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Ela foi agredida após ser acusada de praticar magia negra com crianças. Moradores registraram vídeos mostrando a agressão e postaram na web. De acordo com familiares de Fabiane, após as agressões, ela sofreu traumatismo craniano. Jorge Hessen comenta.

  • Data :12/06/2014
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12 de junho de 2014

Mulher espancada após boatos em rede social morre em Guarujá, SP

Ela foi agredida após ser acusada de praticar magia negra com crianças. Moradores registraram vídeos mostrando a agressão e postaram na web.

Mariane Rossi Do G1 Santos

A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, morreu na manhã desta segunda-feira (5), dois dias após ter sido espancada por dezenas de moradores de Guarujá, no litoral de São Paulo. Segundo a família, ela foi agredida a partir de um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para utilizá-las em rituais de magia negra.

De acordo com familiares de Fabiane, após as agressões, ela sofreu traumatismo craniano e foi internada em estado crítico no Hospital Santo Amaro, também em Guarujá. Minutos após a agressão, a Polícia Militar chegou a isolar o corpo de Fabiane acreditando que ela estava morta após o espancamento. Na manhã desta segunda-feira, porém, a família recebeu a informação de que Fabiane não resistiu aos ferimentos e morreu.

O espancamento aconteceu no bairro Morrinhos no início da noite deste sábado (3). A mulher foi amarrada e agredida e, segundo testemunhas que acompanharam a agressão, os moradores afirmavam que a mulher havia sequestrado uma criança para realizar trabalhos de magia negra. O caso foi registrado na Delegacia Sede de Guarujá, onde será investigado. Até o momento, ninguém foi preso. A polícia está analisando as imagens da agressão e busca identificar os envolvidos no caso.

Marido

O porteiro Jaílson Alves das Neves afirmou, em entrevista ao G1 antes de saber da morte da mulher, que a esposa era inocente. De acordo com ele, a página se confundiu ao colocar uma foto de Fabiane em seu perfil e isso motivou as agressões. “Começou com um boato na internet. Eles colocaram uma foto de uma pessoa parecida e todo mundo achou que era ela. Quando ela voltou para o bairro, a cercaram e começaram as agressões”, explica.

Sobre os agressores, Jaílson espera que a polícia identifique os criminosos por meio dos vários vídeos que foram gravados. “Quero que a Justiça seja feita. Cabe a polícia investigar. Eu não vi ninguém que eu conheço batendo nela. Vamos esperar as investigações e, acredito, os culpados serão punidos”, comenta.

Após as agressões, várias pessoas se revoltaram pelas redes sociais afirmando que Fabiane é portadora de transtorno bipolar e que jamais fez mal a crianças. Jaílson confirmou o tratamento e afirma que a esposa não é agressiva.

O caso também gerou revolta por parte dos amigos de Fabiane. Uma das vizinhas da vítima, que preferiu não se identificar, diz que nunca viu nenhum comportamento agressivo por parte da agredida. “Nunca vi ela agressiva com ninguém, nem com as próprias filhas. As pessoas acreditam em tudo e acaba acontecendo uma tragédia. Eu não estava lá no momento do espancamento, mas se estivesse, defenderia ela imediatamente”, diz.

Advogado acusa página de rede social

O advogado da vítima, Airton Cinto, foi até a casa da família neste domingo (4). Segundo ele, Fabiane é uma dona de casa que tem dois filhos. O advogado diz que Fabiane estava andando na rua quando começou a ser agredida. Algumas pessoas teriam visto, na página Guarujá Alerta, hospedada no Facebook, o retrato falado de uma mulher que estaria sequestrando crianças em Guarujá e pensaram que se tratava de Fabiane. “Ela foi espancada porque acharam que ela era uma pessoa de uma foto. Amarraram ela, arrastaram ela, levaram até o Morrinhos 4 e espancaram ela violentamente. Deixaram ela no mangue. A Polícia Militar preservou o corpo achando que ela estava morta”, afirma. Segundo ele, Fabiane não teve tempo de se defender das acusações e agressões.

O advogado comenta que o autor da página na internet ainda não foi identificado, mas entende que o site foi responsável pelo crime. “Ele divulgou que tinha uma mulher que supostamente sequestrava crianças e criou uma comoção do bairro. Nós vamos responsabilizar o site por isso. Vamos pedir a quebra do IP. Vou solicitar a prisão temporária dele e de todos que foram identificados nos vídeos”, garante o advogado.

