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  • Malásia discute casamento infantil após união de menina de 11 anos com pai da coleguinha

O casamento de Ayu com Che Abdul Karim Che Abdul Hamid reacendeu o debate na Malásia sobre a persistência de tradições islâmicas conservadoras nessa democracia multiétnica e moderna. Jorge Hessen comenta.

  • Data :03 Sep, 2018
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New York Times

Hannah Beech

Em Gua Musang (Malásia)

Norazila e Ayu eram melhores amigas e faziam juntas tudo que garotas costumam fazer: dormiam uma na casa da outra, tiravam selfies e pensavam em meninos bonitos.

Mas a amizade delas, que floresceu em seu pacato vilarejo no norte da Malásia, foi destruída no final do mês passado quando Norazila, 14, descobriu que Ayu, 11, havia se tornado secretamente a terceira mulher de seu pai.

Norazila Che Abdul Karim lamentou a sorte, enquanto olhava sua timeline no Facebook, repleta de posts de meninas posando com biquinhos de adolescente e fazendo o sinal da paz. “Não faz sentido nenhum”.

O casamento de Ayu com Che Abdul Karim Che Abdul Hamid, um comerciante de látex de 41 anos ativo em sua mesquita e dono de uma frota de carros de luxo, reacendeu o debate na Malásia sobre a persistência de tradições islâmicas conservadoras nessa democracia multiétnica e moderna.

Em seu manifesto eleitoral, a coalizão da oposição que assumiu o poder em maio prometeu proibir o casamento infantil.

“Essa é uma prática de muitos séculos atrás, e a esta altura do crescimento e desenvolvimento da Malásia, o casamento infantil não é aceitável”, disse Charles Santiago, um parlamentar que faz parte da coalizão governista.

Mas desde que o caso de Ayu provocou indignação nas mídias sociais da Malásia, depois que a segunda mulher de Che Abdul Karim postou fotos da cerimônia de casamento no Facebook com uma mensagem sarcástica de “feliz casamento” para ele, críticos dizem que o novo governo, alegando liberdade religiosa, tem feito muito pouco para proteger os menores de idade.

A vice-primeira-ministra da Malásia, que também detém a pasta das Mulheres, Famílias e Desenvolvimento Comunitário, disse que o casamento era um “suposto incidente”. A ministra, Wan Azizah Wan Ismail, afirmou na semana passada: “Seria injusto linchar alguém nas mídias sociais devido à forma como nós nos sentimos a respeito da questão”.

Wan Azizah, que já havia expressado anteriormente oposição ao casamento infantil, se negou a comentar o caso de Ayu porque haveria investigações de agências governamentais em andamento, inclusive pelo crime de aliciamento.

No ano passado, a Malásia criminalizou o aliciamento, no qual um adulto cria um vínculo emocional com uma criança com fins de exploração sexual.

“A garota é uma vítima, não há dúvidas”, disse Latheefa Koya, uma famosa advogada de direitos humanos. “Por que estamos postergando para proteger uma criança? A falta de uma urgência real a respeito desse caso é preocupante”, acrescentou.

“Como muçulmana, sinto-me ofendida pela ideia de que não deveríamos proteger uma criança pela presunção de que isso tem algo a ver com o islamismo”, disse Latheefa.

Ayu foi levada para um hospital para fazer um teste de virgindade neste mês, mas no mesmo dia se reencontrou com seu marido e tem estado com ele frequentemente desde então, disseram familiares.

“Eu a amo”, disse por telefone Che Abdul Karim, enfatizando que ele não “encostaria” em sua nova mulher até que ela completasse 16 anos de idade.

Já Ayu disse em uma mensagem de texto que ela amava seu marido, que tem seis filhos com suas duas outras mulheres. Ela usou um emoticon de coração para descrevê-lo.

Do ponto de vista constitucional, o sistema legal da Malásia é bifurcado. Malaios não-muçulmanos, em sua maior parte originários das minorias étnicas chinesas e indianas, seguem o direito romano. Pela lei, a menos que seja dado um consentimento especial por algum ministro de alto escalão, os não-muçulmanos da Malásia não podem se casar antes dos 18 anos.

