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  • Contra a solidão e o aluguel caro: as colegas de casa com 68 anos de diferença

Na Inglaterra, é bastante comum idosos alugarem quartos em casa por um preço abaixo do mercado e, assim, conseguirem companhia. Há entidades que cadastram proprietários e ajudam a selecionar os inquilinos. Jorge Hessen comenta.

  • Data :08/04/2018
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A britânica Florence tem 95 anos. Perdeu o marido, viu os filhos se casarem e saírem de casa. Desde então, passou a enfrentar a solidão.

Para ela, tudo aconteceu “de repente”. Florence é militar reformada, ex-membro da força aérea real, e costumava jogar tênis. Começou a enxergar muito pouco. Passou a ter medo de cair.

Mas em um jornal, viu um anúncio sobre idosos que dividiam casas com pessoas mais jovens. Geralmente cobram um aluguel mais barato, mas ganham companhia. Decidiu experimentar.

“Eu quis morar com alguém porque estava muito sozinha. Todos precisamos de companhia”, diz, explicando porque, há dez anos, decidiu alugar um quarto em sua casa.

Desde então, nunca mais ficou sem inquilino.

“Foram diferentes pessoas ao longo dos anos, e você tem que fazer um esforço. Às vezes funciona, às vezes não. No momento está funcionando lindamente. Nós ficamos bem juntas, o que me surpreende um pouco porque Alex vem do norte e sou do sul”, diz.

Alex é o apelido de Alexandra, de 27 anos, a atual inquilina. Ela é estudante e veio de Newcastle, cidade do norte da Inglaterra. Chegou a Londres em setembro para fazer um mestrado. Sem conhecer ninguém na cidade, foi morar com Florence. Surpreendeu-se: ganhou também uma amiga.

“Do lado prático, tem sido importante porque pude vir para Londres e estudar, senão teria sido muito difícil. Mas eu não esperava que faria uma nova amiga. Aqui é um ambiente bem familiar. Me sinto segura e não fico isolada em uma cidade que é muito grande”, conta.

Alexandra diz que as pessoas também ficam surpresas quando ela chama Florence de amiga, dada a diferença de idade entre ambas.

Na Inglaterra, é bastante comum idosos alugarem quartos em casa por um preço abaixo do mercado e, assim, conseguirem companhia.

Há entidades que cadastram proprietários e ajudam a selecionar os inquilinos. Algumas exigem dez horas por semana de ajuda em casa, mais cinco horas de “companhia amigável”.

Esse tipo de programa surgiu nos Estados Unidos nos anos 1970 e começou a ser adotado no Reino Unido uma década depois, de acordo com a Share and Care, uma dessas organizações que promove esse tipo de compartilhamento de casas.

“Hoje há programas do tipo em diferentes lugares do mundo, incluindo França, Alemanha e Austrália”, diz o site da organização.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 9 de fevereiro de 2018.

Jorge Hessen* comenta

John Cacioppo, cientista e professor de psicologia da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, sugere que o isolamento impacta e acelera o extermínio “prematuro” do idoso solitário. Para Cacioppo há fatores de risco em face do sentimento de solidão, dentre os quais estão a interrupção frequente do sono, elevação da pressão arterial, aumento do cortisol (hormônio do estresse), alteração do sistema imunológico e aumento da depressão. Talvez realmente a solidão seja preocupante enfermidade dos dias de hoje.

Vive-se hoje a estranha sensação de que não se está sozinho na multidão. Indivíduos cercados por pessoas em ônibus, metrôs, aviões, estádios, localidades de trabalho, avenidas, ruas. Contudo, nessa selva de pedras existem muitos sujeitos solitários. E quanto mais são cercados de gente, de barulho, de tarefas, mais se agrava a sensação de que estão sozinhos. Parece contraditório? Será a “maligna solidão” a ausência de companhia, de pessoas à volta de certos solitários? Consistiria em estar longe das civilizações?

Mas será que toda solidão é malfazeja? Notemos que a rocha que sustenta a planície costuma viver isolada e o Sol que alimenta o mundo inteiro brilha sozinho. Para certas horas a saudável solidão é para o espírito o que a dieta é para o corpo. Muitas vezes, para ouvirmos a voz sincera da consciência, precisamos saber fazer silêncio em torno de nós e dentro de nós. Há momentos em que é imprescindível a busca da benéfica solidão para nos encontrarmos conosco, em um reencontro com a própria alma, de maneira tranquila e serena, sabendo que guardamos em nossa intimidade a chave para nossa ascensão espiritual.

Há quem use a prodigiosa solidão como tempo de inspiração, análise e programação. Quando fazemos silêncio exterior, damos vazão ao mundo interno, intenso e palpitante. Então, por que temer a santa solidão? Se a vida nos oferece a bondosa solidão, saibamos abrigá-la como um tesouro. Aproveitemos cada instante para meditações. Encaremos tudo e todas as circunstâncias como ensejo de aprendizado.

Por criteriosas razões é importante caracterizar as distintas solidões – aquela que significa fuga definitiva do convício social daquela outra que nos abastece a alma a fim de que jamais constemos no rol dos seres solitários.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.