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  • 'Despreparada para a era digital, a democracia está sendo destruída', afirma guru do 'big data'

Segundo o professor da Universidade da Califórnia e assessor de tecnologia da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, o fluxo de dados entre cidadãos e governantes pode nos levar a uma ‘ditadura da informação’. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :23/02/2018
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Gerardo Lissardy

Da BBC Mundo em Nova York

Quando Martin Hilbert calcula o volume de informação que há no mundo, causa espanto. Quando explica as mudanças no conceito de privacidade, abala. E quando reflete sobre o impacto disso tudo sobre os regimes democráticos, preocupa.

“Isso vai muito mal”, adverte Hilbert, alemão de 39 anos, doutor em Comunicação, Economia e Ciências Sociais, e que investiga a disponibilidade de informação no mundo contemporâneo.

Segundo o professor da Universidade da Califórnia e assessor de tecnologia da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, o fluxo de dados entre cidadãos e governantes pode nos levar a uma “ditadura da informação” , algo imaginado pelo escritor George Orwell no livro 1984 .

Vivemos em um mundo onde políticos podem usar a tecnología para mudar mentes, operadoras de telefonia celular podem prever nossa localização e algoritmos das redes sociais conseguem decifrar nossa personalidade melhor do que nossos parceiros, afirma.

Hilbert conversou com a BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, sobre a eliminação de proteções à privacidade online nos EUA, onde uma decisão recente do Congresso, aprovada pelo presidente Donald Trump, facilitará a venda de informação de clientes por empresas provedoras de internet.

Confira os principais trechos da entrevista:

BBC: Qual é sua opinião sobre a decisão do Congresso dos EUA de derrubar regras de privacidade na internet?

Martin Hilbert: Os provedores de internet buscam permissão para coletar dados privados dos clientes há muito tempo - incluindo o histórico de navegação na web - e compartilhar com terceiros, como anunciantes e empresas de marketing.

Um provedor de internet pode ver suas buscas na internet - se, por exemplo, você assiste Netflix ou Hulu. Essa informação é valiosa, porque poderiam orientar sua publicidade a residências que usam seus serviços.

Enquanto isso parece ser um ato grave, liberado pelo novo governo dos EUA, há que reconhecer que nos últimos 30 anos os órgãos reguladores das telecomunicações nos EUA se afastaram de uma de suas metas originais: o benefício da sociedade. E se moveram no sentido de favorecer as empresas.

BBC: Os provedores de internet diziam que as regras não se aplicaram a grandes coletores de dados como Facebook ou Google. Como vê esse argumento?

Hilbert: Tem certa razão. Mas há uma diferença: para o Facebook, seu negócio são os dados que tem, trata-se de uma empresa de dados. A questão é se classificamos ou não os provedores de internet como provedores de dados.

Muitos provedores de telecomunicações inclusive estão começando a vender dados. Por exemplo: uma operadora de telefonia celular sabe onde você está em cada segundo. Então também podem vender essa informação? É preciso redefinir esses diferentes âmbitos. O órgão regulador precisa estar preparado e encontrar um equilíbrio em cada país.

BBC: Isso mostra a dificuldade de proteger a privacidade hoje?

Hilbert: A pergunta certa é que privacidade as pessoas querem. E a verdade é que as pessoas não estão tão preocupadas. O que ocorreu depois de todas as revelações de Edward Snowden? Nada. Disseram: “Não é bom que vejam minhas fotos íntimas”. E no dia seguinte continuaram. Ninguém foi protestar.

BBC: Consideremos uma pessoa adulta que hoje usa um celular, um computador. Quanta informação pode ser coletada sobre essa pessoa?

Hilbert: No passado, a referência de maior coleção de informação era a biblioteca do Congresso americano. E hoje em dia a informação disponível no mundo chegou a tal nível que equivale à coleção dessa biblioteca por cada 15 pessoas.

Há um monte de informação por aí, e ela cresce rapidamente: se duplica a cada dois anos e meio. A última fez que fiz essa estimativa foi em 2014. Agora deve haver uma biblioteca do Congresso dos EUA por cada sete pessoas. E em cinco anos haverá uma por cada indivíduo.

Se colocássemos toda essa informação em formato de livros e os empilhássemos, teríamos 4,5 mil pilhas de livros que chegariam até o Sol. Novamente, isso era há dois anos e meio. Agora seriam 8 ou 9 mil pilhas chegando ao Sol.

E a informação que você produz cresce basicamente no mesmo ritmo: estima-se que haja 5 mil pontos de dados disponíveis para análise por morador dos EUA. São coisas que deixamos no Facebook, por exemplo. O volume de dados que deixamos de verdade é difícil de estimar, porque é quase um contínuo: você tem o celular consigo a cada segundo e deixa uma pegada digital. Então cada segundo está registrado por diversas empresas.

