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  • A história da mulher com células imortais que salvam vidas há 60 anos

O ano de 1951 marcou o início de um grande avanço para a biotecnologia. Tudo começou com a chegada de uma mulher de origem humilde a um hospital nos Estados Unidos. As células dela revolucionariam a ciência médica. Jorge Hessen comenta.

  • Data :16 Jun, 2017
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O ano de 1951 marcou o início de um grande avanço para a biotecnologia. Tudo começou com a chegada de uma mulher de origem humilde a um hospital nos Estados Unidos. As células dela revolucionariam a ciência médica.

Henrietta Lacks teve câncer no colo do útero pouco antes de morrer, e um médico retirou um pedaço de tecido para uma biópsia, sem pedir autorização, já que na época ainda não havia legislação específica sobre o assunto.

Desde então, as células removidas do corpo dela vêm crescendo e se multiplicando. Há bilhões delas em laboratórios do mundo todo sendo usadas por cientistas, que as batizaram de linha celular HeLa, uma referência ao nome de Henrietta.

“Não dá para saber quantas células de Henrietta ainda circulam. Um pesquisador estima que, juntas, pesariam 50 milhões de toneladas, algo inconcebível, porque cada uma pesa quase nada”, disse Rebecca Skloot, autora do livro A Vida Imortal de Henrietta Lacks.

Como a retirada foi feita sem autorização, os familiares dela - ainda vivos - precisaram lutar por muitos anos por seus direitos e chegaram a acionar a Justiça por uma compensação financeira, já que são cobrados altos valores pelas células de Henrietta.

No mês passado, o filho mais velho, Lawrence, afirmou que os parentes devem ainda neste ano tentar novamente processar o Centro John Hopkins, onde o procedimento foi feito.

História

Em 1860, o proprietário de uma plantação na Virgínia chamado Benjamin Lacks se casou com uma das mulheres que trabalhavam na fazenda. Eles tiveram dois filhos.

Em 1942, Henrietta Lacks decidiu se mudar para a cidade, por isso, seu marido - bisneto de Benjamin - a levou para Baltimore: em tempos de guerra, o trabalho era escasso.

A 10 km de onde morava Henrietta, ficava o laboratório do Dr. George Gey, cuja ambição era livrar o mundo do câncer. Ele estava convencido de que encontraria a chave para a cura da doença nas próprias células humanas.

Por 30 anos, ele vinha tentando cultivar células cancerosas em laboratório. Para isso, misturava tecidos doentes com sangue de corações de galinhas vivas, esperando que estas células doentes se reproduzissem para que ele pudesse estudá-las. Mas elas sempre morriam.

Até que, em 1º de fevereiro de 1951, Henrietta Lacks foi levada ao Hospital John Hopkins. “Eu nunca vi nada assim, nem nunca voltei a ver”, disse o ginecologista que a examinou, Howard Jones, à BBC em 1997.

“Era algo muito diferente e especial, que se revelou um tipo de tumor. A história era simples: ela sangrava entre as menstruações, tinha dores abdominais, o que não é necessariamente um sinal de câncer”, diz o médico.

“Quando examinei o colo do útero, fiquei surpreso, porque não era um tumor normal. Era roxo e sangrava facilmente quando tocado.”

O tumor não respondeu bem ao tratamento, e Henrietta Lacks morreu de câncer cervical em outubro de 1951, quando tinha apenas 31 anos. Sua família a enterrou perto das ruínas da casa onde ele nasceu. E a ciência a esqueceu.

Células imortais

As células do tumor que foram retiradas do corpo de Henrietta foram mantidas na unidade hospitalar de câncer do hospital, porque Gey havia descoberto que elas podiam ser cultivadas indefinidamente no laboratório.

Era o que ele tinha procurado por tantos anos e até batizou a sequência celular de HeLa, pelas duas primeiras letras do nome e do sobrenome de Henrietta Lacks.

