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  • 'Minha filha foi assassinada e ainda passei 17 dias negociando o resgate'

O assassino matou a assessora de imprensa Luciana Barreto Montanhana, que tinha 29 anos, logo depois de sequestrá-la. Ainda assim, ele ligou para família e pediu R$ 500 mil de resgate. Sergio Rodrigues comenta.

  • Data :20 Nov, 2018
  • Categoria :

UOL

Amanda Serra

Da Universa

Há oito anos, a aposentada Lúcia de Fátima Barreto, 62 anos, toma calmantes, faz terapia e frequenta o “Grupo fraterno, nossos filhos, nossos irmãos”, destinado para pais que perderam seus filhos – vítimas de assassinatos, feminicídio, atropelamento, problemas de saúde – as causas das mortes são diversas.

“Essa conversa de que com o tempo passa, ameniza, é uma mentira. Tem dia que estamos bem e no outro caímos. Inclusive, aprendemos (no grupo) a perdoar as pessoas que dizem isso. A gente segue em frente porque sabemos que nossos filhos não gostariam de nos ver assim”, afirma Lucia à Universa.

Mãe de duas filhas, a caçula da aposentada foi sequestrada dentro do estacionamento de um shopping popular de São Paulo em novembro de 2010, após sair da academia. O assassino matou a assessora de imprensa Luciana Barreto Montanhana, que tinha 29 anos, logo depois de sequestrá-la. Ainda assim, ele ligou para família e pediu R$ 500 mil de resgate. A partir daí foram 17 dias de negociações pela jovem, que na verdade já estava morta, mas ninguém sabia.

“A gente não tinha esse dinheiro, mas íamos dar um jeito porque tínhamos esperança que minha filha estivesse viva. A polícia monitorou todas as ligações, ficou em frente à minha casa todos os dias, os piores”, relembra Lúcia, aos prantos – assim seguiu durante todo o depoimento.

Na época, a polícia conseguiu prender o assassino, um ex-segurança e ex-cabo do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar, que escolheu aleatoriamente sua vítima por conta do carro que ela tinha, e ele confessou que tinha matado e jogado o corpo de Luciana na Rodovia Anchieta. Desde então, a família de Lúcia optou por sobreviver e assim mãe, pai, irmã, sobrinhos e o ex-noivo têm feito, como ela conta:

“Depois que a morte foi confirmada e encontramos o corpo, minha vida parou de fazer sentido. Sentia vontade de morrer e achava que nunca mais seria feliz. Depois de quatro meses da morte, soube por uma colega da minha filha mais velha sobre um grupo de mães que perderam seus filhos em um acidente de carro. Lá me senti acolhida. Além dos encontros que acontecem duas vezes por semana, nos falamos por telefone, as pessoas perguntam se você precisa de uma visita.

Abrimos nossas histórias, choramos, nos apoiamos, fazemos eventos juntos, produzimos roupas para mães carentes… Entendemos que precisamos ser o melhor que podemos.

Também busquei ajuda psiquiátrica, faço terapia e me apeguei no espiritismo para encontrar as respostas que ninguém me dava. Entendi que vou encontrá-la, mas antes preciso estar bem. Cresci muito espiritualmente, mas às vezes paro e falo com a Lu [a filha morta]: ‘Tive que passar por isso, pagar esse preço para crescer espiritualmente?’ A sensação é de impotência.

Todo dia um recomeço

Durante esse período, entendi que o luto tem fases. E é importante passar por elas e escolher o que você quer fazer - seguir ou ficar em uma cama? Optei por ver meus netos crescerem, ser uma avó boa, uma mãe melhor ainda para minha outra filha e viver bem com meu marido. Hoje, se minha filha pede: ‘você pode pegar o fulano na escola?’ Digo: ‘sim.’ Faço tudo que posso por eles, vivo realmente como se fosse o último dia. Muitas situações que antes me afetavam ficaram para trás. Você aprende a viver novamente, mas no início acha que não tem direito mais de sentir prazer por nada. Seja por um momento ou um prato de comida.

Mas, claro, têm lugares que não consigo passar, pessoas que não posso ver, não porque me fizeram mal, mas porque me fazem lembrar dela e isso me faz muito mal. Às vezes nos afastamos (pais que perderam seus filhos), mas não é por maldade. Meu ex-genro casou novamente, tiveram um filho e ele vivia pedindo para visitá-los, mas não conseguia. Por que minha filha morou naquela casa… Tem dia que você está bem e cai uma lágrima. Mas é importante seguir em frente.”

Notícia publicada no BOL Notícias , em 20 de setembro de 2018.

Sergio Rodrigues* comenta

Esta é, sem sombra de dúvida, a situação mais dramática que pode alcançar alguém. A partida de um filho é o sofrimento em grau superlativo, que não há como comparar com qualquer de outra natureza.

Nesse momento de transição por que o planeta está passando, foi predito que as transformações necessárias para que esse ciclo se complete viriam precedidas de grandes convulsões. Não mais de natureza material, como as grandes revoluções que provocaram cataclismos no período de formação do planeta. Mas convulsões de natureza moral. Como disse Allan Kardec, ao abordar o assunto, “não são mais as entranhas do planeta que se agitam: são as da Humanidade, como uma casa em reforma”.

Para que essa transformação se opere será necessário o surgimento de uma nova geração de espíritos que venham a constituir a humanidade terrena, encarnada e desencarnada, renovando-a. Aos que não se adequarem à nova condição em que o planeta está ingressando não restará alternativa que não seja a emigração para outros mundos compatíveis com seu grau de endurecimento. E essa seleção de espíritos já começou. No entanto, a misericórdia divina dá sempre oportunidade àqueles mais resistentes em se modificarem. Por isso, muitos espíritos perseverantes na prática do mal estão encarnando numa última chance de se mostrarem aptos a permanecerem na Terra regenerada. Alguns se mostram renovados em suas propostas de vida, redirecionando-a para o bem. Outros, como o autor desse crime bárbaro, ainda não se conscientizaram da necessidade da renovação e, em consequência, muito provavelmente, não permanecerão aqui.

Portanto, a origem do problema é de natureza puramente espiritual. De nada adianta politizar a questão, muito menos partidarizá-la, como comumente se faz. É claro que o poder público tem que cumprir o seu dever, legislando, reprimindo e punindo. Mas o problema somente estará definitivamente afastado quando esse processo transformador se completar. Até lá, teremos que conviver com semelhantes acontecimentos, fazendo a nossa parte para levar algum alívio àqueles que se veem neles envolvidos, como está fazendo o grupo de mães que acolheu a genitora da vítima do caso comentado. O esquecimento do afastamento do ente querido não é possível e nem desejado. É importante preservar a memória dos bons momentos vividos juntos. Porém, é perfeitamente possível encarar o fato de maneira menos penosa e sofrida, compreendendo a realidade da vida.

O Espiritismo pode dar - e já o vem fazendo - uma grande e decisiva contribuição nesse sentido, como a própria mãe da vítima testemunha, revelando a nossa natureza espiritual, para onde vamos após a morte do corpo e por que estamos na Terra. Mostra ao homem que a nossa existência não está limitada a um período transitório vivido na matéria, e sim, ao contrário, continua após a morte do corpo. Mostra, ainda, que nada do que conquistamos em valores morais será perdido e que voltaremos com eles a viver na Terra.

Os Espíritos apontam também uma importante consolação, que é a perpetuação dos valores afetivos e a possibilidade de nos comunicarmos com nossos entes queridos, enquanto aguardamos o reencontro, que é certo.

  • Sergio Rodrigues é espírita e colaborador do Espiritismo.Net.