BBC: Pode dar exemplos?

Hilbert: Sua operadora de celular sabe onde você está graças a seu celular. O Google também sabe, porque você tem Google Maps e Gmail no seu telefone. E cada transação que faz com seu cartão de crédito é um ponto de dados, cada curtida no Facebook. Inclusive pode haver registros de como você movimenta o mouse ao usar a internet.

BBC: Mas essa informação não está reunida em apenas um lugar ou por uma empresa. Até que ponto podemos ser previsíveis para uma empresa que coleta dados sobre nós?

Hilbert: Vou dar vários exemplos. Seu telefone te mostra quantas chamadas fez. A operadora deve coletar essas informações para processar sua conta. Eles não se preocupam com quem e o que falou. É apenas a frequência e duração de suas chamadas, algo conhecido como metadados . Com isso é possível fazer uma engenharia reversa e reconstruir um censo completo de um país com cerca de 80% de precisão: gênero, famílias, renda, educação.

Se tenho informação mais detalhada - por exemplo, se a operadora registra seus deslocamentos por meio das conexões às antenas. É possível prever com até 95% de precisão onde você estará em dois meses, e em que hora do dia .

Passemos ao Facebook, que tem um pouco mais de informação, Há, por exemplo, as “curtidas”, o que você gosta e quando. Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, fizeram testes de personalidade com pessoas que franquearam acesso a suas páginas pessoais no Facebook, e estimaram, com ajuda de um algoritmo de computador, com quantas curtidas é possível detectar sua personalidade.

Com cem curtidas poderiam prever sua personalidade com acuidade e até outras coisas: sua orientação sexual, origem étnica, opinião religiosa e política, nível de inteligência, se usa substâncias que causam vício ou se tem pais separados. E os pesquisadores detectaram que com 150 curtidas o algoritmo podia prever sua personalidade melhor que seu companheiro. Com 250 curtidas, o algoritmo tem elementos para conhecer sua personalidade melhor do que você.

BBC: Para que essa informação é usada?

Hilbert: Para uma empresa de marketing ou um político em busca de votos, é algo muito interessante. Com o chamado big data (análise de grandes volumes de dados oriundos do uso de internet) também elevamos muito o poder de previsão das Ciências Sociais. Desenvolver um algoritmo de inteligência artificial pode custar milhões de dólares. Mas uma vez criado pode ser aplicado a todos. Então é algo que está sendo empregado rapidamente em outros países.

A operadora de celular Telefônica, bastante ativa na América Latina, trabalhou muito em previsão de localização. E até já começou a vender ese tipo de informação. Então caso você queria abrir uma empresa em alguma capital da América Latina para vender gravatas. você paga e te dizem em que hora e onde os homens caminham. E você fica sabendo em qual saída do metrô deve instalar sua loja.

BBC: A questão é o quão perigoso é tudo isso, essa forma como estão coletando dados que permitem fazer previsões sobre os indivíduos e a sociedade em geral.

Hilbert: Uma tecnologia é apenas uma ferramenta. Pode-se usar um martelo para coisas boas, como erguer uma casa, mas também para matar alguém. Nenhuma tecnologia é tecnologicamente determinada, sempre é socialmente construída.

Não me preocupo tanto com o comércio ou com a economia. Quem não está preparada para esta transparência brutal entre cidadão e representante é a democracia representativa.

BBC: Por quê?

Hilbert: Porque a democracia representativa, como a inventaram nos EUA, é um processo de filtrar informação . Há 250 anos era impossível consultar todas as pessoas e as pessoas tampouco estavam informadas. Então os “pais fundadores” da nação americana inventaram um filtro de informação que chamaram de representação: ter representantes que em seu nome deliberam e definem o que serve à sociedade. Rompemos isso completamente.

Os representantes hoje podem ter acesso a tudo o que os cidadãos fazem. E os cidadãos podem ditar a vida dos representantes, com tuítes e outros recursos. A democracia representativa não está preparada para isso.

É o que vemos agora, com a última eleição nos EUA e como o novo presidente usa as mídias sociais - é parte dessa confusão em que estamos.

É preciso refletir e reinventar a democracia representativa. Caso contrário, ela pode facilmente se converter em ditadura da informação. E atentem que a visão mais antiga da sociedade da informação é de 1948, quando George Orwell publicou seu livro 1984 . A visão era de uma ditadura da informação.

