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  • Dent: A doença que, de tão rara, obriga uma mãe a buscar sozinha os recursos para a cura

Em 2012, após o diagnóstico de Nacho com Dent, Eva sentiu tanto ‘desespero e impotência’ que decidiu levar a cabo uma luta pessoal contra a condição de seu filho. Glória Alves comenta.

  • Data :19/08/2017
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Inma Gil Rosendo

BBC Mundo

“Mamãe, vão me picar hoje?”. “Sim”, responde Eva Giménez sem hesitar. “Hoje você será picado, Nacho.”

“Mamãe, por que eu vou tanto ao hospital e as crianças da minha turma não?”

“É porque você tem a doença de Dent. Não sabe?”

“Ah, sim, claro, mamãe, por isso. Ok, ok.”

Nacho mora na Espanha, tem 7 anos e sonha em ser jogador de futebol, mas está proibido de correr ou jogar bola, exceto por um curto período de tempo a cada duas ou três semanas. Tudo porque sofre de uma grave osteoporose.

“Nós vamos dois dias ao hospital e três dias à escola”, explica Eva ao telefone à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC. Mas ressalta que “Nacho é o garoto mais feliz do mundo”.

“Queríamos que Nacho vivesse suas limitações e sua doença com alegria, porque não é algo passageiro. É para a vida toda.”

Seu filho é tratado por oito especialistas diferentes, entre cardiologistas, nefrologistas, ortopedista e endocrinologista. Ele foi internado seis vezes com risco de ataque cardíaco e redução drástica no nível de potássio. Todos os dias, toma sete remédios a cada oito horas.

Mas os medicamentos não podem curá-lo. Apenas repõem oralmente o que Nacho perde pela urina em grandes quantidades: cálcio, potássio e fósforo.

‘Desespero e impotência’

Em 2012, após o diagnóstico de Nacho com Dent, Eva sentiu tanto “desespero e impotência” que decidiu levar a cabo uma luta pessoal contra a condição de seu filho.

E ela começou com o básico: fundar uma associação para levantar fundos para um projeto de pesquisa para encontrar uma cura, uma vez que, de acordo com Eva, “não há nenhum no mundo”.

Dent é uma doença rara e hereditária que, na maioria dos casos, é causada por uma mutação genética no cromossomo X e afeta os rins. Apenas algumas centenas de pessoas sofrem desse problema em todo o mundo.

Foi assim que nasceu o Asdent, que agora tem 700 membros e tornou-se um ponto de referência para as famílias dos pacientes de Dent de outras partes do mundo que procuram informações na internet.

“Dão o diagnóstico da doença de Dent, mas não oferecem nenhum tipo de tratamento. Então, seus pais se desesperam. Eles entram na internet e me encontram”, explica Eva. “Guardo o áudio de uma mãe argentina que me arrepia, (dizendo) ‘você é a nossa esperança’.”

Pernas tortas

O áudio era um pedido de ajuda de dois pais desesperados, Natalia e Esteban.

“Aqui na Argentina e, particularmente em Córdoba, ninguém sabia o que fazer com o Gabi ou como tratá-lo, fosse em hospitais públicos ou privados”, diz Natalia à BBC. “Enviamos um e-mail para Asdent pela manhã e, à noite, nós já estávamos falando ao telefone com Eva.”

Natalia levou o filho ao ortopedista quando ele tinha um ano e meio porque estava preocupada com suas pernas “muito tortas”.

E assim ela começou uma saga por diferentes especialistas e hospitais, com exames de sangue intermináveis ​​e testes de urina que terminaram num diagnóstico de raquitismo hipofosfatêmico - um distúrbio causado pela deficiência da absorção intestinal de cálcio.

Mas esse não seria o fim de sua odisseia: duas semanas depois, após uma análise mais aprofundada, os médicos contaram aos pais que havia 80% de chance de Gabi ter uma tubulopatia rara chamada doença de Dent, que afeta principalmente os rins.

“Sabemos agora que o raquitismo é uma das consequências dessa doença”, explica Natalia.

