tio e sobrinho pelo papel deles nos assaltos e assassinatos de 27 homens afegãos entre 2001 e 2004. Os promotores afegãos disseram que Gul era a líder do bando.

Trabalhando como prostituta, Gul levava para casa seus clientes, muitos deles taxistas, e lhes servia kebabs (espetos de carne) drogados. Depois seus familiares os roubavam, matavam e enterravam nos quintais das casas das duas famílias.

Todos os seis foram condenados à morte e os cinco homens foram enforcados. Gul, entretanto, engravidou enquanto estava no corredor da morte, de modo que teve seu enforcamento adiado.

Após dar à luz, sua sentença foi mudada para prisão perpétua pelo então presidente Hamid Karzai, segundo o tenente-coronel Mohammad Asif, diretor da ala feminina do presídio.

Gul inicialmente disse que nunca confessou os crimes, depois disse ter sido torturada para confessá-los. Frustrada, ela fazia gestos de garra do outro lado da mesa e dizia: “Vou matar você. Vou até aí e arrancarei seus olhos.”

Meena tocava gentilmente no ombro dela para tentar acalmá-la, fazendo gesto de silêncio com o indicador e dizendo, “Shh”. A mãe brevemente se acalmava.

A menina ainda segurava o saco plástico amarelo. Dentro estava algo cuidadosamente embrulhado em uma toalha de mesa vermelha e branca.

“O que você tem aí, Meena?” perguntei.

“Fotos do meu pai.”

Rahmatullah (que assim como muitos afegãos tinha apenas um nome) também foi condenado por matar o marido legal de Gul, um coronel da polícia, enquanto eles tinham um caso. O corpo do coronel foi encontrado entre os corpos enterrados nos quintais das famílias em 2004. Rahmatullah também era um ladrão e pedófilo condenado e tinha a reputação de ser um ex-comandante do Taleban.

Mas certamente não era o pai biológico de Meena. As datas não batem. Ele já estava na cadeia quando implicou Gul nos assassinatos, e ambos estavam em prisões diferentes e em cidades diferentes na época da concepção de Meena.

As autoridades afegãs disseram que algum agente carcerário desconhecido é o pai de Meena e as autoridades acusaram Gul de engravidar deliberadamente para escapar da forca.

Meena exibiu as fotos uma a uma, às vezes demorando mais tempo em algumas, incluindo duas de Rahmatullah morto, após seu enforcamento, em uma mortalha que deixava apenas seu rosto visível. Não era uma imagem bonita.

Em uma entrevista em 2015 para o “New York Times”, Gul confessou que ela e Rahmatullah mataram juntos o marido dela.

Ela negou quando conversei com ela. “Foi tudo culpa do Rahmatullah”, disse Gul. “Eu não estaria aqui se não fosse por ele. Eles deveriam me executar, então Meena choraria por um dia e tudo acabaria. Em vez disso, eu choro todo dia. É uma morte lenta, morrendo o tempo todo.”

Em seus momentos mais calmos, Gul enviava uma mensagem simples e assustadora: Meena merece sua liberdade. Mas ela só a terá quando sua mãe também a tiver.

“Diga isso a Ashraf Ghani!” ela exigia.

A manutenção de crianças em um presídio é um escândalo sem solução fácil, dizem defensores de direitos. “Uma pessoa que não cometeu um crime não deveria ser punida por ele, e aquelas crianças não cometeram crime nenhum”, disse Bashir Ahmad Basharat, diretor da Rede de Ação para Proteção da Criança, uma agência semigovernamental.

A manutenção de crianças na prisão vai contra tanto as normas internacionais quanto a lei afegã, disse Basharat, apesar da prática ser comum. “Mas é algo quando não temos outras alternativas.”

Na hora de despedida, Meena apertou as mãos de todos educadamente, então foi para o outro lado do pátio com Salma, de braços dados, ainda carregando seu saco plástico amarelo.

Gul, então mais calma, também apertou as mãos educadamente, com olhar atrevido e desafiador. “Me dê algum dinheiro”, ela disse.

*Jawad Sukhanyar, Fahim Abed e Zabihullah Ghazi contribuíram com reportagem.

Tradutor: George El Khouri Andolfato

Notícia publicada no Portal UOL , em 5 de dezembro de 2017.

Valerie Nascimento** comenta

“Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e violência se fará. As prisões se transformarão em escolas e oficina. E os homens imunizados contra o crime, cidadãos de um novo mundo, contarão às crianças do futuro estórias absurdas de prisões, celas, altos muros, de um tempo superado.” (Cora Coralina – 2008.)