Se alguém dissesse isso há dez anos, certamente seria contestado pela maioria que acreditava que a internet era democracia pura e liberdade. Mas hoje pessoas começam a entender a necessidade de atuação rápida. A democracia não está preparada para a era digital e está sendo destruída.

Estamos num processo que (o economista austro-americano Joseph) Schumpeter chamou de destruição criativa. E não teremos nenhuma criatividade, porque não há proposta de como fazê-la de modo diferente. Não há uma saída, e isso preocupa.

BBC: Pode dar exemplos práticos dessa destruição?

Hilbert: (O ex-presidente americano Barack) Obama entende muito bem de big data . Depois do caso Snowden muitos perguntaram porque Obama nada fez. Bom, porque ele também o usou muito.

A maior despesa da campanha de Obama em 2012 não foi para comerciais de TV: criou-se um grupo de 40 engenheiros recrutados em empresas como Google, Facebook, Craigslist, e que incluiu até jogadores profissionais de pôquer. Pagou milhões de dólares para o desenvolvimento de uma base de dados de 16 milhões de eleitores indecisos: 16 milhões de perfis com diferentes dados: tuítes, posts do Facebook, onde vivem, o que assistiam na TV.

Quando a campanha conhecia suas preferências, se um amigo seu no Facebook dava uma curtida na campanha de Obama, a equipe ganhava acesso à página desse amigo e passava e enviar mensagens.

E conseguiram mudar a opinião de 80% das pessoas alcançadas desta maneira. Com isso, Obama ganhou a eleição. È como uma lavagem cerebral: não mostra a informação, apenas o que querem escutar.

BBC: Como o big data está alterando as formas de governar?

Hilbert: O representante político tem muita informação sobre você, mas o inverso também é verdade. Veja o presidente Trump, que muitas vezes reage em tempo real ao que as pessoas dizem. É como alguém se convertesse em uma marionete do que recebe pela TV ou pelo Twitter.

A ideia do mandato representativo, como criado peos “pais fundadores” dos EUA, era: confiamos em você como pessoa e você lidera e toma decisões em nosso nome. Agora os políticos medem sua popularidade no Facebook e mudam o discurso ao vivo para ajustá-lo aos comentários do Twitter. Isso não é a ideia que foi desenhada. Os grandes presidentes não se guiaram por populismo: eles lideraram.

BBC: Teria uma proposta de solução para esse problema?

Hilbert: A história mostra que é preciso mudar as instituições. Não é possível controlar quem tem dados e quem não tem. Pode-se criar instituições e determinar que algumas informações serão abertas ao público. Por exemplo: os partidos políticos devem declarar as doações que recebem. Mas vão abrir os dados das pessoas?

Abrir também não é a solução, Mas é preciso discutir muito esse assunto. E as pessoas não discutem.

Também é preciso mudar a tecnologia. A tecnologia não é algo que cai do céu. Há muitas oportunidades. Numa entrevista de emprego, por exemplo, a inteligência artificial poderia ser muito mais neutra do que um gerente de recursos humanos que possa discriminar alguém inconscientemente. Poderíamos abandonar padrões muito antigos e criar o futuro que queremos.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 9 de abril de 2017.

Breno Henrique de Sousa* comenta

Idas e Vindas do Progresso

Para tratar do tema dessa reportagem, é necessário fazer uma breve reflexão sobre porque nem todos os avanços tecnológicos são necessariamente para o bem imediato da humanidade ou significam um degrau escalado na marcha do progresso.

O Espiritismo possui uma perspectiva evolucionista associada à ideia do progresso. Digo isso porque progresso e evolução, apesar de serem conceitos semelhantes, possuem significados diferentes. Aliás, o termo que encontramos em O Livro dos Espíritos , onde explana-se bem esse conceito, é a “Lei de Progresso”. A palavra evolução tornou-se mais popular com a teoria da Evolução de Charles Darwin e possui significado bem diferente da Lei de Progresso do Espiritismo.

É preciso estudar muito atentamente a chamada Lei de Progresso para entender que o progresso na perspectiva espírita não se trata de uma marcha uniforme, ininterrupta e constante. Apesar de não retrogradarmos individualmente quando efetivamente progredimos, as coletividades, do ponto de vista humano, podem retroceder.

Não estou dizendo nenhuma blasfêmia e explico melhor meu ponto de vista. Quando um indivíduo adquire de fato um conhecimento, como aprender a ler, ele não volta a ser analfabeto; da mesma forma, não perdemos as qualidades morais que efetivamente adquirimos. Algumas pessoas, por falta de circunstâncias favoráveis, não manifestam seus maus pendores e por isso parecem ser boas, mas o simples fato de não ter feito o mal não significa uma virtude adquirida. Por outro lado, quando observamos a história da humanidade, temos várias idas e vindas, povos que chegaram ao seu apogeu e desapareceram, outros que se desvirtuaram moralmente. Do ponto de vista espírita, ocorre que, com a sucessão das gerações, são outros os espíritos que encarnam naqueles povos e lugares, o que pode resultar em um retrocesso do ponto de vista humano, ainda que não haja um retrocesso do ponto de vista espiritual.

