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Histórias de grandes amores que terminam de forma trágica sempre atraíram o interesse de especialistas. Afinal, quem são esses capazes de transformar o mais nobre dos sentimentos em combustível de um crime? Jorge Hessen comenta.

  • Data :23 Sep, 2009
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Qualquer pessoa que ama pode matar por amor, dizem especialistas

Natália Von Korsch

Histórias de grandes amores que terminam de forma trágica sempre atraíram o interesse de especialistas e a curiosidade do público. Afinal, quem são esses homens e mulheres capazes de transformar o mais nobre dos sentimentos em combustível de um crime? Segundo estudiosos do assunto, para envolver-se em uma relação desse tipo, só é preciso ter sangue correndo nas veias. Ou “basta amar para matar”, afirmam. “Qualquer pessoa adulta tem reação passional, é sentimento normal do ser humano. Todos temos paixões, mas isso é controlado. No crime passional, a pessoa simplesmente perde o controle”, explica o especialista em medicina psiquiátrica forense Talvane de Moraes.

Algumas características em comum foram encontradas nos criminosos. As principais são um profundo egoísmo, dependência do outro e ciúme doentio, a ponto de não enxergar vida além da relação afetiva. Quando se sentem humilhados ou prestes a serem abandonados, matam quase que por instinto de sobrevivência. O crime passional, diferentemente do assassinato por conveniência, jamais é planejado com antecedência. “Ele pode ser um sociopata ou até um neurótico ansioso. Mas mata no momento, muitas vezes nem tem a intenção de matar, não é premeditado, simplesmente explode”, afirma o psiquiatra Eduardo Ferreira Santos.

Por essas características, é comum que criminosos tentem, perante a Justiça, convencer que são autores de um crime passional. Segundo a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva, autora do livro Mentes Perigosas , este parece ser o caso de Alessandra D’Avila Nunes, acusada do assassinato do marido, Renato Biasotto Junior, há duas semanas, no apartamento do casal, na Barra da Tijuca. Foragida da Justiça até a noite de sexta-feira, ela confessou por meio de um advogado ter desferido várias facadas na vítima, que seria ciumenta ao extremo.

“É esquisito falar de crime passional nesse caso, porque tudo leva a crer que, se houvesse um crime do tipo, seria da parte dele, que vendeu uma academia de sucesso para viver em função dessa mulher. O criminoso passional, em geral, não foge, como ela fez. Ele se arrepende profundamente, porque sua vida acaba junto com a do outro. Isso me parece uma coisa um pouco desprovida de um sentimento de solidariedade”, diz a psiquiatra.

Especialista na mente de psicopatas, Ana Beatriz explica a diferença entre estes e os criminosos passionais. “O passional não é uma pessoa perigosa, cometeu o crime em um momento pontual. É nosso lado animal, todos somos passíveis disso. O psicopata planeja matar e não sente culpa depois”.

Para Ferreira Santos, é difícil buscar explicações para o crime da Barra sem saber detalhes da relação e do que aconteceu na noite do crime. “Pode ser que exista muita coisa por trás. É como um avião que cai de repente, mas há um monte de coisinhas que podem ter acontecido. Até juntar todos os motivos fica muito difícil encontrar resposta”, adverte.

Autor de dois livros sobre ciúmes, ele acredita que o sentimento de posse é causador da maioria dos crimes passionais: “O ciúme é o carro-chefe desses crimes. Ele é tão normal como dor, todo mundo sente. Toda vez que você sente uma dor é porque tem algo errado, a mesma coisa com ciúme: alguma coisa está errada em você, no outro ou na relação”.

Penas mais brandas e até absolvição

A pena para quem pratica um homicídio doloso (com intenção de matar) varia de 12 a 30 anos de prisão, mas os jurados costumam olhar o crime passional mais como uma fatalidade que propriamente assassinato. Por isso, são comuns casos em que as alegações de legítima defesa física, de honra, ou crime cometido em momento de violenta emoção gerem penas mais brandas para o réu. Ou até mesmo a absolvição.