É extremamente difícil concebermos o mundo idealizado pelas palavras da poetisa goiana tomando como ponto de partida a vida que temos hoje. Ainda mais difícil o será sem acreditarmos na existência do mundo espiritual, num planejamento superior, na ideia da reencarnação que possibilita o esquecimento de todo o mal para recordar apenas o bem e a sagrada oportunidade de redenção.

Não acreditar nessa vida posterior tira algo do sentido da vida presente e do objetivo de estarmos neste planeta, onde as aflições estão por toda a parte.

Porém, é a Lei Divina que está em tudo e em cada ser. Respondendo a Allan Kardec em “O Livro dos Espíritos”, questão 621, sobre onde estão escritas as Leis de Deus, os Espíritos Superiores responderam categoricamente: Na consciência. Todos podem conhecê-la, seguem orientando os Espíritos, mas nem todos a compreendem. Contudo, chegará o dia em que todos nós a compreenderemos porque é necessário que o progresso se realize.

Assim, podemos entender que uma criatura delituosa é tão somente aquela que ainda não se conscientizou da realidade espiritual da vida e que esqueceu dos seus propósitos espirituais. Sem este alicerce moral o indivíduo não encontra segurança e se fragiliza em meio às incessantes mudanças de um mundo que o impulsiona a progredir. É preciso, então, reconectar-se com estes propósitos com a única força interior capaz de nos sustentar nos momentos desafiadores da vida: o amor.

“O primeiro juiz enviado por Deus é o sofrimento, que procura despertar a consciência adormecida.” (“Os Filhos do Grande Rei” - livro do Espírito Veneranda.) Sem ele seria difícil acordar a consciência para a realidade superior.

O aprisionamento causa na detenta uma ansiedade muito grande, um sentimento de inferioridade, impotência, menos valia, enfim, um sofrimento difícil de imaginar por quem goza da liberdade, ou melhor, por nós, que, no dizer do benfeitor Emmanuel, somos os delinquentes que apenas ainda não foram descobertos.

Todo sistema penal simboliza uma barreira com o mundo externo e a vida de relação. Tanto na sociedade quanto na criminalidade as mulheres detentas, mais até que os homens, carregarão consigo por toda a vida um estigma, uma cicatriz criminosa, mesmo após a liberdade.

É que junto com a sentença condenatória foi desconstruído o estereótipo da boa mãe, daquela que é paciente, tolera, serve, educa, cuida, perdoa e que não erra. Especialmente em países do Oriente Médio como o Afeganistão, cuja sociedade é extremamente machista e baseada no patriarcado.

Na cultura afegã, de geração em geração, as pessoas são condicionadas a acreditar que homens são superiores às mulheres. Apesar das importantes conquistas nos direitos femininos, por lá a violência contra mulheres ainda é bastante elevada, a maioria vive na pobreza, é excessivamente marginalizada e excluída de oportunidades educacionais significativas.

A mãe da pequena Meena, Shinrin Gul, diagnosticada como psicopata e condenada por dezenas de assassinatos, é uma exceção no perfil das prisioneiras afegãs. Segundo a Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão (RAWA) a esmagadora maioria das mulheres presas cumpre sentença por “crimes morais”, tais como fugir de casa de maridos e de sogros cruéis, fugir com amante, etc.

Propomos uma reflexão. Nessa situação de desamparo, a quem confiar a guarda de seus filhos? O que seria escolhido por uma mãe: expor sua criança a um mundo tão hostil - o extramuros - sem que ela os possa proteger e guiar, ou expô-la a outro igualmente mundo hostil – o da prisão – mas onde ela esteja para cuidá-los?

Sabemos que a Terra é apenas um dos incontáveis planetas do firmamento e que a evolução dos seus habitantes a coloca na posição de um dos menos evoluídos no quesito moralidade.

É por isso que vemos discrepâncias tão grandes entre seus povos, na forma como as sociedades são organizadas e se dirigem. Atendendo às necessidades evolutivas de cada ser, a Terra-escola possibilita a expiação - contenção temporária da liberdade individual necessária à reeducação do Espírito – e a provação – desafios evolutivos a que mesmo os Espíritos superiores estão sujeitos.

A vivência da maternidade dentro da prisão gera um sofrimento intenso. Das nefastas consequências que decorrem da condenação de uma mulher, sem dúvida o afastamento dos filhos é a mais dolorosa e traumática para ambos.

No Afeganistão, tanto quanto no Brasil, existem leis que permitem e regulamentam o direito de crianças permanecerem junto às suas mães encarceradas. No entanto, a realidade carcerária daqui e de lá demonstra o quando estas normas estão num plano ideal, mas insuficiente para garantir os direitos fundamentais das mulheres em situação de privação da liberdade.

