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Mais de 30 anos após superar leucemia da filha, família se empenha em ajudar outras vítimas da doença. Um ano após o diagnóstico de Joanna, foi criada a Abrace (Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Homeopatias). Telma Simões Cerqueira comenta.

  • Data :25/06/2018
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Mais de 30 anos após superar leucemia da filha, família se empenha em ajudar outras vítimas da doença

TEXTO: JÉSSICA NASCIMENTO

EDIÇÃO: BÁRBARA FORTE

Em 1985, o casal Maria Ângela e Roberto Marini recebeu uma notícia que nenhuma família, nem nos piores pesadelos, espera ter: a filha do meio, Joanna, de apenas cinco anos, estava com leucemia - doença na época pouco divulgada. O diagnóstico veio com uma dura realidade: o tratamento tinha apenas 50% de chance de funcionar.

“Perdi o meu chão. Todos fomos pegos de surpresa. Quem imagina que uma criança vai ter câncer? Senti-me culpada por não ter percebido os primeiros sintomas antes. Naquele tempo, a gente quase não ouvia falar sobre câncer infantil”, afirma Maria Ângela, de 66 anos, mãe de Joanna, que hoje tem 38 anos.

A dor inicial fez com que Maria, além de outras mães e pais que acompanharam a mesma angústia, se ajudassem, criassem ações para apoiar uns aos outros, além de tornarem a rotina de tratamento o menos traumatizante possível para seus filhos. A iniciativa, mais tarde, culminou com a criação da Abrace, uma instituição que oferece assistência social para crianças e adolescentes com câncer ou problemas hematológicos.

Localizada em Brasília, a Abrace acolhe famílias com dificuldades socioeconômicas e, em seus 32 anos de existência, ajudou a aumentar de 50% para 70% o índice de cura dessas doenças no Distrito Federal.

O câncer da filha

Joanna Marini, aos cinco anos, ficava muito cansada durante o dia, perdia peso rapidamente e apresentava palidez. Depois de algum tempo, manchas roxas apareceram no corpo, mesmo sem ter se machucado. Preocupados, os pais procuraram um médico. O primeiro diagnóstico foi uma anemia profunda. Logo depois, o pediatra pediu um mielograma, um exame que avalia a medula óssea.

Após o resultado, Joana começou o tratamento contra a leucemia no Hospital de Base, que fica no centro de Brasília, uma unidade da rede pública.

Durante o tratamento, a família conheceu outras cinco mães e quatro pais que estavam passando pela mesma situação com os filhos. Com a dura rotina do tratamento, eles foram dividindo tarefas. Uma delas era psicóloga e tirava um tempinho para conversar com os pacientes e acompanhantes, já outras levavam lanchinhos para incentivar os pequenos a comerem. Professora, na época, Maria Ângela lia livros de contos infantis para as crianças passarem o tempo, enquanto se submetiam à quimioterapia.

O nascimento da Abrace

Ao perceber a movimentação dos pais, a chefe do banco de sangue do Hospital de Base sugeriu que o grupo ficasse maior e se tornasse uma associação para ajudar outras famílias que estivessem com o mesmo problema.

Um ano após o diagnóstico de Joanna, foi criada a Abrace (Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Homeopatias). Desde a criação, em 1986, mais de 4.250 famílias já foram assistidas, sendo 922 delas atualmente. A instituição oferece alojamentos na Casa de Apoio, que fica no Guará, para crianças que não moram no Distrito Federal, além de pequenas reformas nas casas das que moram na cidade, mas vivem em condições precárias que colocam em risco a saúde do paciente.

Passagens aéreas, alimentação, medicamentos, transporte, assistência odontológica, psicológica e escolar também são oferecidos gratuitamente. Todos os serviços de assistência social sobrevivem de doações da comunidade e de empresas. Quem escolheu o nome da instituição foi Roberto Marini, pai de Joanna.

