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A história de algumas pessoas, como Kim Noble, uma artista plástica inglesa que carrega 20 personalidades diferentes em seu cérebro, mostra por que a desordem dissociativa de identidade, ou apenas DDI, confunde e fascina médicos e psicólogos há décadas. Jorge Hessen comenta.

  • Data :09 Apr, 2009
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Sozinha na multidão

A história de Kim Noble, uma artista plástica inglesa que carrega 20 personalidades diferentes em seu cérebro, mostra por que a desordem dissociativa de identidade, ou apenas DDI, confunde e fascina médicos e psicólogos há décadas

Juliana Tiraboschi, de Londres

É uma casa pequena, com a fachada igual às vizinhas. Estou em um subúrbio de Londres, em uma rua muito tranquila e quieta. Lá moram duas pessoas, a artista plástica Kim Noble, 46 anos, e sua filha Aimee, de 11 anos.

Ou melhor, lá vivem 22 pessoas, se considerarmos todas as outras que moram na cabeça de Kim. Ela sofre de desordem dissociativa de identidade (DDI). O nome anteriormente dado a essa doença pela comunidade médica diz tudo: múltiplas personalidades.

Tudo em sua minuciosamente arrumada casa, do tapete à mesa, das estantes ao sofá, é preto e branco. O visual clean só é quebrado por almofadas cor-de-rosa jogadas no sofá. Ninguém diria que lá vive alguém que poderia ser considerada louca pelos “normais”.

Em uma tarde amena de verão, Kim prepara um café e conta sua história. Seus problemas começaram quando ela tinha 14 anos e seu comportamento passou a ser estranho, agressivo e autodestrutivo. Erroneamente, ela foi diagnosticada com esquizofrenia, depressão, transtornos alimentares como bulimia e anorexia e outras desordens de personalidade.

Kim enfrentou anos difíceis, foi internada várias vezes em hospitais psiquiátricos e experimentou diversos medicamentos. “Quando fui diagnosticada com esquizofrenia, tomava antipsicóticos. Mas chegou um ponto em que eu só ficava dopada, era horrível. Éramos forçados a tomar os remédios”, diz. Seu discurso é assim mesmo, misturando a primeira pessoa do singular e do plural. “Foi muito difícil, eu me perguntava se ia ficar internada pra sempre, se ninguém ia me ajudar”, diz Kim, que chegou a sofrer mais de uma overdose das drogas prescritas para tratar seu caso.

Comportas abertas

Seu diagnóstico correto só foi feito há apenas 14 anos. Passou a fazer psicoterapia duas vezes por semana e abandonou os remédios. “Tudo começou a melhorar”, afirma. Há quatro anos, uma assistente social sugeriu a Kim que começasse a pintar. Foi como se uma comporta tivesse sido aberta em seu cérebro. Ela passou a conhecer seus álteres - termo usado pelos especialistas para definir suas várias personalidades - pelo estilo artístico de cada um. Já identificou 20 deles.

Kim diz que nunca havia percebido seu distúrbio. Não imaginava que os apagões de memória que sofre durante três ou quatro horas todos os dias são sinal de que outra persona assumia o comando de seu corpo. Como gostava de beber uma taça de vinho todos os dias, começou a achar que o álcool a estava afetando.

Com a terapia, as observações da filha e a produção das telas, passou a aprender mais sobre “os outros”. Quando, depois de um apagão, Kim vê uma pintura nova ou alterações em um quadro que já havia começado a pintar, é capaz de dizer quem esteve por lá. “Do contrário não sei”, diz.

A DDI ainda é extremamente mal compreendida pela ciência. Especialistas afirmam, porém, que o distúrbio é geralmente desencadeado por um trauma recorrente ocorrido na infância, principalmente o abuso sexual. Por haver mais casos desse tipo de violência entre mulheres, elas são a grande maioria dos portadores de DDI.

Kim não fala muito de seus tempos de criança, mas, sobre a causa de seu trauma, é enfática: “Não lembro de nada”. Sobre a família, limita-se a dizer que a mãe já morreu e que tem pouco contato com o pai. Sabe quem é o genitor da filha, mas diz que ele não assumiu a paternidade.

O entendimento sobre a sua condição ajudou Kim a aprender a lidar com as dificuldades que ela acarreta. Isso influencia todos ao redor. “Os vizinhos acham que eu sou maluca, mas são muito compreensivos”, diz. Também elogia o apoio encontrado nos professores da filha e nos amigos. Aimee lida com o problema com a naturalidade típica das crianças. Ao ser perguntada sobre Bonnie, um dos álteres com quem se dá muito bem, responde que está com saudades porque faz tempo que ela não aparece.