Airton deve ir até a delegacia na manhã desta segunda-feira (5) para solicitar os vídeos feitos por moradores no momento das agressões a Fabiane. “Vamos investigar junto com o delegado. Vou para o hospital e depois para a delegacia. A situação dela é gravíssima. Foi uma barbárie cometida por uma injustiça”, lamenta.

O G1 entrou em contato com o Guarujá Alerta, página responsável pela divulgação do material. Segundo os administradores da página, o Guarujá Alerta sempre alertou os seguidores de que a situação era apenas um boato. A página assume que publicou um retrato falado semelhante ao da vítima, foto que foi removida algumas horas depois. Os administradores afirmam que a página vem sendo alvo de perseguição política, já que faz graves denúncias sobre a cidade. O Guarujá Alerta afirma ainda que está aberto para qualquer esclarecimento judicial e se compromete a pedir uma perícia técnica para comprovar que nada foi apagado da página do Facebook.

Notícia publicada no Portal G1 , em 5 de maio de 2014.

Jorge Hessen comenta*

Consigna a Wikipédia que linchamento ou linchagem é o assassinato de uma ou mais pessoas cometido por uma multidão com o objetivo de punir um suposto transgressor ou para intimidar, controlar ou manipular um setor específico da população. Cita ainda que o coronel Charles Lynch praticava linchamento nos idos de 1782, durante a guerra de independência dos Estados Unidos. Entretanto, costuma-se conferir com mais frequência a origem do termo “linchamento” ao capitão William Lynch, do condado de Pittsylvania, Virgínia, que manteve um comitê para manutenção da ordem durante a revolução americana.(1)

A “lei de Lynch” deu origem à palavra linchamento, em 1837, designando o desencadeamento do ódio racial contra os índios, principalmente na Nova Inglaterra, apesar das leis que os protegiam, bem como contra os negros perseguidos pelos “comitês de vigilância” que darão origem ao Ku Klux Klan. Apesar dessa paternidade reconhecida a Charles ou William Lynch, a prática de assassinato por uma multidão já ocorria na Idade Média na Europa.

Antes, porém, na Antiguidade, são inúmeros relatos de linchamentos promovidos sob os auspícios da lei. Entre os judeus, a lapidação – apedrejamento pela multidão – era uma penalidade aplicada em diversos casos, tais como o adultério feminino e a homossexualidade masculina, dentre outros. Dois casos célebres de lapidação são narrados no Novo Testamento – o da mulher adúltera, evitado por Jesus Cristo, e o de Estêvão.

O fato que causou forte comoção nacional, considerada a 20ª (vigésima) morte por linchamento no Brasil apenas no ano de 2014(2), foi o assassinato de Fabiane Maria de Jesus, linchada por moradores do bairro de Morrinhos IV, na periferia do município de Guarujá, no litoral do estado de São Paulo, em 3 de maio de 2014. Fabiane tinha 33 anos, era uma dona de casa casada, mãe de duas crianças e morava no bairro. Ela foi confundida com uma sequestradora de crianças para sacrifícios em rituais de magia negra; foi espancada e morta pela multidão.

A violência do homem “civilizado” tem as suas raízes profundas e vigorosas na selva. O homo brutalis tem as suas leis: subjugar, humilhar, torturar, linchar e matar. O pragmatismo das sociedades contemporâneas robotizou o homem, o que vale dizer que o petrificou no plano moral. O mesmo indivíduo que se prostra diante das imagens frias dos altares, nos templos suntuosos, volta ao seu posto de mando para ordenar torturas e linchamentos. O homem contemporâneo vive atormentado pelo medo, esse inimigo atroz que o assombra, uma vez submetido às contingências da vida atual, de insegurança e de incertezas, resultando grave deterioração da ética. Será preciso reformular conceitos, repensar valores, reformar a intimidade e adotar o Evangelho como diretriz de segurança para o futuro da sociedade.

Em pleno século XXI, numa sociedade civilizada, o que se espera é que as pessoas se mobilizem para melhorar as instituições, e não para fazer justiça com as próprias mãos de forma selvagem, sem dar aos suspeitos o direito à defesa. Com isso, no afã de tentar fazer uma suposta justiça, cometem-se grandes injustiças. Mesmo que a vítima seja criminosa, isso não abranda o aspecto bestial de um linchamento. No passado, os linchadores teriam a premissa para devolver o troco na mesma moeda por causa do Código de Hamurabi, criado em 1780 a.C., um dos primeiros códigos de leis escrito na História, também conhecido como Lei de Talião, que pregava o princípio de proporcionalidade da punição, no “olho por olho, dente por dente”.