Como existem várias doenças renais chamadas “tubulopatias”, Gabi precisou ser submetido a um estudo genético - não disponível na Argentina e no exterior - de US$ 6 mil para confirmar o diagnóstico de Dent.

A prioridade agora é que Gabi passe a ter cuidados paliativos o mais rápido possível, “para evitar que as coisas que não podem ser recuperadas, como a deformidade das pernas, não continuem se agravando”.

“Por seu filho, você tira forças de onde quer que seja, mesmo sem tê-las”, diz Natalia.

Passado quase um ano desde o diagnóstico inicial, “agora Gabi não está tomando nada, apenas a vitamina D e um leite especial porque tem desnutrição”. Mas ele deve começar um tratamento em Buenos Aires, ainda neste mês.

Natalia também aguarda os resultados de outro teste genético que a Adent bancou para a irmã gêmea de Gabi, para averiguar se ela tem ou não a mutação genética do irmão.

Para a sorte de Natalia, do outro lado do Atlântico estava Eva, que já tinha passado por todo esse processo e tinha muitas respostas.

Ajuda

“Eu teria adorado que, no começo (do diagnóstico de Nacho) alguém do outro lado do mundo tivesse dito: ‘Eva, venha por aqui, vai ser melhor. Você não vai ficar bem, mas vai se sentir melhor’. Então decidi fazer isso com todos os pacientes de Dent que encontro”, conta a espanhola.

Quando conversou com a BBC, Eva tinha acabado de voltar da Argentina e do Equador, para onde viajou para atender Gabi e também Daniel, outro paciente com Dent, de 18 anos.

Há dois anos, o pai de Daniel bateu pessoalmente à porta da Asdent, em Barcelona, procurando ajuda para seu filho equatoriano, que tinha uma insuficiência renal em estágio avançado. Assim como Gabi, ele não seguia nenhum tratamento.

Em ambos os casos, Eva ajudou a organizar gratuitamente os estudos genéticos que eles precisavam e a fazer o necessário para retornar a seus países as com orientações médicas específicas sobre como tratar os efeitos da doença.

“Estou muito feliz em ver que, depois de tudo que eu passei, agora eu posso ajudar os outros.”

‘Fazer loucuras’

Nacho também passou por vários diagnósticos de doenças renais até os médicos concluírem, em 2012, que ele tinha Dent. Isso depois de um ano e meio.

“Naquela época, havia apenas 96 casos relatados em todo o mundo”, diz Eva, e “os médicos nunca tinham tido pacientes como ele.”

“E, a partir desse momento, eu comecei a fazer loucuras para levantar fundos e abrir um projeto de pesquisa.”

Uma das maiores loucuras foi em 2014, quando participou de uma corrida de bicicleta pelo deserto do Saara: percorreu 600 km em seis dias.

“Passei dias inteiros pedalando pelo deserto durante mais de 10 horas por dia contra a doença de Dent.”

Eva, a quem uma esclerose múltipla causou perda de força, diz que durante esses dias seu corpo foi exposto a um sofrimento extremo.

“O quanto eu chorei não está escrito. (Mas) isso me permitiu arrecadar 40 mil euros (R$ 147 mil)”, diz ela em tom quase incrédulo.

“E foi com esses 40 mil que eu paguei meus ratinhos.”

Pesquisas

Ela se refere a uma ninhada de cerca de dez ratos pelos quais ela ansiava havia dois anos, para as pesquisas de laboratório sobre medicamentos contra a doença de Dent.

Quem lidera as pesquisas são os médicos de Nacho: Felix Claverie-Martin, do Hospital Universitário Nossa Senhora da Candelária, em Tenerife, e Gemma Aviceta, do Hospital Vall d’Hebron, em Barcelona.

Juntos, eles estudam a parte genética e a parte clínica da doença desde 2014, quando Eva foi capaz de impulsionar um estudo do Instituto de Pesquisa do Hospital Vall d’Hebron com um orçamento inicial de 400 mil euros (R$ 1,4 milhão), que sua mãe se empenhou para arrecadar por conta própria por meio de campanhas.

Agora, uma nova fase de pesquisas exigirá 1,5 milhão de euros (R$ 5,5 milhões).