Às vezes algum dos álteres causa incômodos. Dentro de Kim há Judy, uma típica adolescente rebelde de 15 anos. A garota não acredita que ela tenha uma doença e pensa que Kim é outra pessoa. Sempre que aparece, reclama a Aimee que sua mãe é negligente por deixar a garota sob seus cuidados com tanta frequência.

Entre elas não há comunicação direta, mas Kim consegue transmitir mensagens por meio de bilhetes e recados enviados pela filha e pela terapeuta. Alguns álteres possuem e-mail próprio e se comunicam de maneira independente com a médica. Dentre eles, apenas Bonnie aceita que sofre de um distúrbio. “Porém nenhum reporta experienciar as outras personalidades”, diz John Morton, pesquisador do Instituto de Neurociências Cognitivas da Universidade College de Londres e um dos médicos que diagnosticaram Kim. Mas Morton já observou essa co-existência em outros pacientes. “É um mistério, mas acredito que eles estão habituados, como prisioneiros se acostumam a viver entre estranhos, a uma situação que para nós parece intolerável”, afirma.

Com exceção desses conflitos internos, Kim contorna com desenvoltura os contratempos cotidianos. Quando encontra alguém que conhece uma de suas personalidades, mas que ela não reconhece, faz piada e posa de distraída. Outro truque para evitar aborrecimentos foi aposentar suas bolsas. Já perdeu pertences enquanto estava na rua e vivenciou uma mudança de persona. “Uma delas levou meu computador para o conserto, mas eu não sei onde é a loja para ir buscá-lo. Pelo menos nunca perdi minha filha”, diz, bem-humorada.

Mãe e filha juntas

Sua postura no passado era diferente. Logo que a filha nasceu, uma assistente social venceu uma ação para retirar a guarda de Aimee, mesmo com o parecer positivo dos médicos sobre a capacidade mental de Kim. A artista plástica conseguiu convencer o juiz de que estava apta a ser mãe depois de cinco meses de processo. Desde então, a vida segue tranquila. Kim tira seu sustento de uma pensão do governo e complementa a renda com a venda de seus quadros. Não pretende tentar se curar.

Outros portadores do distúrbio aprenderam a lidar com o problema de maneira distinta. Um deles, a norte-americana Karen O’Hill, conseguiu livrar-se do distúrbio. Ela sofreu abuso sexual durante anos na infância, praticados por seu pai, seu avô e homens da vizinhança. Também sofria apagões, que se transformaram em amnésia durante outro episódio traumático: um parto realizado sem anestesia. “O abuso recorrente faz a personalidade se dividir como forma de lidar com a situação terrível”, diz Richard Baer, médico que tratou Karen e contou sua história no livro “Switching Time” (algo como Trocando o Tempo, inédito no Brasil).

Baer levou nove anos para identificar a DDI. A demora se deveu à raridade do distúrbio e ao fato de a literatura médica sobre ele ser pouco confiável. “Em muitos casos, os pacientes foram induzidos por seus terapeutas a acharem que tinham diferentes personalidades”, afirma Baer. Por isso, muitos cientistas acreditam que a DDI não existe. “Há médicos e psicólogos que acreditam que o distúrbio não é genuíno - não passaria de fingimento de alguém com uma memória muito boa”, diz John Morton. Outros, afirma, creem que a DDI é na verdade um estado semelhante ao hipnótico, no qual as pessoas se comportam da maneira como acham que deveriam se comportar.

As personalidades de Karen, contudo, pareciam saber que eram facetas. Baer teve essa prova quando recebeu uma carta, postada do endereço de Karen, com caligrafia de criança. Ela dizia: “Meu nome é Claire, tenho sete anos e eu vivo dentro de Karen. Não quero morrer. Você pode me ajudar a amarrar meus sapatos?”. Outros “eus” da paciente também enviaram cartas.

O médico diz que já desconfiava do caso de DDI, mas admite que não tinha experiência com o assunto. Também afirma que era perigoso sugerir o diagnóstico a Karen, pois ela poderia ser induzida a inventar as personalidades, caso não sofresse da doença. Mas hoje ele não tem dúvidas. “Cada álter tinha maneirismos, caligrafia, jeito de sentar e tom de voz próprios, que se mantiveram iguais por anos. Nem uma ótima atriz conseguiria fingir dessa maneira”, diz.