Sem traumas

Joanna Marini, hoje jornalista, tem vagas memórias sobre a luta contra o câncer. Mas adianta que, quando criança, achava que estava passando por uma gripe. “Me lembro dos médicos que me tratavam, os enfermeiros. Porém não tinha ideia da gravidade da doença. Meus pais não transpareciam isso para mim, o que fez toda a diferença, sabe? Eu perguntava o que tinha e eles me diziam que era gripe. Eu questionava: ‘Eu já tive isso antes?’. E eles respondiam: não e nunca mais vai ter”, conta.

A brasiliense também se lembra de flashes ruins, que tendem a permanecer na memória. Uma das coisas que a chocaram foi o corredor do hospital. Segundo ela, o local era escuro e, sempre que passava por ali, via crianças e idosos sofrendo. “Era como se fosse um labirinto. Não era um hospital digno para ninguém. Tinha carência de cuidado, de ser humano, sabe? Associava aquilo ali como o bicho papão.”

Após algumas sessões de quimioterapia, o cabelo de Joanna caiu. Apesar de ser vaidosa e acostumada com os fios, ela preferiu não usar peruca. Optava por usar chapéus no colégio. Escolha que, segundo ela, resultou em situações de bullying por alguns colegas.

“Minha mãe foi me preparando, avisando que meu cabelo ia cair. Era algo tranquilo, sereno. Ela comprou uma peruca de cabelo humano, da cor do meu cabelo. Queria me proteger do preconceito. Mas eu não quis usar. Ia com chapéus coloridos para a escola, adorava. Vez ou outra algum colega jogava meu chapéu para o alto, mas não fiquei com traumas. Não sou bitolada com nada.”

A forma com que Maria Ângela lidou com a doença da filha fez com que Joanna repassasse, atualmente, o que sentiu na época para as mães que estão hospedadas na sede da Abrace.

Famílias lutando juntas

Osvaldina Ana

Vanuza de Jesus Araújo, de 42 anos, largou tudo o que tinha em Mato Grosso para tentar um tratamento para a filha Osvaldina Ana, de cinco anos, na capital do país. A menina teve diagnóstico de talassemia, doença genética que causa anemia profunda. Por não conhecer ninguém na cidade, foi orientada a procurar a Abrace. Há três meses, mãe e filha moram na Casa de Apoio. Quando chegou a Brasília, a família dependia de transporte público, sendo dois ônibus para ir e dois para voltar do hospital. Hoje, Vanessa e Osvaldina contam com a van da instituição, que faz o trajeto diariamente. “Além de ser desconfortável, era perigoso para a nossa vida mesmo. Já tive até celular roubado. Graças a Deus, conhecemos a Abrace, que hoje é o nosso lar”, diz a mãe.

Ana Clara

Já Vanessa Costa, de 27 anos, mãe de Anna Clara, de oito anos, diz que ficou tranquila ao saber que havia outras crianças morando na casa. Segundo ela, o contato com pessoas da mesma idade faz a diferença no tratamento da filha. A pequena enfrenta a leucemia, mas não vai precisar de transplante de medula óssea. “Aqui, os pequenos passam pela mesma situação que a Anna. Ela não se sente excluída, pelo contrário. Fez fortes laços com os amiguinhos. Isso é incrível, sabe? Não parou de estudar, de brincar, de ser criança. Na Casa ela esquece um pouco do tratamento, das dores e isso é que me acalma”, conta a mãe.

Agel

Um dos grandes amigos de Anna Clara é o Agel, de 10 anos. Além de compartilharem as mesmas brincadeiras, os dois vêm enfrentando, desde pequenos, a luta contra o câncer. Ambos vieram de Minas Gerais e fazem tratamento no HFA (Hospital das Forças Armadas). Mãe de Agel, Rute Pereira, de 33 anos, se emociona ao falar da importância da Abrace para o tratamento do filho, que enfrenta um tumor maligno nas glândulas renais: “Não tínhamos para onde ir. Nem sei o que faria, se não estivéssemos morando na Casa de Apoio. Aqui é hotel cinco estrelas. Quando descobri que o Agel, meu único filho, tinha câncer, meu mundo caiu. Abriu um buraco e entrei dentro dele”, conta, com a voz embargada.

Números que animam

Além de prestar assistência às famílias, a Abrace também deu uma nova chance de tratamento aos pacientes com câncer. Em 23 de novembro de 2011, a instituição inaugurou o Bloco 1 do Hospital da Criança de Brasília José Alencar, referência na cidade.

