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  • Coronavírus: 'O que mais sinto falta é do abraço da minha mulher e dos meus filhos', diz médico italiano

‘Nunca imaginaria, nem eu nem mais ninguém, viver algo como essa pandemia na minha vida profissional. Tanto pelo número de pessoas afetadas quanto pelas dificuldades envolvidas em trabalhar em um ambiente onde é essencial não ser infectado. No entanto, tenho muito orgulho da nossa resposta como profissionais.’ Renata Federici comenta.

  • Data :18 Apr, 2020
  • Categoria :

Angelo Attanasio

BBC News Mundo

“Em meus 10 anos de carreira como médico, já vi muitas coisas, mas nunca algo assim”.

Quando atendeu meu telefonema, Antonio Messina havia acabado de terminar seu turno em unidade de terapia intensiva (UTI) do hospital IRCCS Humanitas em Milão, no norte da Itália.

Hoje, foram 8 horas, amanhã serão 12 e só terá a próxima folga, que pretende aproveitar com sua mulher e seus dois filhos pequenos, daqui a duas semanas.

Essa é a rotina de muitos médicos italianos em meio à pandemia do coronavírus.

A Itália é atualmente o país com o maior número de mortos devido a covid-19 no mundo.

E Milão, a cidade onde Messina vive e trabalha, é a capital da Lombardia, a região mais afetada pela covid-19 no país.

Quando terminarmos de falar, o vírus já havia afetado 35 mil pessoas nesta região, quase metade de todos os casos no país, e matou mais de 5 mil.

Várias centenas de pacientes com covid-19 são hospitalizados onde Messina trabalha. Ele e seus 60 colegas cuidam de 35 doentes internados em terapia intensiva.

Confira a seguir trechos de sua entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

BBC News Mundo: Como está a situação agora?

Antonio Messina: Humanamente, é uma experiência extremamente difícil.

Nunca imaginaria, nem eu nem mais ninguém, viver algo como essa pandemia na minha vida profissional. Tanto pelo número de pessoas afetadas quanto pelas dificuldades envolvidas em trabalhar em um ambiente onde é essencial não ser infectado.

No entanto, tenho muito orgulho da nossa resposta como profissionais.

Todos estão dando o melhor de si e há um clima de profunda colaboração e empatia, tanto com os doentes como entre si.

BBC News Mundo: Houve momentos em que o Sr. se sentiu sobrecarregado?

Messina: No começo, a parte mais difícil era se ajustar ao trabalho por tantas horas dentro daqueles macacões protetores.

É muito difícil, física e mentalmente, e até a noção do tempo muda radicalmente.

Além disso, levamos cerca de 20 minutos para nos vestirmos. E, terminado o turno, levamos 30, 40 minutos ou até uma hora para deixar a UTI.

Porque tirar a roupa requer a ajuda de uma pessoa externa que não esteja contaminada, e esse processo só pode ser feito com uma pessoa de cada vez. Se há 10 de nós que acabamos de trabalhar, temos que esperar nossa vez de sair.

BBC News Mundo: Quais são as maiores dificuldades dentro da UTI?

Messina: Por exemplo, conversar com os doentes é complicado. Eles vêm com dificuldades respiratórias e colocamos uma máscara de oxigênio neles e ficamos falando por detrás de uma máscara com viseira.

E depois há o relacionamento com seus parentes. Ligamos para eles todos os dias, uma vez por dia, para explicar qual é a situação clínica.

Certa vez, pouco antes de entubarmos um paciente e sedá-lo, a última coisa que ele me disse foi: ‘Doutor, conte à minha esposa’.

Naquele momento, eu me coloquei no lugar dele e penso na última coisa que ele diria para minha esposa ou meu filho.

Isso é muito difícil, mas é algo que sempre aconteceu conosco nesta profissão. O que a diferencia agora é o número de pacientes.

BBC News Mundo: O Sr. já teve que comunicar a morte de alguns deles à família?

Messina: Claro! Mas, em nossa profissão, o relacionamento com a morte é algo cotidiano.

O que é muito difícil é comunicar por telefone a morte de uma pessoa a um membro da família que você provavelmente nunca viu pessoalmente.

BBC News Mundo: O Sr. já teve que segurar as lágrimas em algumas ocasiões?

Messina: Acho que não é correto segurar as lágrimas, mas tampouco chorar na frente de um paciente. Também quero chorar e, se for preciso, espero ficar sozinho ou fazê-lo em casa.

Sempre tentei não levar para casa os problemas do trabalho, mas, infelizmente, nos últimos tempos, tornou-se difícil, porque confinado, é em casa onde todas as tensões escoam.

BBC News Mundo: E quando foi a última vez que isso aconteceu?

Messina: Foi há alguns dias, porque estava exausto.

BBC News Mundo: Temos visto muito italianos nas últimas semanas saírem à sacada para aplaudir o trabalho dos profissionais de saúde. Isso lhe dá conforto?

