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  • "Não posso abandonar meus alunos": os professores ucranianos que viraram soldados e continuam dando aulas

É uma manhã comum de segunda-feira na Ucrânia e Fedir Shandor está iniciando a sua conexão com a internet para dar as suas aulas online. O professor universitário tem ensinado de forma virtual desde o início da pandemia de covid-19. Nos últimos meses, Shandor continuou lecionando de modo online também por outro motivo: ele está na linha de frente do conflito com a Rússia. Alessandra Belo comenta.

  • Data :05 May, 2023
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É uma manhã comum de segunda-feira na Ucrânia e Fedir Shandor está iniciando a sua conexão com a internet para dar as suas aulas online.

O professor universitário tem ensinado de forma virtual desde o início da pandemia de covid-19. Nos últimos meses, Shandor continuou lecionando de modo online também por outro motivo: ele está na linha de frente do conflito com a Rússia.

O homem de 47 anos se inscreveu no Exército após a invasão russa, mas estava preocupado porque queria que seus alunos continuassem estudando.

O resultado disso? Ele dá aulas duas vezes por semana em seu celular sobre temas como turismo e sociologia diretamente das trincheiras.

“Tenho ensinado há 27 anos. Não posso simplesmente abandonar isso. É nisso que sou bom”, diz ele à BBC.

Shandor tem ensinado enquanto integra as Forças Armadas desde o início da invasão russa na Ucrânia em fevereiro.

Ele se alistou porque queria lutar pelo seu país e proteger a sua esposa e a filha deles. “Tinha que deter os russos antes que viessem à minha casa”, diz.

Sua dedicação ao trabalho também o ajudou a manter altos números de participação nas suas aulas.

“Mesmo os estudantes que antes faltavam às aulas, agora assistem a todas”, diz uma de suas alunas, Iryna, de 20 anos. “Ele sempre nos disse que temos que ser inteligentes, que estamos lutando por uma nação inteligente”, acrescenta a jovem.

Barulho ao fundo

Mas ensinar nas trincheiras não é fácil, e os alunos tiveram que se acostumar a ouvir os bombardeios ao fundo.

“Durante uma aula, os sons eram muito altos e os alunos escutavam tudo. Logo me escondi nas trincheiras e continuei ensinando”, conta.

Em meio ao conflito, ele também conseguiu mostrar a seus alunos os estilhaços e ensinar sobre diferentes mísseis.

As aulas de Shandor também são uma novidade para seus companheiros soldados, que muitas vezes acompanham esses momentos e tiram fotos dele no trabalho.

Uma dessas fotos, na qual ele aparece segurando o celular em uma trincheira, foi compartilhada na internet e viralizou na Ucrânia. Desde então, vários artistas de todo o país fizeram desenhos e caricaturas do momento.

A “melhor distração”

Shandor não é o único professor que luta na linha de frente do conflito. Segundo o ministro da Educação da Ucrânia, Serhiy Shkarlet, cerca de 900 professores se juntaram às Forças Armadas até agora.

“Estamos orgulhosos de cada um deles”, disse. “Também temos pessoas que se juntaram às forças armadas da Ucrânia no Ministério da Educação”, acrescentou o ministro.

Outro caso é o de Anton Tselovalnyk.

As aulas dele foram dadas nas duas primeiras semanas de guerra, mas depois de um tempo, as escolas onde ele havia trabalhado começaram a enviar mensagens pedindo ajuda.

O homem de 42 anos respondeu imediatamente, optando por ensinar diretamente das trincheiras ou nos alojamentos próximos. Nada pode impedi-lo, nem mesmo o frio.

Ele conta que no início não se tratava de ensinar as crianças, mas de conversar e apoiar uns aos outros. “As crianças costumavam ir à escola todos os dias e de repente tudo parou”.

Tselovalnyk tem ensinado seus alunos, que vão do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, sobre arquitetura.

“O mais importante agora é manter a conexão entre seu passado e seu futuro. Ensinar agora também é assim para mim”, diz.

Uma de suas alunas, Viktoria Volkova, de 17 anos, diz que as aulas de Tselovalnyk são divertidas e ajudam a manter o bom humor entre os estudantes.

“É a melhor distração”, diz a jovem. Ela conta que seu professor, muitas vezes, mostra para a classe o entorno do local onde está, conta sobre as trincheiras que ele ajudou a construir e os lugares onde senta para observar as estrelas.

“Ele é atencioso e carinhoso durante as aulas. Sempre pede comentários e tenta tornar o assunto interessante para a gente”, acrescenta Volkova.