Habitualmente o linchamento germina em sociedades que não acreditam nos seus dispositivos de segurança, em seus processos penais. Uma polícia negativamente avaliada, um sentimento de impunidade generalizada, um judiciário percebido como vagaroso e inútil, um Estado ausente, inábil de resolver conflitos, um sistema omisso. Quebras diárias de confiança e legitimidade que levam o linchador a buscar e justificar sua estúpida justiça com as próprias mãos.

O comportamento livre e “justificado” dos linchadores reflete um pouco os conceitos de “Estado Natural” de Hobbes (1588-1679) e Locke (1632 - 1704). Para Thomas Hobbes, os homens são maus por natureza, ou seja, “o homem é o lobo do próprio homem”, dizia, e a organização social civil surge não pela “boa vontade de uns para com os outros, mas o medo recíproco”; portanto, urge a presença do Estado para, com autoridade absoluta, estabelecer a ordem. O filósofo John Locke proferia que se houver quebra de confiança no Estado ou se este não cumprir com as suas obrigações, o povo pode se rebelar. Nessa linha, os linchamentos seriam formas de se rebelar contra um Estado em que não se confia mais. Mais tarde, o teórico escocês David Garland, que estudou os linchamentos em várias de suas obras, definiu tal prática como formas coletivas de realizar a justiça retributiva, restabelecer a honra perdida e reafirmar o poder do grupo.

A onda crescente de delinquência que se espalha por toda a Terra assume proporções catastróficas e imprevisíveis, exigindo do homem honesto e lúcido profunda reflexão. “Segundo recentes dados da ONU, o Brasil (um país supostamente pacato) ocupa o indigno 15º (décimo quinto) lugar na lista dos países mais violentos do mundo (o que fez o Le Monde batizar a copa da FIFA  de “Copa do Medo”). E das cinquenta cidades mais perigosas do planeta, 16 (dezesseis) são brasileiras.”(3)

“Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os enfermos”.(4) Reflitamos, à luz da Doutrina Espírita, sobre crime, violência e sobre a lei. O mandamento maior da lei divina inclui a caridade para com os criminosos, por mais difícil que possa parecer ter este sentimento diante da barbárie. Perante a Lei de Deus, somos todos irmãos, por mais repugnante que seja para os linchadores tal ideia. O criminoso é alguém que desconhece a Lei Divina, que não reconhece a paternidade divina, e portanto não vê no outro um irmão. Nós, que já temos esses valores, sabemos que ele é também um filho de Deus, por enquanto transviado do bem, que precisa do nosso amor fraterno.

Mas de que maneira amar um criminoso, um inimigo da sociedade? Kardec nos instrui “que amar os inimigos não é ter-lhes uma afeição que não está na natureza, visto que o contato de um inimigo nos faz bater o coração de modo muito diverso do seu pulsar ao contato de um amigo. Amar tais inimigos é não lhes guardar ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; é perdoar-lhes, sem pensamento oculto e sem condições, o mal que causem; é desejar-lhes o bem e não o mal; é socorrê-los, em se apresentando ocasião; é abster-se, quer por palavras, quer por atos, de tudo o que os possa inutilizar; é, finalmente, retribuir-lhes sempre o mal com o bem, sem a intenção de degradá-los.”(5)

O Mestre nazareno ensinou: “haveis aprendido o que foi dito aos Antigos: Vós não matareis, e todo aquele que matar merecerá ser condenado pelo julgamento. Mas eu vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão merecerá ser condenado pelo julgamento; que aquele que disser a seu irmão Racca, merecerá ser condenado pelo conselho; e que aquele que lhe disser: Vós sois louco, merecerá ser condenado ao fogo do inferno”.(6)

Allan Kardec admoesta que “por essas máximas, Jesus faz da doçura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência uma lei: condena, por conseguinte, a violência, a cólera e mesmo toda expressão descortês com respeito ao semelhante”.(7) Portanto, o Espiritismo ensina que amar os inimigos é uma das maiores conquistas sobre o egoísmo e o orgulho, é desejar-lhes o bem em vez do mal, é não lhes ter ódio, ou desejo de vingança.

Referencias bibliográficas:

(1) Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Linchamento >, acessado em 2 de junho de 2014;

(2) Jornal Correio Braziliense/junho de 2014;

(3) Disponível em http://www.brasilpost.com.br/patricia-melo/genocidio-autorizado_b_5291725.html](http://www.brasilpost.com.br/patricia-melo/genocidio-autorizado_b_5291725.html)> , acessado em 1 de junho de 2014;

(4) Mateus, IX: 10-12;

(5) Kardec, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2001, cap. IX;

(6) Mateus, 21 e 22;

(7) Idem​.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.