Messina: Essa é uma das coisas mais bonitas de todo esse período! Um banner com o desenho de um arco-íris e a frase “Andrà tutto bene” foram pendurados na porta do nosso hospital (tudo ficará bem, em português).

Há também uma pizzaria nas proximidades que nos envia pizzas gratuitas e nas caixas de papelão eles escrevem uma mensagem de apoio.

Acho que a população está assustada e se apega à saúde pública como algo valioso. Isso é lindo, assim como eu acho lindo que todos que precisam dela sejam tratados e de graça.

BBC News Mundo: Houve alguma demonstração de afeto que lhe chamou atenção em particular?

Messina: Olha, a coisa mais linda é o que meu filho de 6 anos me transmite. Ele percebe que algo está mudando e tenta racionalizar o que está acontecendo. À sua maneira, ele me faz entender que estou fazendo algo importante. Isso para mim é o mais bonito!

Também tenho o apoio da minha família e dos meus amigos. Estávamos a ponto de mudar de casa e a pessoa que se mudaria para nosso imóvel me disse: ‘Sei o que você está fazendo, leve o tempo que precisar’.

BBC News Mundo: Até o momento, mais de 60 médicos morreram na Itália. Mais de 6,2 mil profissionais de saúde foram infectados, 7,5% de todos os casos. O Sr. não tem medo?

Messina: Não, não tenho medo. Estou no lugar certo, na hora certa. Se profissionais como eu não estiverem ali, quem mais poderia estar?

Mas é verdade que existe a possibilidade de que seja infectado. E o que me assusta são precisamente as possíveis repercussões disso no meu ambiente familiar. Meus pais têm mais de 60 anos e estão trancados dentro de casa.

O que realmente me assusta é o retorno à normalidade. Não sei quanto tempo levará para que possamos nos abraçar, apertar as mãos ou olhar de perto como fazíamos antes.

Acho que por um tempo o medo de nos infectarmos permanecerá.

BBC News Mundo: É disso que o Sr. mais sente falta agora, de um abraço?

Messina: Não posso abraçar minha mulher ou meus filhos. Sei que outros médicos decidiram viver isolados de suas famílias, mas as chances deles serem infectados por mim ou de algo sério acontecer com eles são muito baixas.

BBC News Mundo: Alguns dias atrás, o Sr. publicou uma carta em seu perfil do Facebook que dizia: ‘Vovó, eu te amo muito, mas se você tivesse coronavírus, não a colocaria na UTI, e espero que nenhum outro médico faça isso’. O que o Sr. quis dizer com isso?

Messina: Minha avó tem 86 anos, é lúcida, tem boa saúde, mas é muito provável que ela não saia viva de uma UTI.

Não pense se tratar de algo incomum. Escolhemos diariamente e em grupo qual tratamento aplicar de acordo com as condições dos pacientes e sua expectativa de vida. É o que chamamos de proporcionalidade de tratamentos. Em outras palavras, muitas coisas podem ser feitas na medicina e as máquinas podem ser usadas em muitas áreas.

Mas há um momento em que o que estamos fazendo não garante mais a sobrevivência do paciente e no qual a aplicação da técnica prevalece sobre as expectativas de cura.

Além disso, a vontade do paciente deve ser levada em consideração, e tenho certeza de que minha avó também não gostaria de ser colocada em uma UTI.

BBC News Mundo: Qual é a primeira coisa que o Sr. fará quando a pandemia terminar?

Messina: Honestamente, uma das coisas de que mais sinto falta agora é a normalidade: poder sentar com meus amigos ao redor de uma mesa, tomar um copo de vinho e comer algo delicioso juntos.

Terminada a entrevista, nos despedimos. Horas depois, Messina me envia uma mensagem do WhatsApp.

“Non molliamo e ne usciremo. Dobbiamo”. (“Não desistiremos e sairemos disso. Temos que fazer isso”, em português).

Notícia publicada na BBC Brasil , em 3 de abril de 2020.

Renata Federici* comenta

“Fora da Caridade não há Salvação”

Um ato vivido na realidade imposta

Comentar essa reportagem, me fez pensar em muitas coisas importantes, como a escolha profissional, minha família, minhas decisões, e até mesmo qual é a minha missão como espírita nesse exato momento. Cada um de nós está sendo convidado ao desafio de examinar os sentimentos individuais, para juntos podermos transformar o coletivo.

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo XV, encontramos a máxima: “FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO”. Escrita por Allan Kardec, essa frase se faz mais presente nos dias de hoje, e nos impulsiona a vivê-la dentro de nós.

O apóstolo S. Paulo, na 1ª Epístola aos Coríntios, 13:1 a 7 e 13, nos faz refletir quando afirma que sem as virtudes: fé, esperança e caridade, não somos nada:

“Ainda quando eu falasse todas as línguas dos homens e a língua dos próprios anjos, se eu não tiver caridade, serei como o bronze que soa e um címbalo que retine; – ainda quando tivesse o dom de profecia, que penetrasse todos os mistérios, e tivesse perfeita ciência de todas as coisas; ainda quando tivesse toda a fé possível, até ao ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou…

A caridade é paciente; é branda e benfazeja; a caridade não é invejosa; não é temerária, nem precipitada; não se enche de orgulho; – não é desdenhosa; não cuida de seus interesses; não se agasta, nem se azeda com coisa alguma; não suspeita mal; não se rejubila com a injustiça, mas se rejubila com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre.