“Em poucas horas, a HeLa pode ser multiplicada prolificamente”, diz John Burn, professor de Genética na Universidade de Newcastle, Reino Unido.

De fato, uma leva inteira de células de Henrietta pode ser reproduzida em 24 horas. Foram as primeiras células humanas imortais cultivadas em laboratório e já vivem há mais tempo fora do que dentro do corpo de Henrietta.

Por que são tão importantes?

“Há muitas situações em que precisamos estudar tecidos ou patógenos no laboratório”, diz Burn.

“O exemplo clássico é a vacina contra a poliomielite. Para desenvolvê-la, era necessário que o vírus crescesse em células de laboratório, e, para isso, eram necessárias células humanas”.

As células HeLa acabaram sendo perfeitas para esse experimento, e as vacinas salvaram milhões de pessoas, fazendo com que essa linha celular ficasse mundialmente conhecida.

Elas não somente permitiram o desenvolvimento de uma vacina contra a poliomielite e inúmeros tratamentos médicos, mas foram levadas nas primeiras missões espaciais e ajudaram cientistas a prever o que aconteceria com o tecido humano em situações de gravidade zero.

Além disso, os militares dos EUA colocavam grandes garrafas com células HeLa em lugares que em que eram realizados experimentos atômicos.

Elas também foram as primeiras a serem compradas, vendidas, embaladas e enviadas para milhões de laboratórios em todo o mundo - alguns deles dedicados a experiências com cosméticos, para avaliar os eventuais efeitos colaterais indesejados dos produtos.

Resumindo, além da contribuição científica, faturou-se bilhões de dólares em produtos testados em células HeLa. E tudo foi feito sem o conhecimento e consentimento da família de Henrietta Lacks.

“Nos anos 1940 e 1950, os tumores e tecidos retirados em um procedimento médico eram considerados como “abandonados”, e, por isso, não estava claro que seria necessário pedir permissão para usá-los em investigações que iriam além do tratamento do paciente.

Família

Foi somente em 1973 que a família de Lacks soube pela primeira vez que as células de Henrietta ainda estavam vivas. Uma equipe de geneticistas procurou os familiares para fazer um exame de DNA após a suspeita de uma teoria de que a cura do câncer poderia estar na manipulação dos genes.

Eles encontraram o marido de Henrietta e seus quatro filhos, que ainda viviam em Baltimore. Foi um verdadeiro “choque de culturas”, como classificou e descreveu Rebecca Skloot quando publicou no livro sobre a história de Henrietta.

“Um dia, um pesquisador de pós-doutorado chamou o marido de Henrietta, que não tinha terminado a escola e não sabia o que era uma célula e disse a ele: sua esposa vive em um laboratório e a utilizamos na pesquisa científica há 25 anos. Agora, quero examinar seus filhos para ver se eles têm câncer”, resumiu ela.

“Eles tiraram amostras de sangue de todos os filhos de minha mãe e disseram que queriam verificar se o que ela tinha era hereditário”, disse David Lacks Jr. à BBC em 1997.

Bobbette Lacks, filha de Henrietta, ficou chocada: “Eu disse, ’estão trabalhando com células da minha mãe?”. E ele respondeu: ‘sim, as células ainda estão vivas’. Fiquei chocada, e ele me disse que já trabalhava com elas há anos”. Enquanto isso, as células HeLa eram vendidas em grande volume e por milhões de dólares.

Quando a família Lacks percebeu o que eles estavam fazendo com as células de Henrietta, dediciram consultar advogados para ver se eles tinham direito a receber dinheiro da indústria de biotecnologia.

“Pesquisei e descobri que as células tinham sido vendidas para todos os lugares e queria saber quem havia enriquecido com as células da minha mãe. Estava enojado”, disse David Lacks Jnr.

Contribuição

Além da questão financeira, a família de Henrietta lutou pelo reconhecimento da contribuição dela para a ciência e lançou uma campanha. “Apesar de ter sido uma contribuição involuntária, foi muito significativa”, disse John Burn.

