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Recursos como próteses para substituir neurônios, máquinas que constroem DNA, coração e até um outro cérebro permitirão que a próxima geração viva pelo menos até os 150 anos - e as sucessoras, ainda muito mais. É a previsão de um grupo especial de cientistas. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :05/04/2012
  • Categoria :

5 de abril de 2012

A era dos homens imortais

Recursos como próteses para substituir neurônios, máquinas que constroem DNA, coração e até um outro cérebro permitirão que a próxima geração viva pelo menos até os 150 anos - e as sucessoras, ainda muito mais

Monique Oliveira

O ano será 2045. Ele marcará o início de uma era em que a medicina poderá oferecer à humanidade a possibilidade de viver por um tempo jamais visto na história. Órgãos que não estejam funcionando poderão ser trocados por outros, melhores, criados especialmente para nós. Partes do coração, do pulmão e até o cérebro poderão ser substituídos. Minúsculos circuitos de computador serão implantados no corpo para controlar reações químicas que ocorrem no interior das células. Estaremos a poucos passos da imortalidade.

Esta é a previsão de um grupo muito especial de cientistas conhecidos por ocupar a vanguarda de pesquisas que permeiam temas como a ciência da computação, a biologia e a biotecnologia. Entre eles, estão George Church, professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o gerontologista e biomédico especializado em antienvelhecimento Aubrey de Grey e o engenheiro Raymond Kurzweil, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que profetizou o surgimento da internet. Eles são os líderes de uma espécie de nova filosofia, batizada de Singularidade.

Na astronomia, singularidade nomeia um lugar no espaço onde um corpo não envelhece. Na medicina, os arautos da imortalidade afirmam que ela nada mais é do que uma consequência real de uma revolução em curso que já faz disparar em velocidade sem precedentes a expectativa de vida humana. “Considerando a rapidez das inovações, uma pessoa nascida em 2050 terá 95% de chance de viver mil anos”, disse à ISTOÉ o inglês Aubrey de Grey.

Neste momento, o grupo está envolvido no crescimento da Universidade da Singularidade, já instalada no Vale do Silício, nos Estados Unidos, o mesmo que dá sede às principais empresas de inovação na área de informática. É na universidade, por exemplo, que trabalha o professor venezuelano José Luís Cordeiro. “Bactérias unicelulares que viviam há milhões de anos não envelheciam”, disse à ISTOÉ. “Nossas células germinativas também não envelhecem. Óvulos e espermatozoides vivem indefinidamente quando congelados”, afirma, apontando um dos fatores que levam a ele e a seus companheiros a acreditar no maior prolongamento da vida humana. No Brasil, os pesquisadores acompanham com olhos atentos os movimentos dos colegas internacionais. “A singularidade pode até não ter esse nome, mas o seu advento é certo”, acredita Marcos Formiga, coordenador do Núcleo de Estudos do Futuro da Universidade de Brasília.

Tanta certeza está sustentada nos avanços já obtidos e naqueles que certamente virão. Só para se ter uma ideia, a partir do que se tem hoje, acredita-se que uma criança que acaba de nascer tem grandes chances de ultrapassar os 130 anos. “Com base nos recursos que temos atualmente, ela poderá viver pelo menos até os 150 anos”, afirmou à ISTOÉ Steven Austad, diretor do Instituto Barshop, fundação para estudos de longevidade ligada à Universidade do Texas, nos Estados Unidos. “Isso é perfeitamente factível, basta analisar os recentes progressos.”

Um dos campos nos quais os avanços foram mais notáveis é o das células-tronco, estruturas versáteis capazes de gerar diferentes tecidos do organismo. Há exemplos bem-sucedidos pelo mundo afora. Na área da cardiologia, diversos experimentos têm demonstrado seu poder para regenerar partes do músculo cardíaco. Em um deles, feito na Universidade de Louisville (EUA) com 16 portadores de insuficiência cardíaca, todos tiveram parte do tecido do coração regenerado com células-tronco retiradas do próprio órgão. Em metade deles, o tecido continuava se regenerando um ano após a injeção das estruturas. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisadores as utilizaram para restaurar a função motora em pessoas vítimas de acidente vascular cerebral. Dos 20 pacientes tratados, a maioria recuperou parte dos movimentos. “Acredita-se que as células-tronco impeçam o avanço da lesão e até regenere o neurônio”, diz a neurobiologista Rosália Mendes Otero, que comanda o estudo.