Agora, estas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade permanecem; mas, dentre elas, a mais excelente é a caridade.”

A Caridade sempre foi vista como uma ação de grandes atos de entrega, e de cuidados de pessoas mais necessitadas que estão à margem da sociedade e na miséria moral e material. Porém, o Espiritismo, com essa máxima, nos convidou a vivermos a Caridade em nossos dias, sendo mais humildes e brandos com nosso próximo.

Atualmente, vemos a Caridade vivida em cada profissional que se dedica ao reestabelecimento da saúde física e mental da população; e em nós mesmos, quando escolhemos contribuir com a sociedade nessa Pandemia. Podemos fazer uma lista de profissionais que hoje se expõem ao vírus, seja no trabalho ou com os cuidados ao próximo para o tratamento e controle do Covid-19.

Vemos nossos médicos e os profissionais da saúde, como os primeiros a serem convocados à transformação social. Atuam no aqui e no agora, exercendo papel fundamental no tratamento, no preparo ao desencarne, no cuidado, acolhimento e compreensão de pacientes e familiares acometidos pelo Covid-19.

Cada vez que um médico passa a ouvir seus pacientes, a colocar-se em seu lugar, avaliando o que diriam, eles mesmos, a seus familiares em suas últimas palavras, ou realizando o desejo de muitos deles, temos um movimento de identificação e carinho, a Caridade posta em ação. Demonstrando a todos que somos iguais e que estamos aqui, nessa Terra, para nos auxiliarmos.

Devemos valorizar cada pesquisador que passa horas sem dormir; cada profissional da limpeza que realiza a desinfecção de ruas e hospitais; cada médico, enfermeira e profissionais da saúde que atuam na linha de frente no tratamento da enfermidade; cada motorista do transporte público que garante a locomoção da população; cada policial que tenta controlar a violência e o rompimento da quarentena por parte da população e entre tantos outros, que arriscam suas próprias vidas em busca da cura, do retorno à vida social.

Talvez tenha chegado a hora de nos vermos como uma só espécie que deve evoluir na coletividade, buscando nos valores morais entender que não somos melhores do que ninguém e que simplesmente caminhamos juntos como Humanidade para a transformação do Planeta.

Para cada um de nós, que não atuamos na linha de frente, deveríamos nos perguntar: o que estamos fazendo para ajudar? Já paramos para refletir como fazemos a Caridade? Como estamos auxiliando o nosso próximo? Nos pedem que fiquemos em casa, e qual nossa reação? Muitos dizem: “Apenas nos recomendam”, usando o jogo de palavras para burlar a realidade que nos assola. Seguimos como que dominados por nosso egoísmo, nos auto-desculpando por nossa incapacidade de atuar em sociedade. Saímos de casa e arriscamos nossa própria vida e do outro; contrariando, até mesmo, o que Jesus nos ensinou: “Amar ao Próximo como a ti mesmo.”

Nenhum de nós jamais imaginou uma situação global como a qual vivemos, utilizemos esse período, em casa, para nos autoconhecer e assim poder modificar nossos pensamentos a favor do bem da humanidade. Se cuido da minha saúde, estou cuidando do meu próximo; se me sacrifico estando em minha casa, o lar onde escolhi viver com as pessoas que escolhi compartir esta encarnação, estou fazendo bem ao meu próximo e mim mesmo; decido viver a Caridade.

Vivemos uma realidade eminentemente dolorosa que deixará marcas nas futuras gerações. A vida, como a conhecemos, sofreu uma ruptura de paradigmas nas atribuições financeiras, nos compromissos sociais, nos trabalhos intermináveis; tudo foi substituídos pelo convívio familiar, a tolerância entre irmãos no reconhecimento de que todos temos fraquezas e também somos acometidos pelas nossas próprias imperfeições e medos.

Como bem dito pelo médico da reportagem, não sabemos como será nosso retorno à vida social, teremos muitas coisas das quais nos adaptar e aprender. Muitas transformações e questionamentos já iniciaram-se. Poderemos voltar a conviver uns com os outros sem nos prejudicar? Ainda não temos respostas e nem sabemos como proceder, mas temos uma certeza: não somos mais os mesmos, estamos mais solidários, reflexivos e buscando o melhor para a coletividade.

Se cultivarmos a Paz Interior, poderemos ajudar a todos, iluminar outras vidas e entender que a Vida não se resume no Agora, mas nos nossos atos de Caridade e Esperança para o futuro.

Viver a Caridade não é mais um ato de bravura, mas um ato de Amor.

  • Renata Federici é fonoaudióloga formada pela PUC-SP. É Espírita, Leitora compulsiva, Amante das palavras. Contribui escrevendo em grupos espiritualistas e é colaboradora do Espiritismo.net.