Com mais de 50 casos de crime passional no currículo, o advogado criminalista Clovis Sahione é autoridade quando o assunto é gente que mata por amor. O que, segundo ele, não constitui crime. “Matar por amor não é crime. O princípio do ser humano é o sentimento, e quando essa emoção é traída, aviltada, ele pratica então esses atos chamados criminosos. Para essas pessoas, o amor tem de ser neurótico para poder existir, é um precisar do outro de tal forma que não consegue viver sem ele. Geralmente, um é mais forte que o outro na relação. O que mata é sempre o mais fraco”, sentencia.

Entre os casos famosos defendidos por Sahione está o de Dorinha Durval, atriz que aos 51 anos matou o então marido, 16 mais novo que ela, com cinco tiros, em outubro de 1980. Dorinha foi condenada a seis anos em regime semiaberto e, segundo o advogado, só não foi absolvida porque “exagerou na dose”.

“Amor é a maior fraqueza do ser humano. Honesto, trabalhador, culto, não importa. Todos são passíveis de um único crime: de amor. O problema da Dorinha foi que ela exagerou, o júri entende que um crime passional tem de ser contido, então por que dar cinco tiros?”, explica.

Doca Street: “Para mim, a vida havia perdido sentido”

O criminoso passional não tem raça, credo, faixa etária ou classe social, mas na imensa maioria dos casos tem sexo: o masculino. Segundo a psicóloga e colunista de O DIA Regina Navarro Lins, a impulsividade do homem ao matar é cultural. “Nós vivemos em um sistema patriarcal há cinco mil anos e durante muito tempo o marido tinha o direito de matar a mulher, de bater, de puni-la, isso era muito comum. Quando a mulher pratica um crime desse é porque a relação deve estar ruim há muito tempo, desgastada, agressiva. Mas para o homem é cultural, porque ele sempre teve o ‘direito’ de matar”.

Apesar de ser senso comum que o criminoso passional age de momento, utilizando as armas que estão à mão, isso não quer dizer que ele sofra algum lapso de consciência no instante do assassinato. Ele sabe, sim, o que faz. “Ninguém mata por amor, é por ódio. O criminoso passional sabe que está cometendo um crime, não é um doente mental”.

Pivô de um dos crimes que entraram para o hall dos passionais brasileiros, Doca Street conta em seu livro, ‘Mea Culpa’, o que sentiu quando matou com três tiros a socialite Angela Diniz, em 1976. “Eu entendia o que tinha acontecido, e a dor e a angústia eram terríveis (…) Para mim a vida havia perdido o sentido”.

O Dia

Notícia publicada no Portal Terra , em 21 de junho de 2009.

Jorge Hessen comenta*

Por que homens e mulheres são capazes de transformar o Amor, o mais sublime dos sentimentos, em combustível de um crime? Será crível que uma pessoa possa matar por Amor? Será o crime passional um tipo de reação violenta ao fim do “Amor”? Qualquer pessoa que se apaixone pode ter uma reação passional, pois a paixão é um sentimento intrínseco do ser humano. Contudo, isso pode ser perfeitamente controlado. Numa violência passional, perde-se a razão e, por via de consequência, o controle de si mesmo. Indubitavelmente, a paixão nos torna agressivos e perigosos. É a erupção do lado primitivo do ser, e muitos são passíveis disso quando não vigiam os sentimentos. Uma coisa, no entanto, é certa: a sensação de posse é a causadora da maioria das tragédias passionais.