E é importante ressaltar que quando falamos em direitos da mãe que está no cárcere, também falamos do direito fundamental da criança à convivência familiar e de ser cuidada pela família de origem. Porém, como lemos na reportagem, a maioria das presas é mãe, principal ou única referência no cuidado dos filhos e o Estado é ineficiente para substituir minimamente este papel.

Mas é justo uma criança que nenhum crime cometeu ser condenada desde o nascimento a ver o mundo entre as paredes de um presídio? É no aprofundamento do conhecimento do Espiritismo que somos levados a entender essas situações chocantes que abalam nossa sensibilidade.

Sabemos que o espírito reencarna em um determinado continente, em um determinado país, numa cidade deste país, com determinadas características culturais e em determinada família, de acordo com a sintonia e necessidades deste espírito com estas pessoas e circunstâncias. Inclusive, na maioria das vezes, o espírito reencarnante participa da elaboração seu próprio plano reencarnatório, considerando suas limitações e possibilidades.

Contudo, a reencarnação é um processo aberto, pois à trajetória do espírito reencarnado segue o exercício do livre-arbítrio. “Todo plano traçado na Esfera Superior tem por objetivos fundamentais o bem e a ascensão, e toda alma que reencarna no círculo da Crosta, ainda aquela que se encontre em condições aparentemente desesperadoras, tem recursos para melhorar sempre .” - Instrutor Alexandre, no livro “Missionário da Luz” (Destaque nosso).

É assim que se justificam as encarnações de espíritos que desde o nascimento encontram situações de tanto sofrimento. O meio ambiente em que a alma renasceu muitas vezes constitui a prova expiatória.

As leis de Deus - perfeitas como quem as criou – visam sempre o bem e a felicidade de todos. Quando transformamos nossa fragilidade em foco de ações contrárias a essas mesmas leis, interferimos indevidamente na harmonia divina. É o mal.

É então imprescindível recompormos os elos sagrados dessa harmonia sublime. É o resgate.

Sendo assim, e de acordo com esclarecimento do Espírito Emmanuel no livro “O Consolador”, podemos dizer que aquele que, de algum modo, já armazenou certos valores educativos, é convocado para esse ou aquele trabalho de responsabilidade junto de outros seres em provação rude. É o que parece ocorrer com a menina Meena, cuja presença inocente dulcifica o caráter da mãe psiquiatricamente doente e clinicamente diagnosticada como incompetente para o sentir.

A infância é um período determinante para o sucesso reencarnatório do espírito. Nessa fase os afetos são de importância muitíssimo maior que em qualquer outro período posterior da vida. O assunto é tão sério que a ONU estabeleceu regras mínimas para o tratamento das mulheres presas, estabelecendo assim um marco internacional de proteção a elas e aos seus filhos, garantindo o direito ao vínculo mãe-filho desde a gestação até os 18 anos.

Nessa convivência é que a magia do amor acontece. A mulher criminosa gradativamente abandona a raiva, o rancor e uma postura embrutecida para deixar fluir um sentimento mais terno. Pelo medo de expor os filhos a situações violentas, modera o trato nas relações com as demais presas e a solidariedade entre as que são mães diminui os conflitos tão comuns no encarceramento.

Por outro lado, a angústia da privação do vínculo materno pode atingir de maneira importante a saúde mental da criança e, segundo a psicologia infantil, a consequência pode ser o comprometimento da afetividade, desencadeando comportamentos agressivos e delinquentes.

“Aliás, é pelo amparo recíproco que alcançaremos as expressões mais altas dos valores intelectivos e sentimentais” , reforça Emmanuel, no livro já citado.

Sem dúvida o ambiente penitenciário está longe de ser o ideal para a promoção do desenvolvimento saudável de uma criança. Porém, psicanalistas defendem que mais prejudicial para elas seria a privação do vínculo materno. O filho que tem a mãe cumprindo pena, estando ou não junto dela, sofrerá inevitavelmente alguma mudança, receberá marcas e impressões.

E para nós que por hora vivemos outras realidades, nos cabe o exercício da compaixão e a compreensão de que em tudo prevalece a Providência Divina, que opera a execução de seus desígnios com igualdade e justiça. A dor não provém de Deus, ensina André Luiz, autor espiritual. Segundo a lei, ela é criação de quem a sofre.

Já fomos negros, fomos amarelos, pardos, já fomos senhores, fomos escravos, já fizemos sofrer e também já sofremos… Todas as experiências levam ao aprendizado do amor em sua expressão mais sublime, elemento fundamental da libertação do espírito. O amor a Deus e o amor ao próximo.

Fontes de consultas:

** Valerie Nascimento é espírita e colaboradora do Espiritismo.net.