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José Pedro, de 84, e dona Nhanhá, de 91, sobem ao altar. Com a bênção da mãe do noivo, de 104. A idade dos noivos não é o único detalhe a chamar a atenção na história do casal. Além de trocar alianças numa fase da vida em que pouca gente faz planos para o futuro, os noivos são primos. Marcia Leal Jek comenta.

  • Data :31 Oct, 2010
  • Categoria :

Uma paixão antiga

José Pedro, de 84 anos, e dona Nhanhá, de 91, sobem ao altar. Com a bênção da mãe do noivo, de 104

Leopoldo Mateus, de Senhora de Oliveira (MG)

Quando ouviu do padre a pergunta que costuma dar um friozinho na barriga de toda noiva, Laudelina Isabela quase fraquejou. De seus lábios enrugados, finalmente saiu a resposta que todos na igreja aguardavam: “Aceito”. Dona Nhanhá não é uma noiva comum. Ela tem 91 anos, filhos, netos, bisnetos e até um trineto. O noivo, José Pedro Henrique Paiva, tem 84 anos. Ele foi levado ao altar pela mãe, dona Sá Vita, de 104 anos. “Entro com o Zé Pedro na igreja mesmo que seja carregada”, dizia a mãe centenária. O casamento, no dia 25 de setembro, parou a pequena Senhora de Oliveira, município mineiro de apenas 6 mil habitantes, a 180 quilômetros de Belo Horizonte.

A inesperada idade dos noivos não é o único detalhe a chamar a atenção na história do casal. Além de trocar alianças numa fase da vida em que pouca gente faz planos para o futuro, os noivos são primos. Eles se conhecem desde a infância. Cresceram juntos, mas cada um tomou seu rumo. Laudelina foi morar na capital mineira com o primeiro marido. Ficou viúva em 1999. Zé Pedro continuou na cidadezinha e, no ano passado, depois de mais de 60 anos de casado, também ficou viúvo. Os dois afirmam que a solidão pesou no momento de aceitar construir uma vida nova. Mas a paixão também teve seu papel no enlace: “O que manda é o amor! Gosto demais do Zé”, diz a noiva.

Desde que perdeu o marido, Nhanhá passou a frequentar mais a casa de dona Sá Vita, sua tia e agora sogra. Ela saía de Belo Horizonte e ficava pelo menos 15 dias do mês em Senhora de Oliveira. No começo de julho, seu Zé Pedro tomou uma decisão. “Vou até BH buscar a Nhanhá para mim”, disse à mãe. Dona Sá Vita não aceitou que os dois apenas morassem juntos. Tinham de se casar. A irmã de seu Zé Pedro serviu de cupido. Benedita de Paiva, de 62 anos, comunicou a Nhanhá o interesse do rapaz. “Ninguém vai me levar. Eu não sou mercadoria. Casar, eu posso até pensar”, teria dito à futura cunhada. Ele não pestanejou. Disse que aceitava casar e ainda aceitou as condições da pretendente, que não consegue mais cozinhar para muitas pessoas nem limpar a casa. “Não tem o menor problema”, afirmou Zé Pedro. “A Mariazinha também não estava dando conta de quase nada”, disse, referindo-se à falecida.

O namoro começou. De início, só beijo no rosto e andar de mãos dadas. Quando ela voltava para Belo Horizonte, depois de um tempo por lá, seu Zé não conseguia esconder o sofrimento. “Não vou aguentar de saudade da Nhanhá”, dizia à mãe. Segundo a irmã de Zé Pedro, eles pareciam um casalzinho de adolescentes. Dois meses depois, estavam no altar. Da outra vez em que se casou, Zé Pedro também esperou pouco. Só três meses. “Não perco tempo”, diz o noivo. Dona Nhanhá não acha que foi “fácil” demais aceitando se casar tão rapidamente. “Com 91 anos, eu vou esperar o quê?”

