
Seu último romance, Be Mine, começa com a ideia de felicidade e termina da mesma forma, mesmo em momentos de grande dor para o protagonista, como a morte de um filho. Por que a felicidade?
A íntegra da matéria pode ser acessada em:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c20nn0l1lg2o
O comentário a seguir é de *Jussara Macabu:
Richard Ford é um escritor norte-americano. Em seu último romance, ele abordou o tema “Mesmo quando você perde um filho ou esposa, nada o isenta da responsabilidade de ser feliz.”, conforme informação da entrevista à BBC. 1
O conceito de felicidade, apesar de explorado desde a Antiguidade por um grande número de pensadores, não é definitivo. Santo Agostinho vê a felicidade na união com Deus, Allan Kardec deixa claro que ela não pertence ao mundo físico e deve ser buscada na vida espiritual. Os dois propõem que o homem deve transcender o imediatismo da vida física, buscando na instância superior a felicidade almejada, com suas atitudes no bem. “Quem dá recolhe a felicidade de ver a multiplicação daquilo que deu.” 2
Joanna de Ângelis explica no livro Alerta, que:
“[...] “Eclesiastes afirma: ´A felicidade não é deste mundo´ e Jesus, dando validade ao conceito corroborou-o, na assertiva de que o seu ´reino não é deste mundo´, porquanto, não obstante a felicidade não possa ser totalmente fruída na Terra, aqui pode e deve ser trabalhada, constituída para atingir o seu estágio superior, fora do corpo, no reino do espírito, que é o reino de Cristo.” 3
No Espiritismo, entendemos que a felicidade verdadeira não está nas condições externas, mas sim na forma como lidamos com elas. A perda de entes queridos, como um filho ou um cônjuge, é, sem dúvida, uma das dores mais profundas que podemos experimentar na existência terrena. No entanto, mesmo nessas circunstâncias, somos convidados a buscar sentido, crescimento e serenidade.
No capítulo 5, intitulado Bem-aventurados os aflitos, de O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec nos convida a compreender o sofrimento não como punição, mas como um caminho de lapidação da alma. E Sanson, ex-membro da Sociedade Espírita de Paris, em 1863, no item 21 deste mesmo capítulo, nos leva a refletir sobre a dor da perda de um ente querido, que é real, legítima e profunda, mas não pode ser o ponto final da caminhada. A vida, sob a perspectiva da imortalidade da alma, não se encerra na matéria, e a separação é sempre transitória. Disse Sanson:
“Vós, que compreendeis a vida espiritual, escutai as pulsações do vosso coração a chamar esses entes bem-amados e, se pedirdes a Deus que os abençoe, em vós sentireis fortes consolações, dessas que secam as lágrimas; sentireis aspirações grandiosas que vos mostrarão o porvir que o soberano Senhor prometeu.” 4
Conforme a resposta à pergunta 614 de O Livro dos Espíritos 5,..
“A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer ou deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta.”.
É na Lei de Deus que está inscrita a busca da felicidade como finalidade última da existência. Contudo, na questão 920, eles também esclarecem, quando Kardec questiona se “Pode o homem gozar de completa felicidade na Terra?”, a resposta é “Não.” 6. Isso não significa que sejamos condenados à tristeza, mas que devemos buscar a felicidade possível, aquela que nasce do dever cumprido, pelo caminho reto, da consciência tranquila e da compreensão espiritual da vida.
Quando Ford fala em “responsabilidade de ser feliz” 1, ele reflete, com outras palavras, a ideia espírita de que somos responsáveis pela construção do nosso estado íntimo, mesmo quando as circunstâncias externas nos parecem desfavoráveis. Essa responsabilidade não nega a dor; ela nos convida a ressignificá-la à luz do amor e da fé.
Em O Céu e o Inferno, ao tratar dos chamados “espíritos sofredores” 7, vemos claramente como o sofrimento prolongado está ligado, muitas vezes, à recusa em aceitar as provas e lições da vida com humildade. A felicidade, nesse contexto, não é um sentimento pueril, mas um estado de harmonia espiritual que se alcança pelo entendimento da justiça divina, pela vivência do perdão e pelo cultivo do amor e da esperança.
A perda de um filho, de uma esposa, de qualquer ente querido, nos confronta com a finitude do corpo, mas jamais com a finitude do amor. Na questão 934 de O Livro dos Espíritos, somos lembrados de que o sofrimento dessa “perda” que pode atingir a qualquer pessoa, “representa uma prova, ou expiação, e comum é a lei.” Essa dor pode ser um catalisador de progresso espiritual, se for acolhida com compreensão.
Portanto, à luz do Espiritismo, ser feliz é um dever espiritual. Não um dever imposto de fora, mas um chamado interno à superação, à confiança nos desígnios de Deus. Não é fugir do sofrimento, mas encontrar, mesmo nele, a possibilidade de crescimento, de entrega e de renovação.
“A felicidade constitui-se da sabedoria de poder-se administrar as ocorrências do quotidiano, retirando das situações mais difíceis a quota edificante e produtora de harmonia, considerando-as como propostas educativas e aprendizado oportuno para os futuros embates. Ser feliz é a meta da existência, e lográ-la, é o desafio psicológico aguardando amadurecimento do ser humano.” Joanna de Ângelis 8.
*Jussara Macabu é coordenadora do Evangelho Redivivo da CEERJ, tarefeira da Seara Espírita Campo da Paz e do Espiritismo.net.
Referências bibliográficas:
Xavier, Francisco Cândido. Fonte Viva, cap.142. Pelo Espírito Emmanuel. https://search.nepebrasil.org/book-part/?chapter=117&book=4 ↩︎
Franco, Divaldo Pereira. Alerta, cap.55. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. https://search.nepebrasil.org/book-part/?chapter=55&book=595&id=28707 ↩︎
Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, cap.5, item 21. Pelo Espírito Sanson https://bibliadocaminho.com/ocaminho/TKP/Ev/Ev05b.htm#It21 ↩︎
____________. O Livro dos Espíritos. Questão 614. https://bibliadocaminho.com/ocaminho/TKP/Lde/LdeP3C01.htm#Q614a618 ↩︎
___________. _______________. Questão 920. https://bibliadocaminho.com/ocaminho/TKP/Lde/LdeP4C01.htm#Q920a933 ↩︎
___________. O Céu e o Inferno, Segunda parte, cap. 4. https://bibliadocaminho.com/ocaminho/TKP/Ci/CiP2C04Intr.htm ↩︎
Franco, Divaldo Pereira. Encontro com a paz e a saúde, cap. 7. Pelo Espírito Joanna de Ângelis https://search.nepebrasil.org/book-part/?book=581&chapter=7&id=27467 ↩︎