“E eu estou todos os dias à procura de recursos”, diz Eva.

‘Muito rentável’

“Mamãe, por que eu não tenho um xarope para me curar, como o Lucas da minha classe?”, perguntou Nacho certa vez a Eva.

“É só isso que a mãe quer, Nacho. Conseguir um medicamento que você possa tomar para ficar bem, sem nenhum problema.”

Eva deixa claro que se Dent fosse uma doença comum, já teria sido solucionada há tempos.

“O problema é que existem mais de 7 mil doenças raras com poucos pacientes, então é claro que não somos interessantes para um laboratório porque não é rentável criar uma droga para 400 pacientes. Mas, para mim, a vida do meu filho é muito rentável.”

O esforço dessa mãe virou tema de documentário, El reto de Eva (O desafio de Eva, em tradução livre), em que ela narra sua busca por financiamento e também por dar uma vida feliz a Nacho e a suas duas outras filhas.

“Nunca deixei que a falta de dinheiro fosse um obstáculo para o meu filho seguir adiante”, conclui Eva. “E se me pedem um milhão e meio (de euros), eu vou atrás. E se pedirem 6, eu vou buscar 6. E vou dedicar minha vida a isso.”

Notícia publicada na BBC Brasil , em 18 de junho de 2017.

Glória Alves* comenta

Desespero ou amor profundo pelo filho?

O amor materno dá força, coragem e energia a essa mãe que também passa por uma doença incurável, a esclerose múltipla, e que tem diante de si um drama terrível, o diagnóstico de que seu filho é portador de uma doença rara, sem cura, a Doença de Dent, uma mutação genética no cromossomo X e que afeta os rins.

Ao saber da doença de Nacho, a senhora Eva Giménez decide lutar e buscar sozinha os recursos para a cura de seu filho, e conforme ela mesma diz, “fazer loucuras para levantar fundos e abrir um projeto de pesquisa” da Dent. Uma dessas loucuras, para quem tem esclerose múltipla, foi percorrer 600 km de bicicleta no deserto do Saara em seis dias, pedalando 10 horas por dia, conseguindo arrecadar, com essa “loucura”, 40 mil euros, cerca de 147 mil reais; imagino qual não foi o sofrimento físico dessa mulher.

Outra mãe, a senhora Natália, mostra que o amor materno é realmente especial, quando diz a à BBC que “por seu filho, você tira forças de onde quer que seja, mesmo sem tê-las”. Essa força Deus dá a mãe por amor ao filho no interesse da sua conservação.

Essas histórias me fazem relembrar uma linda passagem do livro “Missionários da Luz”, do Espírito André Luiz e psicografia de Francisco Cândido Xavier, capítulo 13, que trata da reencarnação, mais especificamente da reencarnação de Segismundo. André Luiz, maravilhado diante do momento significativo da entrega do reencarnante aos braços maternais de Rachel (mãe), emancipada do corpo físico, faz um relato emocionado:

“Foi então, ó divino mistério da Criação Infinita de Deus, que a vi apertar a “forma infantil” de Segismundo de encontro ao coração, mas tão fortemente, tão amorosamente, que me pareceu uma sacerdotisa do Poder da Divindade Suprema. Segismundo ligara-se a ela como a flor se une à haste. Então compreendi que, desde aquele momento, era alma de sua alma aquele que seria carne de sua carne”.

É nesse sentido que Eva sai desesperada em busca de ajuda para o ser mais precioso de sua vida, carne de sua carne, seu filho Nacho. Em nosso mundo, orbe de provas e expiações, “o amor que uma mãe dedica a seus filhos é considerado o maior amor que um ser possa ter por outro ser.”(1)

É através desse amor que Eva se dedica e realiza o belo trabalho na associação criada por ela, Asdent, para arrecadar fundos para pesquisa da doença de Dent. A Associação tem hoje cerca de 700 membros e tornou-se um ponto de referência para as famílias dos pacientes de outras partes do mundo que procuram informações na internet.

É com esse amor, dividindo o que já conseguiu angariar com as pesquisas dos médicos, que Eva abrange outros filhos, pessoas que ela não conhece, que não fazem parte de sua família, de seu círculo de amizades, mas que para ela as fronteiras do mundo não são limites para auxiliar a quem precisa.