Para os espíritas, o crime passional pode ser definido como um processo de obsessão ou possessão anímica, isto é, o criminoso é subjugado por entidade desencarnada ou por sua personalidade arcaica, em razão da falência de sua personalidade atual no cipoal e delírio das sensações inferiores. Os crimes de “Amor” nada têm a ver com o Amor. A rigor, são consequências de desregramentos sensoriais, com perda do equilíbrio emocional e perturbações espirituais. As obsessões estão relacionadas à ansiedade criada em resposta a uma situação muito estressante, esmagadora e dolorosa. A frustração amorosa e o consequente sentimento de perda, de autodesvalorização, criam perturbações obsessivas e um transtorno de Amor obsessivo vinculados a um ciúme patológico. A necessidade obsessiva cria mecanismos e estratégias para seduzir o outro, originando numa atração fatal que busca a possessão de forma a incluir o outro em sua própria vida, tentando o máximo de controle, pois a falta deste irá provocar intensa dor. Podem ocorrer manifestações de ciúmes patológicos onde as conexões entre fantasias e realidades se perdem, facilitando episódios psicóticos em que a ação se torna real. A pessoa propensa a um Amor obsessivo tem dificuldades de relacionamento saudável, ligando-se a comportamentos complicados, repletos de brigas, desconfianças e ciúmes, muitas vezes com desfechos tensos e violentos. O transtorno obsessivo compulsivo é um distúrbio debilitante e destrutivo. No entanto, ele pode ser minimizado com a terapia medicamentosa e psicoterapia cognitivo-comportamental e pelos recursos espíritas da desobsessão.

O ciúme(1) voraz é o grande motivo de muitas dores morais. Em verdade, esse sentimento egoístico está presente em nossas vidas tanto quanto a dor, ou seja, quase todo ser humano sente. Toda vez que uma dor nos espicaça o ser é porque há algo errado conosco, e o mesmo acontece com o ciúme: alguma coisa está errada em nós mesmos, no outro ou na relação. A expressão “o pecado do Amor” é tão absurda quanto o ilogismo: “matar por Amor”. Enquanto não formos capazes de discernir juízos opostos e continuarmos a confundi-los, não estaremos em condições de reformular nossa concepção do legítimo sentido do Amor.

Pasmem! Há quem defenda que “matar por Amor não é crime”. Creem alguns que o princípio do ser humano é o sentimento, e quando essa emoção é traída, aviltada, ele pratica, então, esses atos chamados criminosos. E nessa confusa tese, afirma-se que o “Amor é a maior fraqueza do ser humano”, argumenta-se que tanto o honesto, o trabalhador, o culto, não importa, todos são passíveis de um único crime: de “Amor”. Não comungamos nessa cartilha, obviamente, pois que ninguém mata por Amor, mas por ódio. Estudos apontam que o criminoso passional não tem raça, credo, faixa etária ou classe social, mas na imensa maioria dos casos tem sexo: o masculino. Diz-se que a impulsividade do homem, ao matar, é cultural, uma vez que no sistema patriarcal, há cinco mil anos, e durante muito tempo, o marido tinha o direito de bater na mulher, de puni-la, de matá-la e isso era muito comum.

Uma criatura que ama não agride e nem fere o ser amado, que é para ela objeto de veneração. O ciúme não procede do Amor, mas do apego animal ao plano sensorial. O animal é que ataca e fere por ciúme, nunca o homem, pois, nele, o Amor se manifesta em ternura, adoração e consciência do valor do ser amado. As criaturas de sensibilidade humana não se deixam arrastar pelas paixões, que pertencem ao plano dos instintos.

Luiz de Camões dizia que o “Amor é um fogo que arde sem se ver”.(2) Segundo Aurélio Buarque “o Amor pode ser um sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem, ou de alguma coisa. Pode ser um sentimento terno ou ardente de uma pessoa por outra, e que engloba também atração física, ou ainda inclinação ou apego profundo a algum valor ou a alguma coisa que proporcione prazer; entusiasmo, paixão”. Podemos considerar o Amor como uma forma de energia cósmica ainda não pesquisada e conhecida pelas Ciências. Porém, e o Amor ao próximo? Bem, esse é um sentimento de dedicação absoluta de um ser a outro ser ou a uma coisa; devoção extrema. Tudo o que possamos idealizar sobre o Amor pode se consubstanciar como parcela deste sentimento, mas ele é muito maior e mais abrangente, até porque, o bem-querer, toda a bondade, a tolerância, a alegria, a proximidade, só poderão ser um fragmento do Amor quando não tiverem laços no apego, na imperiosa necessidade de permuta, no egoísmo que exige sempre condições e regras.

