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De vez em quando, uma ideia contagia o mundo. Na área da psicologia e da psiquiatria, o mais recente conceito a virar moda é o da resiliência. Nos últimos 5 anos, ele passou a fazer parte do vocabulário de universidades, hospitais e empresas. Breno Henrique de Sousa comenta.

  • Data :01/04/2009
  • Categoria :

A nova arma contra o stress

Psicólogos ensinam uma moderna maneira de superar os traumas e desgastes do dia-a-dia - e ainda aprender com eles

Por MÔNICA TARANTINO

De vez em quando, uma ideia contagia o mundo. Na área da psicologia e da psiquiatria, o mais recente conceito a virar moda é o da resiliência. Nos últimos cinco anos, ele passou a fazer parte do vocabulário de universidades, serviços de apoio governamentais, hospitais e empresas. O fenômeno é especialmente intenso nos Estados Unidos e no Canadá, mas está ocorrendo também em países como a França, a Alemanha e a Noruega, onde já existem centros de estudo e instituições dedicadas ao tema. Mas o que o termo pode acrescentar às nossas vidas? Muito. E o que ele significa? É a mais nova arma usada para ajudar os indivíduos a suportar melhor as pressões da vida moderna. Sejam elas de grandes dimensões, como as perdas de emprego, sejam as pequenas, aquelas provocadas por aborrecimentos no trânsito, no cinema, em casa com a empregada doméstica ou com um vizinho.

Na verdade, resiliência é um conceito oriundo da física, que define a capacidade de um objeto retomar a sua forma original depois de sofrer um impacto. Como a bola de futebol depois do chute. O que os especialistas estão fazendo é se apropriar da ideia para se referir à capacidade que uma pessoa tem de reestruturar sua vida após um impacto adverso de qualquer natureza, como explicou à ISTOÉ a cientista Anne Borge, do Instituto de Psicologia da Universidade de Oslo, na Noruega, uma das mais respeitadas autoridades nesse campo. “Resiliência significa o bom desenvolvimento em contextos significativamente desfavoráveis. É o reconhecimento de que existe uma grande variação nas respostas das pessoas a esses tipos de situações. Alguns sucumbem ao menor stress, enquanto outros lidam com sucesso com as mais terríveis experiências”, disse.

No Brasil, o conceito começa a ganhar espaço. Na última semana, o Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP) anunciou a criação de grupos de resiliência com duração de três meses para pessoas que anseiam por uma maneira de enfrentar com menos sofrimento as agruras do dia-a-dia. Desde então, os telefones do Instituto de Psiquiatria não pararam mais de tocar. A média é de 50 ligações por dia de interessados. À frente do projeto está o psiquiatra Elko Perissinotti, que desde janeiro ministra treinamentos semanais de resiliência a pacientes de síndrome do pânico, transtorno bipolar, fobia social e transtornos obsessivos-compulsivos, entre outros distúrbios. “Essas pessoas se sentem muito fragilizadas. Muitas vezes, nem sequer conseguem dizer não por medo da rejeição. Dou a elas recursos para manejar melhor o cotidiano”, situa o psiquiatra. Com a ajuda de técnicas de psicodrama, durante esses encontros os participantes recriam as cenas problemáticas para que a plateia as discuta e proponha outros desfechos. A receptividade à ideia de estender esse treinamento a indivíduos sem nenhum transtorno surpreendeu o psiquiatra. “Não esperava tanta gente”, diz.

A perspectiva de sair com menos arranhões e até com saldo positivo dos impasses comuns na vida doméstica e profissional é sedutora. As empresas sabem disso e têm investido nos cursos para aumentar o grau de resiliência dos funcionários, que, segundo uma pesquisa feita pela International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), é baixo. No levantamento realizado pela entidade em três Estados brasileiros com 1.635 pessoas, apenas 227 delas reuniam as características que definem um ser resiliente. “Estamos falando da capacidade de a pessoa suportar o stress e superá-lo. Ela cresce emocionalmente interpretando os problemas como desafios, resolvendo conflitos com criatividade e sendo flexível para se adaptar às situações”, diz a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da entidade. Nos cursos que organiza nas empresas, ela mostra como essa competência pode ser desenvolvida. “Os estudos revelam que ter boa auto-estima, objetivos claros em diversas áreas da vida, espiritualidade e fé e boas redes de apoio, como laços afetivos e familiares sólidos e verdadeiros torna as pessoas mais resilientes”, explica. Mas não se deve confundir resiliência com conformismo.

Na prática, o esforço para fazer florescer a resiliência se confunde um pouco com as técnicas de controle do stress e outras aplicadas para lidar com situações complexas (chamadas de coping). “O controle do stress remete a métodos para lidar com a sobrecarga - entre eles fazer esporte ou meditação. Já o coping refere-se às estratégias de enfrentamento que uma pessoa usa para suportar uma situação adversa. Diante da doença, pode rezar ou ir ao médico. A resiliência está relacionada a esses aspectos, mas considera fatores internos e externos”, explica o médico e psicoterapeuta João Figueiró, de São Paulo, pesquisador do HC/SP que estuda o tema.