A substituição de órgãos inteiros doentes por outros, sadios, é outra das razões apontadas pelos cientistas para justificar a crença em uma vida espetacularmente longa. Nos últimos anos, os avanços na medicina regenerativa – responsável por esse campo – impressionam. Tanto é que, segundo pesquisa realizada pela consultoria OThink, de São Paulo, 59% de cerca de mil entrevistados dizem acreditar que, em 2050, será possível produzir órgãos em laboratórios. De fato, já se conseguiu criar e implantar em seres humanos traqueia, bexiga, uretra e vasos sanguíneos. E há experiências de criação de mais órgãos, entre eles o coração e o fígado.

Um dos fatores mais importantes associados ao tempo de vida de um homem é sua genética. Seu DNA aponta qual será sua vida média e também pode trazer alterações que o predispõe a doenças. Por isso, boa parte dos esforços está concentrada em inventar recursos que interfiram no material genético de cada um. Um dos mais fantásticos é uma máquina que lê e muda a estrutura do DNA. O cientista George Church, de Harvard, por exemplo, criou um DNA artificial com um aparelho feito por ele, chamado Mage. O equipamento fabrica cerca de quatro milhões de genomas por dia. Com o invento, Church diz que é possível mudar a formados genética e os órgãos e tecidos que são constituídos a partir dela, promovendo a cura de enfermidades. “O DNA pode criar qualquer coisa biológica” disse à ISTOÉ.

Invenções como essa podem fazer com que a terapia gênica, cujo objetivo é corrigir defeitos genéticos, dê um salto e se firme como boa opção para estender a vida. Hoje, existem experimentos interessantes nessa área. Pesquisadores conseguiram, entre outras façanhas, mudar o gene de pacientes com hemofilia do tipo B, distúrbio genético caracterizado por sangramentos prolongados. O feito, realizado pela Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo, em parceria com a Universidade de Filadélfia, foi alcançado inserindo o gene certo – responsável por determinar a fabricação de fator coagulante do sangue – dentro das células de seis pacientes. Quatro não tiveram mais sangramento espontâneo. “Por causa do sucesso, em 2013 teremos mais brasileiros participando do estudo”, diz Margareth Castro Ozelo, coordenadora do trabalho.

Interferir no poder da genética passa também pela identificação de alterações que podem levar ao desenvolvimento de doenças. “Se uma pessoa fuma e tem predisposição genética para o câncer de pulmão, apresenta o dobro de chance de ter a enfermidade em comparação a um indivíduo que só fuma”, explica Renato Veras, coordenador da Universidade da Terceira Idade, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Por isso, para viver mais, é preciso conhecer as predisposições.” Para ajudar nessa tarefa, começam a proliferar testes que indicam vulnerabilidades, como a alguns tipos de câncer, e aptidões, como para o desempenho esportivo.

Mas, para que análises de predisposição genética possam ser feitas em larga escala e mapeiem mais doenças, cientistas alertam para a necessidade de se recolher o maior número de informações genéticas possível de uma população, a exemplo da Islândia, que mapeou o genoma de quase todos os seus habitantes. “No Brasil, ainda estamos começando esse processo”, diz Marcos Barcelos Pinho, coordenador de pesquisa e desenvolvimento do Progenética, laboratório especializado em diagnósticos moleculares, em São Paulo.

No mundo, a construção de bancos de dados de genoma é uma realidade mais próxima. “O importante neste momento é garimpar, associar genomas a diferentes perfis para que seja possível correlacioná-los”, afirmou à ISTOÉ Thomas Perls, da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. O pesquisador acabou de completar o estudo de dois supercentenários e descobriu que o segredo da longevidade desses idosos não era a ausência de genes ligados a doenças, mas outros, capazes de neutralizá-los. “Eles até ficavam doentes, mas se recuperavam”, explica Perls.