“As células dela têm sido a base de dezenas de milhares de estudos médicos em todo o mundo e em diversos ramos da ciência biológica. Foi um elemento crucial para o desenvolvimento no século 20”, diz o geneticista.

Como resultado da campanha de sua família, Henrietta Lacks tornou-se uma heroína científica. Mas a família não teve sorte até agora no que diz respeito à compensação.

Em agosto de 2013, a família Lacks conquistou o controle parcial sobre o acesso de cientistas ao código de DNA das células de Henrietta.

Seu filho mais velho, Lawrence, de 82 anos, afirmou que a família ainda não está satisfeita e quer uma indenização, além do reconhecimento sobre a contribuição dela para a ciência.

Em fevereiro, a família anunciou que deve continuar a batalha na Justiça contra o Centro Médico John Hopkins para receber compensações pelas vendas das células. O centro nega que tenha lucrado com a venda e distribuição da linha celular HeLa.

Notícia publicada na BBC Brasil , em 12 de março de 2017.

Jorge Hessen* comenta

A família de Henrietta Lacks está atormentada em obter indenização numa conjuntura inoportuna. Ora, se à época da retirada dos tecidos não havia lei específica para regularização da circunstância (direito “de propriedade”) e certamente não houve má fé do pesquisador, é sem dúvida um despautério da família obstruir, presentemente, a continuação das pesquisas em face da corretagem que se faz com tais células multiplicadas.

Ora, é sabido que toda pesquisa envolve investimento de quantias elevadíssimas, muitos bilhões de dólares são carcomidos para que a ciência proporcione um bem estar de vida para humanidade. Portanto, a família de Henrietta, ao invés de processar laboratórios ou cientistas que laboram em alto grau de obstinação no campo da biotecnologia, deveria estar muito feliz e honrada por saber que o corpo biológico emprestado a ela por Deus (que é o legítimo dono de tudo), está contribuindo para proteger vidas e mais vidas humanas na Terra.

Sob o ponto de vista espírita, conjeturamos com assombro a volúpia da ganância, da cobiça, do desejo intenso e imoderado por dinheiro das partes envolvidas no processo. Tais comportamentos corrompem caráter, passam por cima de conceitos morais e não se dão conta do grande dano causado a todos.

Com a ganância permanecem prisioneiros de vontades materialistas; não valorizam o simples e deixam-se levar pela ilusão de riqueza material e o status social. Isso prova a nossa pequenez diante da grandiosidade do Universo, o quanto ainda somos pequenos diante das oportunidades de melhoria que Jesus nos oferece todos os dias.

Pela cobiça escravizam-se aos piores sentimentos: o egoísmo, a vaidade e o orgulho. Muitas vezes não nos damos conta que estamos caminhando para um abismo de enganos, onde tudo é ilusão.

Claro que não seremos cobrados pelas nossas dignas conquistas materiais, mas tudo o que conquistarmos materialmente de forma escusa e prejudicial ao outro, a qualquer preço, com certeza ficaremos devedores.

Lembremos que levaremos desta vida somente o que fizermos de bom, porque os bens materiais não terão valor algum na espiritualidade, nem o quanto temos na conta bancária ou mesmo que posição social ocupamos, somente as nossas ações serão contadas.

Aliás, por oportuno transcrevo um conto que li recentemente:

“Diz-se que, no século XX, um turista americano foi à cidade do Cairo, no Egito, visitar um famoso rabino. Lá chegando, o turista fica surpreso ao ver que o rabino morava num quarto simples, cheio de livros. As únicas peças de mobília eram uma mesa e um banco.

  • Onde estão os seus móveis? – Perguntou o turista.

E o rabino, bem depressa, perguntou também:

  • E onde estão os seus?

  • Os meus? - Perguntou o turista - mas eu estou aqui só de passagem!

  • Eu também! - Disse o rabino - arrastamos para o além o que somos, não o que temos.”

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.