Mas a maioria muçulmana de etnia malaia do país deve obedecer à lei islâmica. Um tribunal da sharia deve conceder permissão para menores de idade com menos de 16 anos para se casarem. Se um muçulmano receber aprovação de autoridades da sharia, não existe idade mínima para o casamento.

“Pelo procedimento islâmico, contanto que a noiva e seus pais concorde e a garota já tenha tido sua menstruação, então pode haver casamento”, disse Sayed Noordin, o imame da mesquita de Kuala Betis que Che Abdul Karim frequenta.

“Che Karim é um bom muçulmano”, acrescentou Sayed. “Ele sempre vem rezar e é um homem responsável”.

Mas Che Abdul Karim teve alguns problemas por não seguir todos os requerimentos para um casamento infantil. O tribunal da sharia de Kelantan este mês o multou em US$ 450 (R$ 1.675) pela infração de ter se casado com Ayu na vizinha Tailândia sem permissão do tribunal.

Ativistas malaios dos direitos da criança dizem que cerca de 15 mil meninas com menos de 15 anos de idade estão em casamentos infantis desde 2010. Em nível mundial, o Unicef calcula que existam cerca de 650 milhões de meninas e mulheres de religiões diversas que se casaram antes dos 18 anos.

Mas uma tentativa de proibir uniões com menores de idade para todos os malaios em meio ao endurecimento da legislação sobre crimes sexuais contra crianças fracassou no Parlamento. Argumentando contra a proibição, Shabudin Yahaia, parlamentar que pertence a um partido que na época ocupava o governo, disse que uma garota de 9 anos poderia estar pronta para o casamento se tivesse entrado na puberdade.

“O corpo delas já é parecido com o de alguém de 18 anos”, disse Shabudin, um ex-juiz de tribunal da sharia, em uma sessão parlamentar. “Então, do ponto de vista físico e espiritual, não é uma barreira para a garota se casar”.

Muitos casamentos infantis na Malásia são arranjos informais que não são reconhecidos legalmente por nenhum tribunal. Mas casais que tentem registrar seus casamentos não encontram grande resistência. Um estudo feito pelo escritório do Unicef na Malásia revelou que dos 2.143 pedidos de casamentos infantis feitos a tribunais da sharia em sete Estados malaios entre 2012 e 2016, 10 foram negados.

Em alguns casos, as meninas acabaram se casando com homens acusados de estuprá-las. Em 2015, um homem do Estado de Sarawak, leste da Malásia, foi acusado de estupro de vulnerável contra uma menina de 14 anos de idade. Mas o caso foi encerrado depois que ele se casou com ela, com permissão de um tribunal da sharia. Estupro conjugal não é crime na Malásia.

Às vezes tribunais da sharia aceitam uniões com menores de idade para legitimar uma gravidez fora do casamento, segundo o relatório do Unicef. Outros casamentos infantis são motivados pela pobreza da família da noiva.

No caso de Ayu, que é uma versão abreviada de seu nome completo para proteger sua identidade, a discrepância de renda era clara. Ayu é uma cidadã tailandesa cujo pai mudou a família para o outro lado da fronteira, em Gua Musang, no Estado de Kelantan, para trabalhar como seringueiro. Ela cresceu em uma puída casa de palafita de madeira sem água corrente.

Já Che Abdul Karim vive em uma mansão moderna, com seu adorado Mazda RX-8 estacionado na porta. Sua primeira mulher, Nuraini Che Nawi, administra um restaurante e uma mercearia ao lado.

Uma de suas funcionárias era a mãe de Ayu, Aminah Hitam. Como a menina não frequentou a escola, ela costumava acompanhar sua mãe no trabalho.

Kelantan é um dos Estados mais pobres e conservadores da Malásia. Um partido político islâmico governa o Estado há décadas, impelindo mulheres muçulmanas a usarem véu em público e ordenando que as sinalizações contenham árabe.

Mohamad Amar Nik Abdullah, vice-chefe de governo de Kelantan e vice-presidente do Partido Islâmico Malaio, ressaltou que o casamento infantil era legal no islamismo e disse que o país tinha questões sociais mais urgentes para tratar.