A solução para o tratamento de Karen partiu dela mesma. Ou melhor, de Holden, um álter masculino, mais velho e sábio. Karen via sua mente como uma casa, na qual cada quarto pertencia a uma persona. Holden escreveu as instruções: “Sob hipnose, peça a uma das personalidades para sair da casa e fundir-se ao corpo de Karen”. Por meio dessa visualização - com um intervalo de anos até trabalhar todos os álteres -, Baer conseguiu unificá-los.

Por falar em Holden, é difícil entender que uma personalidade masculina ou infantil não perceba que é parte de um corpo de uma mulher adulta. Para Baer, o paciente sente-se estranho, mas aprende a lidar com a situação. “É como um transexual, um homem que se percebe como mulher e sente que nasceu no corpo errado”. Já para Morton, o álter tem uma percepção alterada. “Uma personalidade masculina confrontada com a evidência da feminilidade provavelmente vai voltar para o estado anterior. Outra paciente que conheci parecia realmente enxergar seu cabelo como se fosse curto em vez de longo, como era na verdade”, diz.

Seja lá como a cabeça delas funcione, pessoas como Kim e Karen merecem a chance de viverem suas vidas em liberdade e longe dos estereótipos de agressividade e deficiência geralmente associado aos loucos. Afinal, se depender da harmonia e da capacidade de aceitação dos limites com as quais Kim Noble leva sua vida, ela pode ser considerada tão normal quanto você.

Matéria publicada na Revista Galileu , em novembro de 2008.

Jorge Hessen comenta*

Kim Noble, uma artista plástica inglesa, que carrega 20 personalidades diferentes em seu “cérebro”, demonstra por que a desordem dissociativa de identidade (DDI) confunde e fascina médicos e psicólogos há vários anos. Para os estudiosos, o distúrbio das múltiplas personalidades (DMP)(1) é um mecanismo de defesa por meio do qual uma pessoa cria personalidades alternativas para enfrentar situações que, originalmente, não seriam suportadas. Existem estudos de pessoas que apresentam duas, e até centenas de personalidades diferentes.(2) Kim foi internada, várias vezes, em hospitais psiquiátricos, experimentando diversos medicamentos e, em muitas ocasiões, foi diagnosticada como esquizofrênica,(3) razão pela qual era tratada com antipsicóticos. Há quatro anos, uma assistente social sugeriu a Kim que começasse a pintar. Foi como se uma comporta tivesse sido aberta em seu cérebro.

Ela passou a conhecer seus vinte álteres(4) pelo estilo artístico de cada um. Noble sofre “apagões” de memória, durante três ou quatro horas, todos os dias, e outra persona assume o comando de seu corpo. Depois de um transe (“apagão”), Kim vê uma pintura nova ou alterações em um quadro que já havia começado a pintar e é capaz de dizer quem esteve por lá. Ao ser perguntada sobre Bonnie, um dos álteres, responde que está com saudades porque faz tempo que ela não “aparece”. Porém, às vezes, algum dos álteres causa incômodos. “Dentro de Kim” há Judy, uma típica adolescente rebelde de 15 anos. Além das pinturas, Kim consegue transmitir mensagens por meio de bilhetes e recados verbais.

O transtorno dissociativo de identidade é uma condição mental onde um único indivíduo demonstra características de duas ou mais personalidades ou identidades distintas, cada uma com sua maneira de perceber e interagir com o meio. O distúrbio é um campo de pesquisa cheio de controvérsias instigantes para a compreensão do complexo funcionamento da mente humana. O fenômeno, ainda, é mal compreendido pela ciência. Especialistas afirmam que o distúrbio é, geralmente, desencadeado por um trauma recorrente ocorrido na infância, principalmente o abuso sexual. Curioso é que muitos especialistas acreditam que a DDI não existe, pois que a literatura médica sobre o tema é pouco confiável. Há médicos e psicólogos que acreditam que o distúrbio não é genuíno - não passaria de fingimento de alguém com uma memória muito boa. Outros creem que a DDI é, na verdade, um estado semelhante ao hipnótico, no qual as pessoas se comportam da maneira como acham que deveriam se comportar.

Especialistas analisam o distúrbio das múltiplas personalidades do ponto de vista biológico. Para tais profissionais, o stress traumático afeta a química do cérebro. Apesar de ser classificado como “transtorno mental”, a condição não tem relação com a esquizofrenia, ao contrário do que acredita a maioria das pessoas. A grande maioria dos estudiosos não explica a epilepsia, as desordens genéticas e os desequilíbrios neuroquímicos. Outros apelam para a ideia de possessão demoníaca [num passado, não tão remoto, tal justificativa seria perfeitamente razoável]. Nessa época, teólogos elaboravam “rituais sociais”, apresentando bases que pareciam validar a sugestão da possessão demoníaca. No contexto sócio-cognitivo, essas crenças eram tomadas por “corretas” e reforçadas pela tradição.