Cirurgia virtual

Outros professores, como Maksym Kozhemiaka, usam seus conhecimentos médicos para ajudar os militares na Ucrânia.

O professor de traumatologia da Universidade Estadual de Zaporizhzhia, de 41 anos, percebeu que poderia ser útil no hospital militar da cidade e se ofereceu para ajudar.

Depois de alguns dias trabalhando no local, descobriu uma maneira de ajudar seus alunos a continuar seus estudos também.

“Pensamos que poderíamos fazer aulas online”, diz ele. “Já tínhamos experiência de ensino online durante a covid”, pontua.

E assim, após as duas primeiras semanas difíceis da guerra, Kozhemiaka retomou o ensino permitindo que seus alunos o observassem virtualmente enquanto ele fazia cirurgias.

Ele usa uma combinação de aulas ao vivo e realidade aumentada para que os estudantes participem e discutam cirurgias mesmo em suas próprias casas.

“Temos ensinado médicos e jovens estudantes a tratar as feridas de combate”, explica ele.

Daryna Bavysta acompanha as aulas virtuais de Kozhemiaka e afirma que tem aprendido muito.

“Agora entendo tudo o que acontece na sala de cirurgias”, comenta. “Maksym explica tudo durante suas cirurgias ao vivo online: o que ele está fazendo e como”, diz.

Mas ela está preocupada com o seu professor. “Não é apenas psicologicamente difícil, mas também fisicamente: você quer dar tudo para as pessoas que está tratando. Nossos soldados”, diz.

Para Kozhemiaka, abandonar as aulas não era uma opção.

“Ensinar é o trabalho da minha vida”, diz ele. “Não podia desistir. Estávamos no caminho certo como país antes da guerra e ainda estamos, então precisamos lutar juntos por nossa vitória e permanecer unidos”.

“É importante continuar trabalhando no que fazia antes. Por que uma guerra deveria nos parar?”

Notícia publicada na BBC News Brasil , em 04 de julho de 2022

Alessandra Belo* comenta

A reportagem acima relata uma comovente história de docentes ucranianos que ensinam seus alunos no contexto da Guerra na Ucrânia. Na notícia ,vemos a resiliência e obstinação de um desses professores de lecionar no âmbito de uma situação tão grave. Segundo relato “durante uma aula, os sons [da guerra] eram muito altos e os alunos escutavam tudo” e logo ele se escondeu “nas trincheiras e continuou ensinando”.

A notícia da BBC nos relembra os ensinamentos espíritas a respeito do poder da vontade. Segundo a benfeitora Joanna de Ângelis, na obra “Triunfo Pessoal” a vontade é a faculdade de bem conduzir as aspirações, objetivando uma finalidade compensadora, que resulte em paz íntima”. Ela pode ser considerada como o ato mental que deve ser transformado em ação mediante o empenho com que seja utilizada”. Fica evidente que os professores ucranianos da reportagem são um exemplo do uso perseverante da vontade, expressa na sua ampla aspiração pelo “ensinar”, seja na sala de aula, seja em condições que a dificultam, sendo conduzida pelo seu poder de renúncia e abnegação em prol da educação de seus alunos. Utilizando, ainda as palavras de Joanna de Ângelis, esses docentes desenharam “um objetivo interior”, e de imediato sentiram nascer forças para que ele fosse conquistado. O espírito de Emmanuel, também nos esclarece sobre a força da vontade ao asseverar que “a vontade é o pensamento tornado força motora. A vontade é o botão poderoso que desencadeia o movimento”.

As lições ainda continuam a partir desse estudo de caso, quando no Livro dos Espíritos, na pergunta 566, os imortais deixam evidente o quanto é importante, que as profissões que escolhemos desempenhar na Terra sejam meios que nos proporcionem oportunidades “de auxiliar as almas a se elevarem para Deus”. Qual será o exemplo que esses meninos e meninas levarão para a vida, ao vivenciarem seus educadores se esforçarem por lhes ajudar em meio a um contexto tão cruel? Certamente, os educandos em tela não terão apenas que rememorar, em seu futuro, dos horrores da guerra, mas terão a memória viva da vitória da educação e do amor de seus abnegados professores. Assim já vimos nas histórias que nos foram contadas da perseguição aos primeiros cristãos, quando prestes a serem entregues a animais selvagens, soavam-se cantos magistrais de gratidão. Como bem afirmou, certa vez, o querido mestre Jesus, “Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo”.

*Alessandra Belo é colaboradora do Espiritismo.net, pós-graduada e professora de História da Rede Municipal de Praia Grande, em SP.