Foram conversar com o padre e marcaram o casamento para o dia 25 de setembro, às 11 horas, na Igreja Nossa Senhora de Oliveira. O mesmo cenário em que ambos se casaram pela primeira vez. A noiva passou duas horas se arrumando no salão. Fez unha, cabelo e maquiagem. Entrou na igreja acompanhada por dois filhos, de vestido azul rendado. O noivo, de paletó cinza-escuro, gravata prateada e lenço combinando, lembrava o ator de cinema Paul Newman. Terminada a celebração, o padre comunicou: “Pode beijar a noiva”. Os convidados aplaudiam, alguns até gritavam. Só a noiva não ficou muito satisfeita. “Foi um beijinho mixuruca. O Zé não gosta de beijo. Só de abraço.” Ela não esconde a preferência: “Gosto de beijo”.

A festa, para mais de 600 convidados, foi a maior da história da cidade. “Nunca teve e nunca mais vai ter uma festa igual por aqui”, diz dona Sá Vita, com a autoridade de quem assistiu aos casamentos de Senhora de Oliveira nas últimas nove décadas. Mais que os noivos, ela foi a atração principal do acontecimento.

“As pessoas não paravam de me abraçar e beijar”, afirma. Até que perdeu a paciência com tamanha paparicação. “Eu disse: ‘Chega!’.” Mas ficou até o fim da festa.

Depois de dez dias juntos, o casal continua num mar de rosas. “Ele é muito carinhoso”, diz Nhanhá. “Ainda não vi defeito nenhum.” Ele também ressalta as qualidades da mocinha – “Ela é divertida, católica e muito obediente” –, com ênfase na terceira, que parece ser fundamental para a manutenção de uma boa relação com o octogenário. A renda do casal soma a aposentadoria dela, de um salário mínimo, e a dele, de dois. Zé Pedro diz que já foi carpinteiro, pedreiro, marceneiro e tem ferramentas para consertar qualquer coisa. “Faço tudo. Só não tenho dinheiro”, diz. Mas se orgulha de ter uma filha médica, que mora em Coronel Fabriciano, a 80 quilômetros de Senhora de Oliveira. Somadas as proles de ambos, são 91 pessoas, entre filhos, netos, bisnetos e trinetos.

Com tanta gente para dar palpite, o casamento correu o risco de não acontecer. No início, dois dos filhos do noivo ficaram preocupados com o que poderia ser entendido como desrespeito à memória da mãe. Depois concordaram. A família de Nhanhá aceitou de imediato. Seu Zé Pedro já era conhecido e foi considerado um bom partido.

Os netos de Zé Pedro são os que mais se divertem com a situação e a efêmera fama do avô. As piadas na escola não param de surgir. “Lua de mel de Nhanhá e Zé Pedro. Qual o nome do filme? Missão impossível”, diz Diógenes de Oliveira, de 15 anos. Mas ver a felicidade do casal deixa os netos satisfeitos. “A alegria do meu avô é enorme. Ele estava muito sozinho”, diz Juliana Paiva, de 17 anos. Uma lua de mel em uma pousada da região foi oferecida ao casal por um dos filhos de Nhanhá. Seu Zé Pedro vetou. “Lua de mel pra quê? Nem abelha tem mais!” Nhanhá ganhou muitos presentes, mas o melhor deles foi o da sogra: “O Zé foi meu maior presente”, diz.

Matéria publicada na Revista Época , em 9 de outubro de 2010.

Marcia Leal Jek comenta*

Amar na maturidade, ou depois dos 84 anos em diante, é um grande desafio. Os próprios idosos já não contam mais com esta possibilidade porque já se sentem “fora do mercado” dos namoros. Acham que dificilmente encontrarão alguém para amar e evitam pensar nisto. E, quando pensam, ficam tristes.

Mas, para refletirmos em torno do fato noticiado, iremos encontrar, nos mais variados segmentos da sociedade, vários tipos de preconceitos: “As piadas na escola não param de surgir. Lua de mel de Nhanhá e Zé Pedro. Qual o nome do filme? Missão impossível”. “Com tanta gente para dar palpite, o casamento correu o risco de não acontecer.”