O sentido da resiliência, para alguns especialistas, é ainda mais profundo e está conectado com os primeiros estudos sobre o assunto. No final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os psicólogos começaram a estudar as características de pessoas que não tinham sucumbido aos terríveis sofrimentos dos campos de concentração nazistas. Por que elas resistiram e outras não? O mesmo se via em crianças que conseguiam manter o desenvolvimento normal, apesar da perda dos pais ou de terem sofrido traumas, como o assédio sexual. A princípio, pensava-se que possuíam algum tipo de invulnerabilidade, mas com o tempo as descobertas mostraram outras razões. “Hoje sabemos que há fatores de proteção que podem ser estimulados desde a infância. Um deles é a sensação de ser amado” , diz a psicóloga Sandra Cabral Baron, da Universidade Federal Fluminense e coordenadora da rede Resiliência, projeto que combina várias formas de expressão artística, como dança, pintura e música, para fortalecer a criançada em situação de risco nas favelas cariocas. Na opinião da norueguesa Anne, de fato essas redes de apoio social, como organizações de bairro, entidades de jovens e até rodas de samba, têm um papel central na construção dessa capacidade.

A psicóloga Sandra segue a linha de ação do neuropsiquiatra francês Boris Cyrulnik, que tem viajado pelo mundo aplicando suas ideias sobre resiliência em países vitimados por catástrofes, como a Tailândia, atingida pelo tsunami, e a Bósnia, depois da guerra. Autor de cinco livros, dois deles traduzidos para dez idiomas, Cyrulnik é o protagonista de uma grande polêmica no campo da psicologia. Ele contesta a ideia de que pessoas que passaram por grandes traumas ou carências terão seu desenvolvimento limitado para sempre. “A nossa história não é nosso destino”, afirma. Cyrulnik defende que é possível sobreviver criativamente aos traumas e redescobrir a alegria de viver, desde que a pessoa tenha experimentado na infância uma boa relação afetiva.

Por sua força, as teorias da resiliência são um campo novo e vasto que tem se mostrado extremamente importante em face das turbulências do mundo contemporâneo. Elas têm sido cada vez mais aplicadas no atendimento a populações vulneráveis e castigadas por guerras e desastres naturais. Nas intervenções feitas nesses locais, os pesquisadores têm compreendido melhor os mecanismos que fazem uma pessoa e até uma cidade inteira responder de maneira positiva e criativa a uma catástrofe. Algumas dessas constatações foram tema de debate em abril deste ano, durante uma conferência que reuniu em Estocolmo, na Suécia, intelectuais de vários campos do conhecimento, como ecologistas, especialistas em ética, psicologia e sociologia. “Temos olhado apenas para as adversidades. Mas a existência de sociedades que se desenvolvem melhor do que outras, mesmo com problemas semelhantes, mostra que o ser humano tem recursos de autocorreção. E que eles nos dão a esperança de achar caminhos para melhorar os métodos de prevenção e proteção da saúde e bem-estar humanos”, afirma.

Matéria publicada na Revista ISTOÉ , em 13 de junho de 2008.

Breno Henrique de Sousa comenta*

Sempre estamos vendo velhos conceitos revividos com novas palavras, ou apresentados de maneira nova. O importante é sabermos tirar proveito positivo destes conhecimentos, não importa a forma na qual eles se apresentam e sim a validade do seu conteúdo.

O conceito de resiliência apresentado, diz-nos a própria matéria que não é novo e está relacionado com um termo usado na física clássica. O termo também é usado na ecologia e agora tem significado semelhante na psicologia.

Interessante é que foi dito que ter uma fé ou forma de espiritualidade é um dos fatores importantes para sermos resilientes e, de fato, a Doutrina Espírita nos ensina a sermos resilientes. Lembro-me, particularmente, dois importantes textos em O Evangelho Segundo o Espiritismo , um sobre a paciência (Cap. IX, Item 7) e outro sobre o “bem e mal sofrer” (Cap. V Item 18).

Não faz muito tempo que eu passei por uma situação estressante que envolvia minhas atividades profissionais. A vida sempre nos convoca a pormos a prova nossos limites. Naquela ocasião, me foi muito inspiradora a biografia do nosso querido Chico Xavier, na obra “Lindos Casos de Chico Xavier”. Esta obra narra uma série de fatos na vida deste grande médium, demonstrando sua capacidade de manter-se firme mesmo diante das mais rudes provações. Acredito que um bom exemplo valha mais que mil palavras e, nesse aspecto, aqueles que conhecem a biografia do Chico hão de reconhecer esta característica marcante.

Por fim, o amor cobre uma multidão de pecados. É capaz de cicatrizar feridas e restabelecer o equilíbrio. É isso que, em outras palavras, diz o neuropsiquiatra francês Boris Cyrulnik, citado na reportagem. Podemos sofrer as mais atrozes dores, mas amar e ser amado é o remédio para todas as mazelas e a vacina que nos torna resistentes a qualquer enfermidade da alma. A reportagem oferece dicas de como ser resiliente nas diversas ocasiões do cotidiano, mas quem pode ensinar-nos a lição mais difícil que é amar? Acreditamos que Jesus seja o grande mestre desta força maior que dá significado a vida.

  • Breno Henrique de Sousa é paraibano de João Pessoa, graduado em Ciências Agrárias e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da Paraíba. Ambientalista e militante do movimento espírita paraibano há mais de 10 anos, sendo articulista e expositor.