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  • Assassinato brutal de menina de 8 anos causa revolta e expõe racha religioso na Índia

A investigação do brutal assassinato de uma menina de oito anos de idade, vítima de estupro coletivo e tortura na parte indiana da Caxemira, dividiu a população e expôs a cisão religiosa na região. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :22 May, 2018
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A investigação do brutal assassinato de uma menina de oito anos de idade, vítima de estupro coletivo e tortura na parte indiana da Caxemira, dividiu a população e expôs a cisão religiosa na região. Sameer Yasir, jornalista independente baseado em Srinagar, cidade que reveza com Jammu o status de capital do Estado indiano de Jammu e Caxemira, relata o caso:

Na manhã do dia 17 de janeiro, Muhammad Yusuf Pujwala estava sentado do lado de fora de casa quando um vizinho chegou correndo, parou em frente a ele e deu a notícia: a filha dele, Asifa Bano, de oito anos, foi encontrada morta. O corpo dela estava numa mata, a algumas centenas de metros dali.

“Eu sabia que alguma coisa horrível tinha acontecido com a minha menina”, diz Pujwala, de 52 anos e olheiras profundas. A mulher dele, Naseema Bibi mal consegue falar. Balbucia o nome de Asifa, enquanto chora.

Pujwala é integrante de uma comunidade muçulmana de pastores nômades, chamados gujjars, que conduzem cabras e búfalos pelas montanhas do Himalaia.

O crime chocou a comunidade, expondo a cisão entre hindus e muçulmanos no território que há décadas é disputado pela Índia e pelo Paquistão.

Apesar de ser controlado pela Índia, Jammu e Caxemira, junta três territórios (Jammu, Caxemira e Ladhak). Jammu é de maioria hindu e Caxemira tem população majoritariamente muçulmana - esta, constantemente é palco de revoltas contra o regime indiano. Já em Ladhak a população e a cultura estão mais ligadas ao Tibete.

A polícia prendeu oito pessoas, entre elas quatro policiais, um funcionário do governo aposentado e um adolescente suspeitos de terem participação no crime.

As prisões, entretanto, provocaram protestos em Jammu, cidade de maioria hindu. Advogados tentaram impedir que policiais entrassem em um tribunal para apresentar as acusações contra os detidos e dois ministros de um partido nacionalista hindu, o Bharatiya Janata (BJP), participaram de manifestações em defesa dos suspeitos.

Como Asifa desapareceu

Quando a garota desapareceu, em 10 de janeiro, a família dela vivia num vilarejo a 72 km ao leste da cidade de Jammu. Naquela tarde, recorda a mãe de Asifa, a menina tinha ido à floresta buscar os cavalos da família. Os cavalos voltaram para casa, mas Asifa, não.

Munidos de lanternas e machados, Naseema, o marido e os vizinhos começaram a procurar pela garota. Viraram a noite, mas não a acharam. Dois dias depois, em 12 de janeiro, a família registrou o desaparecimento na polícia.

O pai de Asifa conta que a polícia não foi muito prestativa. Um dos policiais, conta Pujwala, chegou a dizer que ela poderia ter fugido com um garoto.

O corpo de Asifa foi localizado cinco dias depois do desaparecimento. “Ela foi torturada, teve as pernas quebradas”, diz a mãe da garota, que fez questão de ir com o marido à mata para ver o corpo, quando ele foi encontrado. “As unhas dela estavam pretas e tinham marcas azuis e vermelhas nos braços e dedos”, relata Naseema.

O que aconteceu com Asifa, segundo os investigadores

No dia 23 de janeiro, seis dias depois que o corpo de Asifa foi encontrado, Mehbooba Mufti, ministro chefe do Estado de Jammu e Caxemira, determinou que a investigação fosse conduzida por uma unidade especial da polícia.

De acordo com investigadores, Asifa foi sedada e confinada num templo local por vários dias consecutivos. De acordo com o relatório policial, ela foi “estuprada por dias, torturada e, finalmente, assassinada”. Ela foi morta por estrangulamento e em seguida, teve a cabeça partida por uma pedra.

A polícia acusa um funcionário público aposentado de 60 anos de ter planejado o crime com a ajuda de quatro policiais.

O filho e o sobrinho do funcionário público também foram indiciados, assim como um amigo e um menor.

Os investigadores acreditam que os policiais acusados estavam entre os que participaram das primeiras buscas pela menina. Eles teriam eliminado manchas de sangue do corpo e sujado as roupas da menina com lama antes de mandá-las para a perícia.

Ainda segundo as investigações, os suspeitos do crime queriam aterrorizar a comunidade gujjar e forçá-los a deixar Jammu. Os pastores nômades têm o costume de usar áreas públicas como áreas de pasto para seus animais, o que tem causado conflito com moradores hindus da região.

“Teve a ver com (disputa) de terra”, disse Talib Hussain, advogado e ativista social que liderou uma manifestação de apoio à família da menina - e que diz ter sido detido e ameaçado pela polícia local.

