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  • Novo estudo genético descobre que a meritocracia é uma mentira

Publicado por uma equipe de cientistas com uma dúzia de colaboradores na revista Nature Genetics em julho, é o mais recente resultado de um longo e contínuo esforço para levar a análise genética às ciências sociais. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :23 Oct, 2018
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Por Natasha Romanzoti

Um novo estudo genético permitiu a confirmação de algo que muitos de nós suspeitávamos, mas nunca pudemos confirmar: dinheiro supera DNA.

Crianças geneticamente bem-dotadas são distribuídas quase igualmente entre famílias de baixa renda e alta renda. Sucesso não.

Crianças menos bem-dotadas em famílias de alta renda se formam na universidade a taxas mais altas do que as crianças mais talentosas de famílias de baixa renda.

As conclusões da pesquisa podem ser lidas (em inglês) neste artigo .

Os números são chocantes

Entre as pessoas cujo genoma possui um índice genético que os pesquisadores associaram ao desempenho educacional, apenas cerca de 24% das nascidas de pais de baixa renda se formam na faculdade.

Já a taxa de graduação das pessoas com pontuações genéticas semelhantes que têm a sorte de nascer em uma família de alta renda é de 63%.

Isso é ainda pior quando pensamos na conclusão do outro lado da escala de pontuação genética: cerca de 27% das crianças menos bem-dotadas que nascem de pais de alta renda se formam na faculdade.

Isso significa que eles têm pelo menos a mesma probabilidade, ou uma probabilidade maior, de se formarem na faculdade do que os alunos de baixa renda mais talentosos.

O que isso significa, na vida real?

A aplicação da genética à economia é um campo novo, com algumas limitações. Mais notavelmente, neste estudo os pesquisadores foram forçados a se concentrar em pessoas brancas, pois os dados genômicos existentes vêm predominantemente de indivíduos de descendência europeia.

Ainda assim, os resultados já começam a expor verdades dolorosas. Por exemplo, contradizem a concepção popular da “meritocracia”: a ideologia política ou modelo de hierarquização baseado nos méritos pessoais de cada indivíduo. Por conta própria, não parece que aqueles que têm mais méritos (os mais trabalhadores, mais dedicados, mais bem-dotados intelectualmente etc.) predominam na sociedade.

“Isso vai contra a narrativa de que existem diferenças genéticas substanciais entre as pessoas que nascem em famílias abastadas e as que nascem na pobreza”, explica Kevin Thom, economista da Universidade de Nova York (EUA). “Se você não tem recursos de família, até as crianças brilhantes – as crianças naturalmente bem-dotadas – terão que enfrentar batalhas difíceis”.

“O potencial deles está sendo desperdiçado. E isso não é bom para eles, mas também não é bom para a economia”, completou seu colega de estudo, o economista Nicholas Papageorge da Universidade Johns Hopkins (EUA). “Todas essas pessoas que não foram para a faculdade com essas altas pontuações genéticas, não poderiam ter curado o câncer?”.

Metodologia

A análise de Thom e Papageorge se baseia nas descobertas de um dos maiores estudos genômicos realizados até o momento.

Publicado por uma equipe de cientistas com uma dúzia de colaboradores na revista Nature Genetics em julho, é o mais recente resultado de um longo e contínuo esforço para levar a análise genética às ciências sociais.

Esse levantamento identificou milhões de pares de bases individuais em 1.131.881 genomas em busca de evidências de correlações entre genes e anos de escolaridade concluídos. Eles sintetizaram os resultados em uma única pontuação que os cientistas podem usar para prever realizações educacionais com base em fatores genéticos.

Thom e Papageorge aplicaram esse índice em cerca de 20.000 pessoas nascidas entre 1905 e 1964 que forneceram seu DNA juntamente com seus dados, o que permitiu que os economistas atribuíssem conquistas acadêmicas e econômicas dos indivíduos à sua genética.

Gene + ambiente

A principal descoberta você já conhece: é de que nascer rico é melhor do que nascer talentoso. Mas esse simples achado torna-se mais interessante à medida que passamos a entender o que representa e as maneiras importantes pelas quais não explica tudo.