Preocupados com o Amor humano, psicólogos e filósofos até hoje se interessam, quase que exclusivamente, por essa forma lírica e dramática do Amor entre duas criaturas. A Psicanálise, nos primórdios da teoria freudiana, colocou o problema do Amor na dimensão do patológico. Em verdade, Freud teve de entrar no estudo e na pesquisa do Amor pelo subsolo da psicopatologia. O aspecto patológico é o mais dramático do Amor e o que mais toca o interesse humano. “O Amor é a força mais abstrata e, também, a mais poderosa que o mundo possui.” (Mahtama Gandhi).

Em face dos conceitos espíritas, aprendemos que, nos albores de sua evolução, predominam no homem as cargas instintivas. Na medida em que avança na escala da evolução, surgem as sensações. Com o passar dos milênios, irrompem os sentimentos - ponto fundamental para o desabrochar do Amor. Isto posto, analisemos os sentimentos que advêm das tendências eletivas e o das afinidades familiares. Na primeira condição, estão as expressões complexas do desejo, do sensualismo; na outra situação, sedimentam-se a fraternidade e o enlevo conjugal, numa simbiose mágica, químio-eletro-magnética, na entranha do ser.

Na questão 938-a, de O Livro dos Espíritos , aprendemos o seguinte: “A natureza deu ao homem a necessidade de amar e de ser amado. Um dos maiores gozos que lhe são concedidos na Terra é o de encontrar corações que com o seu simpatizem”.(3) O Amor deve ser o objetivo excelso no roteiro humano para a conquista da paz na sua expressão apoteótica. Porém, diversas vezes, o nosso sentimento é meramente desejar, e tão-somente com o “desejar”, desfiguramos, instintivamente, os mais promissores projetos de vida.

Nos dias de hoje, fala-se e escreve-se muito sobre sexo e pouco sobre Amor. Certamente, porque esse sentimento não se deixa decifrar, repelindo toda tentativa de definição. Por isso, a poesia, campo mítico por excelência, encontra, na metáfora, a tradução melhor da paixão, como se esta fosse o Amor. O desenvolvimento dos centros urbanos criou a “síndrome da multidão solitária”. As pessoas estão lado a lado, mas suas relações são de contiguidade.

A paixão é exclusivista, egoísta, dominadora, é predominantemente desejo. Para alguns pensadores, esse sentimento é a tentativa por capturar a consciência do outro, desenvolvendo uma forma possessiva, onde surge o ciúme e o desejo de domínio integral da pessoa “amada”. O legítimo Amor é o convite para sair de si mesmo. Se a pessoa for muito centrada em si mesma, não será capaz de ouvir o apelo do outro. Isso supõe a preocupação de que a outra pessoa cresça e se desenvolva como ela é, e não como queiramos que ela seja. O Amor representa a liberdade, e não o psicótico sentimento de posse. É a lei de atração e de todas as harmonias conhecidas, sendo força inesgotável que se renova sem cessar e enriquece, ao mesmo tempo, quem dá e quem recebe.

Referências:

(1) Cf. Aurélio – “Sentimento doloroso que as exigências de um Amor inquieto, o desejo de posse da pessoa amada, a suspeita ou a certeza de sua infidelidade fazem nascer em alguém”. Receio de perder alguma coisa; cuidado, zelo (nesta acepção. é mais usado no plural);

(2) Cf. Luís de Camões, Rimas, p. 135;

(3) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed. FEB ed. 2002, questão 983-a.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal lotado no INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.