E mesmo que os planetas, dentro de uma perspectiva maior, estejam submetidos à Lei de Progresso, eles também têm seu tempo de vida. O planeta Terra não existirá eternamente, assim como o nosso Sol um dia deixará de brilhar, ainda que isso leve bilhões de anos. Porém, os espíritos que aqui habitam seguirão progredindo em outros planos de existência.

Toda essa introdução é para dizer que apesar de existir uma Lei de Progresso à qual todas as coisas estão submetidas, do ponto de vista das coisas terrestres, frequentemente as coisas desandam, sem que isso afete a essência daquela lei. Se seguirmos mais adiante em O Livro dos Espíritos, vamos encontrar também a Lei de Destruição, talvez mais complexa e de difícil entendimento que a Lei de Progresso. Talvez o Espiritismo seja a única “religião” ocidental que apresenta a destruição como uma lei divina.

É curioso que grande parte do público espírita ignora as faces dessas leis e alimenta um otimismo exagerado com relação ao progresso terrestre, um otimismo que beira a ingenuidade. Nessa perspectiva, todos os nossos problemas serão resolvidos e não precisamos nos preocupar com nada, pois a Lei de Progresso está aí pra ajeitar a casa: “Problemas ecológicos? A tecnologia está aí pra resolver tudo. Ameaça nuclear? Os bons espíritos vão intervir e resolver o problema. Problemas sociais e violência? Logo os maus desencarnarão e só reencarnarão espíritos de luz. Já estamos adentrando na era da regeneração e nada muito grave pode acontecer, apenas os ecos do mundo de provas e expiações que ainda reverberam do passado, mas que logo sumirão estabelecendo um paraíso na Terra.”

Na ânsia de encontrar soluções para os nossos problemas, sonhamos com um mundo de regeneração que de fato existirá um dia, mas, se é verdade que as bases para essa regeneração estão estabelecidas, até que se construa o edifício, muitas gerações irão suceder-se, as mudanças não se darão em um passe de mágica, teremos muitas idas e vindas e é preciso estar alertas aos perigos de agora que nos cercam e podem embaraçar a marcha do progresso.

O avanço vertiginoso da tecnologia, sobretudo em áreas como a inteligência artificial, representa um risco real para a humanidade, independentemente do seu potencial positivo. Maravilhamo-nos com a tecnologia, sonhando que ela será a solução mágica para todos os problemas da humanidade. Ansiosos pelo mundo de regeneração, abraçamos as inovações tecnológicas de maneira acrítica, como se ela fosse isenta de riscos e de manipulações por parte daqueles que detêm o poder na Terra.

Certamente, tudo ocorre com a permissão divina, e Deus nos permite aprender com o erro, de outra maneira não existiria o livre-arbítrio. Foi pelo livre-arbítrio que ocorreu a tragédia atômica de Hiroshima e Nagasaki, foi pelo livre-arbítrio que ocorreram as guerras mundiais, as cruzadas, e pelo livre-arbítrio os homens crucificaram o próprio Jesus. Deus não impede que coisas ruins aconteçam quando estamos determinados a fazê-las e quando Ele julgue que dessas más experiências podemos retirar algum proveito para o nosso aprendizado e crescimento. Isso não quer dizer que Deus não nos livre de certos males ou que ele seja indiferente ao nosso sofrimento, porém a liberdade não existe de fato quando não nos é permitido fazer más escolhas, sofrer as consequências e aprender com elas.

Deus nos protege a todos e em uma perspectiva maior, estamos todos direcionados à perfeição, porém, por nossa ignorância, podemos retardar a caminhada individual ou planetária. Não sejamos pessimistas, nem tão pouco ingenuamente otimistas. Certamente, todo esse progresso tecnológico será usado em benefício da humanidade assim como hoje a energia atômica possui diversos usos, mas está em nossas mãos evitar que se repitam os equívocos do passado, pois, pelo potencial das tecnologias atuais, os estragos serão exponencialmente maiores do que qualquer tragédia do passado.

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano, professor da Universidade Federal da Paraíba nas áreas de Ciências Agrárias e Meio Ambiente. Está no movimento Espírita desde 1994, sendo articulista e expositor. Atualmente faz parte da Federação Espírita Paraibana e atua em diversas instituições na sua região.