Estudos alimentados por enormes conjuntos de dados genéticos permitem que os economistas levem em conta os ambientes em que as pessoas cresceram. Tentativas anteriores de separar o potencial acadêmico das vantagens dadas para crianças de famílias abastadas dependiam de medidas como testes de QI, que são influenciadas pela educação, ocupação e renda dos pais.

Tais testes não podem ser administrados no momento do nascimento ou durante a infância, antes que pais de alta renda tenham dado um começo importante a seus filhos pequenos, alimentando-os bem, lendo para eles e os matriculando em mais atividades.

“Duas pessoas que são geneticamente semelhantes podem ter pontuações surpreendentemente diferentes no teste de QI, porque as mais ricas investiram mais em seus filhos”, esclarece Papageorge.

A análise do novo estudo não depende de um único “gene inteligente”. Algumas das codificações genéticas individuais influenciam traços como o desenvolvimento do cérebro fetal e a secreção de neurotransmissores ao longo da vida, por exemplo. E cada uma tem um pouco de impacto na realização profissional de um indivíduo. Em conjunto, as variações genéticas explicam 11 a 13% da diferença no desempenho acadêmico entre as pessoas.

A questão é que essas variações genéticas são difíceis de separar do ambiente. Elas acabam explicando mais diferenças de realização profissional porque refletem os genes que tiveram mais sucesso em determinadas condições que os indivíduos estavam crescendo.

Conclusão sombria?

Quando o índice genético de Thom e Papageorge foi testado entre genomas de irmãos, os resultados indicaram que até um quarto da variação na pontuação pode ser devido a forma como o código genético se relaciona com fatores ambientais.

Por exemplo, pode haver genes associados ao comportamento parental que criam um ambiente propício ao sucesso do filho.

As crianças com esse gene tenderiam a ter sucesso na escola não porque seu DNA as ajuda diretamente a estudar, mas porque elas possuem tanto o gene quanto um ambiente favorável ao sucesso na casa de seus pais.

É um lembrete de que a descoberta principal do estudo também é sua maior limitação: genes não definem tudo, mas influenciam tudo. A maior parte das realizações não pode ser explicada somente por fatores genéticos. Já fatores ambientais, como a renda dos pais, por outro lado… [ScienceAlert ]

Notícia publicada no Hypescience , em 15 de outubro de 2018.

Breno Henrique de Sousa* comenta

Meritocracia

A meritocracia é uma visão filosófica que defende que a sociedade deve ser dirigida por aqueles que têm mérito, ou seja, qualidades e competências que lhe conferem o merecimento de conduzir e liderar. É baseado nessa ideia que temos processos seletivos como concursos públicos e o ENEN para ingressar na universidade.

Essa ideia é muito discutida atualmente no campo político e sobre ela existem muitas polêmicas. Ao que parece ninguém é contra o mérito, o problema é a estratégia para garantir que a competição tenha regras justas e equitativas. Algumas pessoas nascem em condições privilegiadas e saem na frente na corrida para um lugar ao sol, outros foram cercados de apoio e incentivos em suas vidas, enquanto outros tantos tiveram que enfrentar as mais duras adversidades. Algumas políticas públicas tentam dirimir essas diferenças, mas não é nosso objetivo aqui julgar nenhuma delas, porque elas variam conforme a perspectiva política de cada um e não toca ao Espiritismo esse papel.

O artigo em destaque demonstra que as condições sociais são mais determinantes que as condições biológicas, ou seja, apesar de termos uma carga genética que nos faz mais ou menos inteligentes, são as condições sociais que determinarão se seremos bem ou mal sucedidos. Essa conclusão é importante porque põe por terra as teorias raciais de que existem raças mais ou menos capazes ou povos que são naturalmente dotados de qualidades especiais. Porém, ela não resolve questões importantes como: Por que nascemos pobres ou ricos ou em condições de melhores ou piores oportunidades? Por que uns nascem dotados de habilidades especiais ou de uma inteligência superior enquanto outros nascem com capacidades medíocres ou mesmo com limitações mentais patológicas? Onde está o mérito nisso?