Outros pais a procuram, em busca de ajuda e de acolhimento. Sem nenhum tipo de tratamento na Argentina, Natalia e seu esposo Esteban, pais de Gabi, “enviam um e-mail para Asdent pela manhã e, à noite, já estavam falando ao telefone com Eva, dizendo a ela: “você é a nossa esperança”.

“Eu teria adorado que, no começo do diagnóstico de Nacho, alguém do outro lado do mundo tivesse dito: ‘Eva, venha por aqui, vai ser melhor. Você não vai ficar bem, mas vai se sentir melhor’. Então decidi fazer isso com todos os pacientes de Dent que encontro”, conta a espanhola.

A solidariedade que une pessoas com mesmos problemas, aflições e sofrimentos, traduzem esse sentimento em evolução em nossa Terra. Em torno de uma doença a solidariedade se desenvolve nos corações.

Solidariedade, empatia, fraternidade… Eva se envolve com outros pais, pessoas que passam pelo mesmo problema que ela enfrenta com seu filho; ela não se fechou egoisticamente, chorando a sua dor, pelo contrário, divide com outros o conhecimento que ela adquiriu em sua luta para ajudar seu filho. Ajudou a organizar gratuitamente os estudos genéticos de outros doentes que vinham de longe, de outros países, e que batiam à porta da Asdent necessitados de ajuda; fez o necessário para que todos retornassem a seus países com orientações médicas específicas sobre como tratar os efeitos da doença. “Estou muito feliz em ver que, depois de tudo que eu passei, agora eu posso ajudar os outros”, diz Eva.

Em seu desabafo à BBC, deixa claro que se Dent fosse uma doença comum já teria sido solucionada há muito tempo. Em nosso mundo de provas e expiações, o egoísmo, chaga da Humanidade, ainda impera em muitos corações. E quando o assunto é dinheiro, e muito dinheiro, o egoísmo fala bem mais alto, ficando difícil para alguns fabricantes de medicamentos pensar naqueles que não são rentáveis, pois suas doenças não dão lucros.

Do egoísmo deriva todo o mal, e quanto maior é o mal mais terrível ele se torna. Lidando com o mal e as dores causadas pelo egoísmo, o homem compreende a necessidade de extirpá-lo da face da Terra. “Quando os homens se tiverem despido do egoísmo que os domina, viverão como irmãos, não se fazendo o mal e se ajudando reciprocamente pelo sentimento fraterno de solidariedade.”(2)

A fraternidade, na rigorosa acepção do termo, resume todos os deveres dos homens, uns para com os outros. Significa: devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência.

Todas essas virtudes se resumem no amor, sentimento por excelência; o gérmen divino em nós, o sol das almas, transformará o egoísmo que ainda trazemos em nosso íntimo em fraternidade, unindo os seres em um único sentimento de benevolência mútua.

Dia virá em que os homens habitantes da Terra Regenerada estarão “libertos das paixões desordenadas de que ainda são escravos, isentos do orgulho que impõe silencio ao coração, da inveja que os torturam, do ódio que os sufocam. Em todas as frontes, ver-se-á escrita a palavra amor; perfeita equidade presidirá às relações sociais”. E nesse dia “todos reconhecerão Deus e tentarão caminhar para Ele, cumprindo-lhes as leis”.(3)

Bibliografia:

(1) “O Livro dos Espíritos” - Allan Kardec - pergunta 385;

(2) Idem (1) - pergunta 916;

(3) “O Evangelho segundo o Espiritismo” - Allan Kardec, Cap. III - Há muitas moradas, item 17- Mundos Regeneradores.

Asdent - http://www.asdent.es/

  • Glória Alves nasceu em 1º de agosto de 1956, na cidade do Rio de Janeiro. Bacharel e licenciada em Física. É espírita e trabalhadora do Grupo Espírita Auta de Souza (GEAS). Colaboradora do Espiritismo.net no Serviço de Atendimento Fraterno off-line e estudos das Obras de André Luiz, no Paltalk.