O espaço, que foi construído somente por meio de doações, é público e atende exclusivamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Hoje, o hospital realiza o tratamento de 1.162 pacientes com câncer, 747 com anemia falciforme, 475 com anomalias neurológicas, 445 com diabetes, 230 com imunodeficiência congênita, 200 com síndrome nefrótica e 110 com fibrose cística.

O grande orgulho da Abrace é o fato de ter contribuído para que o número de cura no Distrito Federal aumentasse de 50% para 70% e de ter revertido o índice de abandono do tratamento de 28% para zero, segundo dados da equipe de oncologia do Hospital da Criança de Brasília José Alencar.

Maria Ângela, que acompanhou a cura da filha, acredita que ajudar outras famílias é sua grande missão de vida:

“A gente se apega a cada família, cada criança. Algumas já viraram anjos e sofremos juntos. Mas o trabalho me gratifica, gosto muito e não me pesa. É prazeroso”, completa, emocionada.

Segundo a fundadora da Abrace, os dados positivos do hospital só foram possíveis com a criação da Casa de Apoio. O local disponibiliza, atualmente, 66 leitos para hospedagem dos pacientes, com um acompanhante. Os hóspedes são de outras regiões, como Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que buscam tratamento em Brasília e representam 40% dos assistidos da Abrace. Os outros 60% são crianças moradoras do Distrito Federal e entorno que recebem assistência integral domiciliar.

Serviço

Abrace

Endereço: Guará II QE 25 - Guará, Brasília (DF)

Site: http://www.abrace.com.br/

Contato: (61) 3212-6000

Doações: A Abrace aceita todos os tipos de doações, seja dinheiro ou alimentos, roupas, calçados e até mesmo materiais de limpeza. Para mais informações sobre doações, acesse o site ou envie e-mail para centraldedoacoes@abrace.com.br

Reportagem

Texto: Jéssica Nascimento. Imagens: Kleyton Amorim. Fotografia: Sérgio Dutti. Edição e roteiro: Bárbara Forte. Edição de vídeo : Raquel Arriola.

Reportagem publicada no BOL Notícias , em 5 de junho de 2018.

Telma Simões Cerqueira* comenta

Filha, mãe e pai fizeram com que a leucemia parecesse um pequeno problema frente à esperança e ao apoio que tiveram para encará-la…

Fatos como esse nos leva a refletir em torno da reação diferenciada de cada pessoa diante das diversas situações entendidas como dolorosas, sejam física, emocional ou moral.

Algumas pessoas podem entrar num processo de revolta, outras podem vivenciar estados de angústia e insegurança, outras se sentirem abatidas e deprimidas. Poderíamos enumerar diversas possibilidades de reações diferentes diante do sofrimento causado pela doença. Portanto, o sofrer depende da forma como a pessoa interpreta e vivencia aquela experiência.

Quantos de nós, frente ao mais leve sintoma de uma doença, cuidamos de nos afastar do trabalho ou dos estudos, com atestados médicos de longa duração.

Quantos se aposentam por invalidez e não voltam mais a estudar, sequer desenvolvendo algum trabalho que esteja dentro das novas condições físicas.

Muitos pacientes, diante do diagnóstico da doença, conseguem transformam a dor em esperança e esse movimento desperta, neles, a vontade de lutar por uma vida melhor. Outros, porém, desistem e se entregam, admitindo que estão sob uma sentença de morte. Cada caso é um caso e a cada um a vida responde segundo seus merecimentos.

O conhecimento espírita nos auxilia a transformar a carga mental da culpa, incrustada no perispírito, e nos possibilita maior serenidade ante os desafios da doença. Isso influencia o sistema imunológico, pois os pensamentos negativos, os sentimentos desequilibrados que alimentamos agem sobre nós mesmos, se transformam em ondas mentais, tumultuando nossas funções orgânicas; esses desequilíbrios desenvolvem as doenças, as enfermidades. Então, quando queremos obter a cura, é preciso fazer o caminho de volta.