Esses questionamentos são, sem dúvida, muito importantes e em algum momento passam pela cabeça de qualquer ser humano. Diante dele só existe duas conclusões possíveis: 1) A vida é injusta e não existe um Deus bom, ou 2) A vida é justa e existe uma razão para essas diferenças. Não enxergo outra possibilidade. Podemos até ignorar essa questão e dizer que não sabemos a resposta, mas isso é apenas uma forma de se esquivar de um dilema que guarda apenas essas duas possibilidades. Muitas pessoas ingressaram na descrença a partir dessa reflexão.

O Espiritismo esclarece sobre a lei natural da reencarnação que lança luz sobre a questão permitindo-nos compreender essas diferenças. Porém, seria uma interpretação errada acreditar que devemos nos conformar com o sofrimento e a injustiça porque devemos pagar algum erro do passado. Realmente essa é uma visão equivocada da lei da reencarnação. Esse princípio apenas esclarece o motivo de nossos males, é como um espelho retrovisor que lança luz sobre o passado, nos permitindo compreender que, no plano das coisas divinas, felicidade ou desgraça é antes de tudo trabalho de semeadura.

No plano das coisas espirituais não existe a falsa meritocracia humana, baseada em condições transitórias como o corpo ou o meio social. Enquanto espíritos, nascemos todos simples e ignorantes, em igualdade de condições. Esse é o nosso ponto de partida e a vida terrestre é apenas uma pequena paragem dessa estrada evolutiva infinita. Aqui encontram-se viajantes nas mais diversas situações e isso lança luz sobre uma porção de problemas da existência humana.

No plano das coisas terrestres existe a injustiça porque ela é consequência do egoísmo e do orgulho humano. Enquanto não superamos completamente essas mazelas morais, nos alternamos entre a condição de vítimas e algozes. À medida que tomamos consciência desses males, lutamos para extirpá-los de nossos corações e da sociedade, através da reforma íntima no plano individual e de políticas e leis mais justas no plano social. Ao Espiritismo cabe contribuir para a reforma moral do indivíduo que enquanto cidadão deverá lutar contra as injustiças, porque quem ama ao seu próximo não deve consentir a maldade no mundo. Essa luta social contra a injustiça pode dar-se dentro da perspectiva ou estratégia política que cada um achar melhor, desde que seja direcionada ao bem comum, e não cabe ao Espiritismo opinar sobre temas como os partidarismos políticos, somos todos livres para adotar nossa perspectiva política individual, desde que ela seja laureada pelos princípios morais do amor e da fraternidade universais.

Não confundamos o discurso sobre a meritocracia no âmbito das coisas humanas, sobretudo da política, com a expressão “mérito” de que trata o Espiritismo. São perspectivas muito diferentes e se referem a planos de existência distintos. Deus dá a cada um segundo o seu merecimento, mas, um merecimento real, não estamos tratando aqui de um falso merecimento humano usado como discurso para ocultar injustiças e sim da suprema inteligência onisciente do universo, estamos falando do único ser que realmente é capaz de estabelecer leis justas e igualitárias.

Não nos esqueçamos que o não merecimento no plano das coisas espirituais é apenas uma condição transitória que pode ser alterada pelos nossos esforços no bem e na reforma íntima. Se hoje sofremos, nos toca resistir e lutarmos por um mundo melhor para todos, o que não queremos para nós mesmos não devemos desejar ao próximo. Estamos na Terra, neste país, nesta família, porque é o lugar que merecemos, aqui chegamos pelo que fizemos, somos obrigados a colher o que plantamos, bem ou mal, essa condição nos põe nas mãos o protagonismo real de nossos destinos.

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano, professor da Universidade Federal da Paraíba nas áreas de Ciências Agrárias e Meio Ambiente. Está no movimento Espírita desde 1994, sendo articulista e expositor. Atualmente faz parte da Federação Espírita Paraibana e atua em diversas instituições na sua região.