Ankur Sharma, um dos advogados que protestou em defesa dos acusados, afirma que os muçulmanos nômades estão tentando alterar a demografia de Jammu, onde hindus representam a maioria. “Eles estão usurpando nossas florestas e recursos hídricos”, disse Sharma à BBC.

Ele afirma que os suspeitos são inocentes.

E se o assassinato de Asifa não ganhou muita atenção em Jammu, foi assunto de capa nos jornais de Srinagar.

Na Assembleia do Estado de Jammur e Caxemira, Mian Altaf, influente líder gujjar e representante da oposição, tentou chamar atenção para o caso mostrando a fotógrafos jornais com fotografias de Asifa e pedindo uma investigação célere e punição para os culpados.

Rajiv Jasrotia, representante do partido BJP, disse que o incidente com a menina foi “uma rusga de família” e acusou Altaf de tentar politizar o crime.

O que aconteceu no enterro de Asifa?

Os gujjars queriam enterrar Asifa num cemitério em um terreno comprado há alguns anos, mas quando chegaram, teriam sido cercados e ameaçados por ativistas hindus, segundo o pai da menina.

O grupo foi impedido de enterrar a garota.

“Tivemos que caminhar sete milhas para enterrá-la em outra vila”, diz Pujwala. Duas das filhas dele foram mortas num acidente há alguns anos. Por insistência da mulher, ele adotou Asifa, que é filha biológica do cunhado dele.

A garota é descrita pela mãe adotiva como um “pássaro cantante”, que gostava de correr como um “cervo”. Quando eles viajavam, era Asifa quem cuidava do rebanho. “Isso fez dela a queridinha da comunidade”, disse. “Ela era o centro do nosso universo.”

Notícia publicada na BBC Brasil , em 12 de abril de 2018.

Breno Henrique de Sousa* comenta

Barbárie

O que diria de uma cidade se tudo o que o visitante conhecesse fossem os hospitais e presídios? Certamente, a sua impressão seria a pior. Diria ele que aquela cidade é composta por pessoas doentes e criminosas. Se essa fosse a sua impressão do mundo, seria difícil mesmo crer na existência de um Deus justo e bom.

A condição de quem vive na Terra é semelhante a desse visitante, pois o nosso planeta é um mundo de provas e expiações onde ainda o mal predomina sobre o bem. Apesar de nos encontrarmos em transição para um estágio melhor, só estamos no começo desse processo que é gradativo; dessa forma, ainda veremos por muitas gerações o mal sobre a Terra.

Cada lugar desse planeta possui, porém, suas características específicas, suas conjunturas históricas, seus dilemas, problemas sociais, econômicos e ambientais. Os espíritos que reencarnam em cada circunstância específica geralmente estão comprometidos desde outras existências com aquela realidade, seja ela boa ou má.

Um aspecto importante desse acontecimento estarrecedor é o fato de um ser humano desencarnar tão precocemente e de forma tão brutal. Certamente, é muito difícil encontrar conforto diante dessa situação. A morte, do ponto de vista espírita, representa o retorno para a vida espiritual de onde viemos e seguiremos a existir. Frequentemente a desencarnação representa uma libertação do espírito para uma condição melhor e mais feliz. No caso das desencarnações precoces, pode tratar-se de um espírito que retornou a Terra apenas para completar sua missão, às vezes através de um duro resgate, mas significando o fim de uma cadeia de causa e efeitos.

A forma que desencarnamos está relacionada com esses compromissos do passado, mas não nos enganemos, pois a pior morte é a daquele que vive com a consciência culpada, independentemente da aparência tranquila ou violenta de sua morte. Por outro lado, os espíritos bons são poupados do sofrimento da morte e quase não se dão conta dos sofrimentos sentidos pelo corpo físico.

A Terra já não comporta esse tipo de barbárie. Espíritos dessa categoria, que causam tanta dor e sofrimento estão tendo suas últimas chances de reencarnar na Terra, pois em um mundo regenerado não caberá mais esses horrores. Do ponto de vista das coisas terrestres, existe uma grande mobilização mundial para que a Índia supere esse estigma social. Antes, nem sequer se falava sobre o assunto; hoje, observamos a população revoltada, exigindo justiça, o que já é um sinal de progresso e de que a maioria não silencia diante do mal.

Oremos pelo espírito dessa criança e que a sua morte brutal alimente a sede por justiça, levando às transformações necessárias que já estão em curso. Oremos para que o mundo avance em direção à paz. Descruzemos os nossos braços e nos unamos ao coro dos que exigem justiça; sem perder de vista as leis maiores da vida e o entendimento espiritual das coisas, cumpramos também com o nosso papel de cidadãos planetários.

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano, professor da Universidade Federal da Paraíba nas áreas de Ciências Agrárias e Meio Ambiente. Está no movimento Espírita desde 1994, sendo articulista e expositor. Atualmente faz parte da Federação Espírita Paraibana e atua em diversas instituições na sua região.