Explicação semelhante para a longevidade foi encontrada no Brasil, na mais antiga pesquisa desse tipo por aqui realizada. O estudo concentra-se na avaliação de 80 idosos de Veranópolis, cidade mais longeva do País, localizada a 150 quilômetros de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Desde 1994, pesquisadores investigam o peso, para a vida longa, de fatores que vão da influência da espiritualidade às informações genéticas. Eles também encontraram fatores protetores que neutralizam a ação de genes para determinadas doenças.

“Há genes associados à mortalidade precoce, mas outros que os impedem de atuar”, diz o geriatra Emílio Moriguchi, um dos coordenadores do trabalho.

Evitar os possíveis danos que os alimentos podem causar ao DNA também é um ponto de apoio da ciência que busca a imortalidade. Segundo o principal representante da Singularidade, o engenheiro Raymond Kurzweil, uma dieta de restrição calórica, com apenas os nutrientes necessários para a vida, pode nos levar a viver muito mais. A hipótese é que uma dieta restritiva pode ativar “os genes da sobrevivência”, que ajudariam o organismo a utilizar a energia de maneira mais eficiente, além de estabilizar o DNA, que ficaria menos mutante. “Seguir um regime pobre em calorias e rico em vitaminas realmente prolonga a vida humana”, explica Lucyanna Kalluf, nutricionista e farmacêutica, criadora do Instituto de Nutrição Personalizada, em São Paulo. De fato, um estudo de restrição calórica feito no MIT mostrou que a estratégia foi capaz de elevar a expectativa de vida das cobaias em 30%.

Esses são apenas exemplos dos instrumentos disponíveis atualmente para fazer com que a raça humana ultrapasse limites da longevidade. O futuro também promete soluções interessantes. Na Suíça, o cientista Henry Markram, diretor do Instituto do Cérebro, da Escola Politécnica de Lausanne, tenta recriar as funções do cérebro de um mamífero. Até agora, conseguiu reproduzir o córtex de um rato e intenta fazer o mesmo com o humano. Ele estima que o seu cérebro humano estará pronto em 2024. No meio do caminho, no entanto, é possível que próteses neurais, capazes de estimular eletricamente neurônios, sejam um subproduto desse experimento. Os pesquisadores já identificaram o material ideal, nanotubos de carbono, excelente condutor, assim como as células nervosas.

Na França, cientistas da Universidade de Montpellier orquestraram resultado igualmente ousado: transformaram uma célula de um homem de 74 anos em célula-tronco embrionária. Ou seja, a deixaram em um estado no qual tornou-se novamente capaz de se transformar em qualquer tecido do corpo. Foi a primeira vez que se conseguiu “rejuvenescer” uma célula. No campo das drogas, há também boas promessas. Em uma pesquisa da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, a rapamicina – usada para evitar a rejeição de órgãos após transplantes – possibilitou a cobaias viver 30% a mais do que o seu potencial genético permitiria. O próximo passo é testá-la com essa finalidade em humanos.

Na Universidade Stanford, nos Estados Unidos, cientistas descobriram que a molécula CCL11 acelera o envelhecimento cerebral. Agora, buscam uma forma de impedir sua atuação. E em um trabalho premiado pela fundação dirigida pelo inglês Aubrey de Grey, o pesquisador polonês Andrzej Bartke usou hormônios para estender a vida de ratos por até 1.819 dias. A expectativa de vida desse animal é de 360 dias.

Tudo isso dá ainda mais fôlego a quem acredita que um dia o homem será imortal. “A ideia de viver para sempre pressupõe que nossas moléculas se renovem e, mesmo assim, continuemos com a sensação de sermos a mesma pessoa”, disse à ISTOÉ o pesquisador George Church. “E posso afirmar que somos capazes de mudar essas moléculas e continuarmos sendo quem somos.”

Matéria publicada na Revista ISTOÉ , em 24 de fevereiro de 2012.