Na visão espírita, a cura é o resultado de um movimento pessoal, um encontro do ser consigo mesmo e com o Deus Interno que habita em nós. Ela é fruto do despertar do Espírito. É o resultado da harmonia que é consequência do esforço para a superação e do desenvolvimento das potências amorosas da alma, que são virtudes divinas, latentes em gérmen dentro de nós.

Entretanto, independentemente do tipo de enfermidade, o processo de cura só se concretiza com a devida superação dos obstáculos, das dificuldades, do esforço para vencê-las.

Não são poucas as dificuldades que a luta renovadora oferece. É um verdadeiro desbravamento. Às vezes, os obstáculos se revelam como sendo intransponíveis, em razão dos bloqueios que impomos a nós mesmos, porém, quando estamos na busca do equilíbrio, nos ajustando à orientação das medidas terapêuticas e imbuídos de perseverança e confiança no amor do Deus por nós, conseguimos superar a “multidão” de dificuldades que surge no nosso caminho.

E é nesse instante, através desse movimento de dentro para fora, que nos sentimos encorajados para olhar em torno de nós e ver o muito que podemos fazer por nós e pelo outro, mesmo diante das nossas dificuldades.

O benfeitor Emmanuel nos afirma que “saúde é a harmonia da alma” , e nos dá uma orientação precisa para compreender que o foco de atenção é o espírito imortal, construtor do seu destino e mantenedor dos estados íntimos que constituem a saúde e a doença.

Ele assevera que “o corpo doente reflete o panorama interior do Espírito enfermo”, sendo “a patogenia um conjunto de inferioridades do aparelho psíquico”. Pondera que “é na alma que reside a fonte primária de todos os recursos medicamentosos definitivos. A assistência farmacêutica do mundo não pode remover as causas transcendentes do caráter mórbido dos indivíduos. O remédio eficaz está na ação do próprio espírito enfermiço”.

Se estamos em harmonia, não nos deixaremos vencer pela dor, pelas dificuldades, pela doença, encontraremos coragem, bom ânimo e isso nos fortalecerá para a luta, sabendo que somos filhos de Deus, e Ele não desampara nenhum de seus filhos. E quando olharmos para o nosso lado, perceberemos que outros estão vivenciando experiências difíceis, como nós, então surge aí a oportunidade da compaixão, que me leva a ser solidário; e isso se torna muito significativo, porque eu percebo que a minha coragem pode ajudar outras pessoas a descobrir também as suas potências íntimas, e possibilitar que sintam esperança, bom ânimo, e se esforcem também para superar a dificuldade, a dor, a doença.

A doença é a linguagem da alma que nos traz valiosas oportunidades de mudanças, de reflexão, de superação, mas, nunca, uma desculpa para desistir.

Diante desse entendimento, se faz necessário que busquemos, acima de tudo, os hábitos salutares da oração, da meditação e do trabalho, que nos fortalecem e nos enriquecem de esperança e de alegria, para nunca desanimarmos diante dos desafios de qualquer doença, ainda que sob o guante de nossos delitos do passado “esquecido”. Lembremos, sempre, que o Evangelho de Jesus nos esclarece que o pensamento puro e operante é a força que nos arroja das trevas para a luz, do ódio ao amor, da dor à alegria.

Que possamos utilizar esse roteiro de amor deixado por Jesus, para a nossa renovação.

Que o exemplo dessa notável senhora nos sirva de reflexão e de exemplo de vida, de gratidão a Deus e nos darmos conta do quanto vale a pena viver!

Bibliografia consultada:

  • O Consolador - Emmanuel – Francisco Candido Xavier – Ed. FEB - Q. 95;

  • O Problema do Ser, do Destino e da Dor – Léon Denis – Ed. FEB.

  • Telma Simões Cerqueira é Bacharel em Nutrição pela Universidade Veiga de Almeida, artista plástica e expositora espírita. Nasceu em lar evangélico, porém se tornou espírita nos arroubos da juventude, conhecendo a Doutrina Espírita aos 23 anos. Sempre ativa no Movimento Espírita, participa das atividades do Centro Espírita Jorge Niemeyer, em Vila Isabel, Rio de Janeiro/RJ.