O tema se torna ainda mais relevante no Brasil, onde possuímos diversas religiões que enfatizam os transes: espíritas, afro-brasileiros, evangélicos pentecostais e católicos carismáticos. Além do valor cognitivo de se estudar e compreender melhor essa milenar vivência dissociativa, deve-se ressaltar as implicações clínicas. Faz-se mister a realização de um adequado diagnóstico diferencial dessas vivências consideradas mediúnicas, buscando distinguir quando se trata de uma vivência religiosa não-patológica das situações em que são manifestações de psicopatologia dissociativa ou psicótica. O Brasil, do começo do século, assistiu a inúmeras interpretações da mediunidade, também relacionadas à dissociação, porém, descontextualizando tais experiências de seus aspectos culturais. A mediunidade foi descrita, quase invariavelmente, como sinal de psicopatologia. As análises feitas na mediunidade, apenas raramente, foram realizadas por pesquisadores com formação psicológica.

Há tendência, antiga e atual, em interpretar o fenômeno da mediunidade como um estado dissociativo. No contexto da mediunidade, discutiram-se as diferenças conceituais entre “transe”, “possessão” e “transe de possessão”, sustentando que a “possessão” não envolve um “transe” ou outra alteração de consciência, mas uma doença pretensamente causada pela introjeção de espíritos malévolos na mente e no corpo de alguém. No “transe de possessão”, haveria uma alteração de consciência induzida por espíritos, durante o qual o comportamento e a fala das entidades possuidoras poderiam ser observados. Algumas vezes, as entidades seriam benevolentes (como no caso dos médiuns que “incorporam” seus “espíritos-guias”) e, em outras vezes, inoportunas (como no caso de espíritos malévolos ou entidades nocivas que falam e agem pelo corpo dos médiuns). O pesquisador Bourguignon utilizou o termo “transe” para se referir aos estados alterados de consciência induzidos que não estão relacionados às ideias culturais de possessão.(5)

Façamos algumas análises do ponto de vista psicológico do fenômeno “mediunidade” que, completas ou não, constituem importantes contribuições e às quais devemos fazer referência. A pesquisa científica dos médiuns e da mediunidade teve seu início organizado em 1882, com a fundação da Society for Psychical Research, em Londres. Dentre os membros da Society figuravam personalidades que seriam conhecidas como as fundadoras da Psicologia moderna, como Sigmund Freud, Carl Gustav Jung e William James. As pesquisas realizadas pelos membros da Society estiveram menos ligadas às análises psicológicas dos médiuns do que à tentativa de constatação dos supostos feitos mediúnicos, como a capacidade de provocar alterações físicas no ambiente (deslocamento de objetos) e a capacidade de se comunicar com os espíritos de pessoas falecidas.

Apesar de serem criticados por provocarem seus efeitos por meio de fraude, os médiuns também mereceram análises menos desabonadoras. Nesse particular, a maioria dos membros da Society concordaria, com William James: “O que quero atestar imediatamente a seguir é a presença - no meio de todos os ingredientes da farsa - de um conhecimento verdadeiramente supranormal. Entendo tal conhecimento, sendo aquele cuja origem não possa ser atribuída às fontes ordinárias de informação - ou seja, os sentidos do sujeito.(6)

Evoco aqui Theodore Flournoy, professor de Psicologia na Universidade de Genebra, que realizou as primeiras análises psicológicas dos médiuns. Flournoy se preocupou, por exemplo, em inquirir a respeito da influência de condições fisiológicas e mentais sobre a mediunidade e, inversamente, a influência da mediunidade na saúde orgânica e mental dos médiuns; sob que circunstâncias (se espontaneamente, se durante uma sessão espírita…) os médiuns descobriram sua mediunidade; a importância da mediunidade para a vida mental, religiosa e moral dos médiuns; e as origens familiares da mediunidade.(7)

Apesar de tamanho impacto exercido sobre a humanidade, ela tem sido praticamente ignorada pelos pesquisadores da área de saúde mental. Porém, encontramos Pierre Janet, que teve formação em psicologia e psiquiatria, apesar de pouco conhecido atualmente, mas amplamente reconhecido como o fundador das modernas visões sobre dissociação. O estudo da mediunidade e do espiritismo ocupa relevante espaço em sua pesquisa destinada ao estudo das “desagregações psicológicas”, pois buscou perscrutá-las a partir de sujeitos que as apresentavam em seu mais alto grau (médiuns). Apesar de considerar o espiritismo “uma das mais curiosas superstições de nossa época”, afirmou ser este o precursor da psicologia experimental, assim como a astronomia e a química começaram através da astrologia e da alquimia.