A questão é: Por que o espanto de muitos? O que há de tão anormal nisso?

Não cabe a nenhum de nós dizermos ou julgarmos o posicionamento alheio diante da vida, se está certo ou não. Deus fez o homem para viver em sociedade. É nesta relação que os seres procuram aprender e vivenciar a solidariedade fraterna.

Segundo afirma o especialista Paulo Renato Canineu(1), são notáveis as mudanças psicológicas nos idosos que começam a namorar. “É muito saudável ter um relacionamento na terceira idade. Anima a pessoa a continuar a viver e dá uma energia especial”.

Para outra especialista em saúde na terceira idade, a terapeuta ocupacional Viviane Abreu, do centro de vivência para idosos Hiléa, o namoro entre pessoas mais velhas não pode mais ser ignorado pelos jovens. “A população mais velha só cresce no Brasil. Até 2025, eles devem representar cerca de 15% dos brasileiros.”

O preconceito é uma das maiores chagas da nossa humanidade, que teve origem no início da nossa civilização e nos persegue até os nossos dias. Devemos combatê-lo, dentro de cada um de nós, para que possamos seguir a nossa caminhada evolutiva e, consequentemente, a evolução do nosso planeta.

Como Espíritos, somos todos iguais. O que nos distingue é o nível evolutivo em que nos encontramos. As diferenças existem porque estamos em diferentes degraus na escala evolutiva. Sempre temos o que aprender com o nosso semelhante, da mesma forma que também temos o que acrescentar na nossa sociedade.

O preconceito contra o idoso está presente e, com frequência, é manifestado pela falta de sensibilidade e de solidariedade, com uma visão restrita, tanto em relação à sexualidade quanto à velhice. Classificamos esse período em que o indivíduo teria que assumir unicamente o papel de avó ou avô, cuidando de seus netos, fazendo tricô e vendo televisão.

Precisamos, junto com a sociedade, rever nossas antigas convicções. As vovós de hoje são mulheres atuantes, assim como os vovôs são cada vez mais convocados para acompanharem este movimento.

Para garantir um bom desempenho sexual, muitos idosos procuram especialistas para descobrir se podem fazer uso de medicamentos que combatem a disfunção erétil.

Charles Rosenblatt, urologista, diz: “Com a popularização desses medicamentos, houve muitas mudanças na área de sexo na terceira idade. Acredito até que os tabus estão começando a ser quebrados, pois os idosos conversam muito sobre a sexualidade entre si”.

O preconceito surge antes de se investigar e, certamente, muito antes de se analisar o ponto em questão. Sendo assim, sempre está carregada de conotações negativas.

“A velhice deve ser considerada inevitável e ditosa pelo que encerra de gratificante, após as lutas cansativas das buscas e das realizações. É o resultado de como cada qual se comportou, de como foi construída pelos pensamentos e atitudes, ou enriquecida de luzes e painéis com recordações ditosas ou infelizes. (…)

Envelhecer é uma arte e uma ciência, que devem ser tomadas a sério, exercitando-as a cada instante, pois que, todo momento que passa conduz à senectude, caso não advenha a morte, que é a cessação dos fenômenos biológicos.”(2)

Com isso, resta-nos encarar o preconceito de frente e continuar namorando assim mesmo. Não é a melhor situação ter de ignorar os filhos, os familiares, mas também não é saudável terminar um namoro porque eles não aceitam, afinal, todos têm o direito de reconstruir a vida.

Fontes:

(1) Profº Dr. Paulo Renato Canineu, professor da pós-graduação em Gerontologia da PUC-SP, diretor científico do Hiléa, diretor clínico da Aldeia de Emaús Casa de Idosos e vice-presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz);

(2) Joanna de Ângelis (Elucidações Psicológicas, pg. 354).

  • Marcia Leal Jek estuda o Espiritismo há mais de 25 anos e é trabalhadora do Centro Espírita Francisco de Assis, em Jacaraipe, Serra, ES.