Breno Henrique de Sousa comenta*

A Vida Eterna

Quem não quer viver pra sempre? A possibilidade de viver indefinidamente no corpo físico nos leva a perguntar em como fica a vida no além-túmulo. Onde caberia uma vida após a morte se não houvesse morte? O tema parece desafiador aos religiosos, ainda mais desafiador pelo fato de que os cientistas estão buscando salvar vidas e, diante desse argumento, não se pode alegar que eles estão desrespeitando ou ameaçando o valor da vida. É diferente, por exemplo, das experiências com embriões humanos, sobre as quais recai a acusação de que estão matando seres humanos pelo desenvolvimento da ciência. Com menos complicações bioéticas, será mais difícil para as religiões tradicionais imporem qualquer limite a esses avanços.

À medida que a ciência conseguir notoriamente estender a expectativa de vida dos seres humanos, essas questões serão colocadas mais frequentemente. Essa questão nos suscitará desdobramentos éticos, filosóficos e teológicos muito profundos. Será que haverá espaço para Deus, religiões e espíritos em um mundo onde não existe a morte física?

Mas, antes de concluir pela ideia da imortalidade física, é preciso colocar os pés no chão e dizer que, se é possível prolongar a vida, existem muitos outros fatores físico-químicos, genéticos e biológicos a serem considerados. Da forma que a reportagem aborda o assunto, é como se estivéssemos a ponto de viver mais de mil anos. A matéria, por mais que logremos prolongar sua existência, sofrerá a ação da segunda lei da termodinâmica – a entropia – e tenderá a desorganizar-se. Outro fator é que não estão desvendados todos os mecanismos genéticos que respondem pela existência da vida. Muitos fenômenos biológicos são simplesmente inexplicáveis pelas leis genéticas e indicam a existência de outras interferências no processo biológico. Se não temos pleno domínio sobre os mecanismos que controlam a vida, como garantir que podemos prolongá-la indefinidamente?

Aprendi uma coisa sobre previsões. Elas nunca acontecem da forma e no momento em que são previstas. Normalmente somos muito apressados, as coisas acontecem no seu tempo, outras vezes, algo que esperávamos que levaria muito mais tempo acontece rapidamente, superando qualquer previsão ou expectativa.

O quê me espanta é a maneira sensacionalista com que o tema é tratado. A partir de avanços reais e prováveis da ciência, a mídia faz prospecções no mínimo exageradas.

Certamente, seguiremos aumentando nossas expectativas de vida. A longevidade do ser humano gradativamente será alongada, mas eu não me arriscaria a dizer que em 2050 as pessoas viverão mais de mil anos. Existem enfermidades que só aparecem com a idade avançada. Chegando o homem a idades que nunca chegou antes, é possível que surjam dificuldades nunca vistas e que comprometam essas otimistas expectativas. Se for possível trocar os órgãos do corpo, é menos provável trocar o cérebro sem afetar a individualidade do ser humano. Quem sabe que complicações pode sofrer um cérebro com 200 anos de idade? Será que ele foi feito para viver tanto tempo sem problemas?

Não se trata aqui de ser pessimista ou criticar qualquer iniciativa que sirva para melhorar a qualidade e duração da vida humana. Pela lei de progresso, o ser humano colabora com a marcha do progresso e a ciência é um meio que Deus encontra para que o homem contribua com essa marcha. Diz o Espiritismo, em O Livro dos Espíritos (questões 182, 183 e 188), que a natureza do corpo físico guarda relação com o progresso realizado pelo espírito. Assim, nos mundos mais adiantados que o nosso, os corpos não são tão densos e materiais, a infância não é tão longa e os corpos não são tão perecíveis, de maneira que a vida é muito mais longeva que a daqui da Terra. Quem sabe não estamos a caminho de contribuir através da ciência, para a formação de corpos mais perfeitos para acompanhar o progresso do planeta e permitir aos reencarnantes a manifestação de habilidades nunca vistas? Acreditamos, frequentemente, que somos nós quem determinamos e interferimos nos rumos da humanidade. Nem suspeitamos que estamos sendo usados como instrumentos para executar os planos da divindade. Nesse sentido, precisamos apenas estar alertas para evitar os abusos cometidos em nome da ciência, mas sem o extremo de uma visão retrógrada que teme o progresso.

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano de João Pessoa, graduado em Ciências Agrárias e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da Paraíba. Ambientalista e militante do movimento espírita paraibano há mais de 10 anos, sendo articulista e expositor.