Dos estudiosos, citamos, também, William James que, ao lado de Freud, Piaget, Pavlov e Skinner, foi considerado um dos cinco psicólogos mais importantes de todos os tempos. A investigação da mediunidade recebeu especial destaque de James, tendo realizado, por mais de duas décadas, pesquisas com uma das mais renomadas médiuns do século XIX, Leonore Piper. Considerava a possessão mediúnica uma forma natural e especial de personalidade alternativa em pessoas, muitas vezes, sem qualquer outro sinal óbvio de problemas mentais.

Chamamos para dentro do debate Carl Gustav Jung, pois o seu interesse pela mediunidade já se manifestou em sua dissertação, publicada em 1902, para a obtenção do título de médico: “Sobre a Psicologia e a Patologia dos Fenômenos Chamados Ocultos”. Afirmava “com absoluta clareza que em todo movimento espírita havia uma compulsão inconsciente para fazer com que o inconsciente chegasse à consciência”. Aponta duas razões pelas quais “os conteúdos inconscientes se manifestem na forma de personificações (espíritos)”: porque esta sempre foi a forma tradicional de compensação inconsciente e porque é difícil provar, com certeza, que não se trate realmente de espíritos. Por outro lado, também diz ser muito difícil, senão impossível, a prova de que se trate realmente de espíritos.

A rigor, para James e Jung: a mediunidade não é necessariamente patológica; teria origem no inconsciente do médium, mas não foi excluída a possibilidade de uma origem paranormal, inclusive a real comunicação de um espírito desencarnado e ambos reforçam a necessidade de maiores estudos. Porém nestes apontamentos o que é digno de nota é o fato de a mediunidade ter sido objeto de intensas pesquisas que não levaram a uma teoria única e, mesmo assim, os estudos terem sido interrompidos. Num sentido “kuhniano”, não havia, ainda, chegado a um paradigma maduro e aceito, consensualmente, pelo meio científico. Outro aspecto relevante são as declarações dos pesquisadores discutidos, enfatizando a importância que a investigação e o melhor entendimento das vivências, tidas como mediúnicas, têm para a exploração da mente humana.

A mediunidade não é a causa primária dos desequilíbrios orgânicos e psicológicos. Ela desempenha papel essencial no estabelecimento da base experimental da ciência espírita e nas atividades dos centros espíritas. Qualquer pessoa apta a receber ou a transmitir comunicações dos Espíritos é, por isso mesmo, médium, quaisquer que sejam o modo empregado e o grau de desenvolvimento da faculdade, desde a simples influência oculta até a produção dos mais insólitos fenômenos. Têm-se visto pessoas, inteiramente incrédulas, ficarem espantadas de escrever [mediunicamente] a seu mau grado, enquanto que crentes sinceros não o conseguem, o que prova que essa faculdade se prende a uma disposição orgânica. A mediunidade é a faculdade especial que certas pessoas possuem para servir de intermediárias entre os Espíritos e os homens. Ela tem origem orgânica, e independe da condição moral do médium, de suas crenças e/ou de seu desenvolvimento intelectual. Quando existe o princípio, o gérmen de uma faculdade, esta se manifesta sempre por sinais inequívocos.

Referências:

  1. Os norte-americanos atualmente denominam o transtorno de personalidade múltipla de “Dissociative Identity Disorder” (desordem dissociativa de identidade-DDI);

  2. Spanos, N.J.: Multiple identityenactments and multiple personalitydisorder: a sociocognitive perspective. Psychological Bulletin, 116(1), 143-165,1994;

  3. O termo “esquizofrenia” vem das raízes das palavras “mente dividida”, mas refere-se mais à uma fratura no funcionamento normal do cérebro do que da personalidade;

  4. termo usado pelos especialistas para definir várias personalidades;

  5. BOURGUIGNON, E. (1989). Multiple personality, possession trance, and psychic unity of mankind. Ethos, 17, 371-384;

  6. ZANGARI, W. Estudos Psicológicos da Mediunidade: Uma breve revisão. In: 3º Seminário de Psicologia e Senso Religioso, 1999, São Paulo. Caderno do 3º Seminário de Psicologia e Senso Religioso. São Paulo: 3º Seminário de Psicologia e Senso Religioso, 1999. v. 1. p. 94-102;

  7. Flournoy, Theodore. Spiritism and Psychology. New York: Harper & Brother Publishers, 1911, pg 33.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal lotado no INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.