Ele disse que a existência de homossexuais e pais solteiros na Malásia “deveria ser uma preocupação para nosso governo e nossa sociedade”.

Malaios progressistas têm questionado se o casamento infantil é realmente uma tradição islâmica ou simplesmente uma prática cultural ultrapassada. Eles questionaram a ideia de que o profeta Maomé teria se casado com uma de suas mulheres quando ela tinha 6 anos de idade, dizendo que ela era, na verdade, bem mais velha.

“Não podemos usar um erro histórico sobre o profeta Maomé para tolerar o casamento infantil”, disse Latheefa, a advogada de direitos humanos. “Isso é repugnante”.

Países de maioria muçulmana como o Marrocos e o Egito proibiram o casamento infantil, embora uniões com menores de idade continuem sendo comuns nesses lugares.

Este mês, o ministro dos Assuntos Islâmicos da Malásia, Mujahid Yusof Rawa, disse que seu ministério havia dado início a tentativas de proibir o casamento infantil para muçulmanos, embora ele tenha alertado que colocar essa proibição em vigor seria demorado.

Enquanto isso, as duas primeiras mulheres de Che Abdul Karim se uniram.

“Nós dissemos para ele: ou nós ou a menina”, disse Siti Noor Azula, segunda mulher de Che Abdul Karim. “Dissemos para ele escolher. Ele não poderia ter nós três”.

A Malásia segue o costume geral islâmico ao permitir que os homens muçulmanos tenham até quatro mulheres.

Sitir Noor disse que seu marido nunca lhe deu dinheiro suficiente para cuidar de seus quatro filhos, inclusive um que tem espinha bífida. Ela trabalha como padeira para pagar suas contas.

“Ele é muito sovina conosco, mas tem dinheiro suficiente para se casar com Ayu e levá-la para passear”, disse Siti Noor, referindo-se a uma viagem a uma casa nas montanhas sobre a qual Che Abdul Karim postou nas redes sociais. Ayu, segundo ela, era a única das mulheres que tinha permissão para andar no Mazda de seu marido.

“O pai nunca toma conta deles”, ela disse. “Ele nem gosta de criança”.

Siti Noor se corrigiu. “Exceto por uma”, ela disse. “Aquela Ayu”.

Notícia publicada no Bol Notícias , em 3 de agosto de 2018.

Jorge Hessen* comenta

O “casamento” de crianças (sobretudo meninas) é corriqueiro em diversas sociedades cujas culturas jazem decididamente nos encostos religiosos. Entretanto, o problema de “casamentos” precoces também está muito presente no Brasil. Segundo o Instituto Promundo, entre 2013 e 2015, Maranhão e Pará têm a maior prevalência de “uniões” prematuras.

Frequentemente tais meninas não aderem a essa determinação (“casamento” coagido) porque não compreendem em que situação a estão conduzindo, em face disso, a responsabilidade dos pais é naturalmente maior porquanto na maioria das vezes as induzem ao precoce, portanto, constrangido matrimônio “informal”.

Muitos podem interrogar, averiguando as razões de uma menina, ainda nos arrebóis de sua infância, passar por insonhável barbaridade. Como identificar a coerência em renascer por escolha (iniciativa própria) e experimentar uma provação como essa? Qual o grau de imperfeição do Espírito para padecer tal desafio?

Recobremos a pesquisa do Instituto Promundo que comprova que as meninas se “casam” e têm o primeiro filho, em média, aos 15 anos. A pesquisa atribui o “casamento” infantil a três causas principais. A primeira é vulnerabilidade das comunidades, caracterizada por baixos níveis de escolaridade e infraestrutura, e fraca presença do Estado. Em segundo lugar, as adolescentes querem sair da casa dos pais porque desejam começar a namorar e, por isso, veem no “casamento” uma forma de fuga das proibições dos pais. A terceira causa é a fragilidade das estruturas familiares, que leva as meninas a buscar estabilidade e segurança fora de casa.

A infância e a juventude estão assombradas, sem alicerces morais claros, iludidas, com influências muito sensualistas. Nas crônicas diárias, jamais uma criança e/ou jovem tiveram contato tão aberto com mensagens erotizantes como nos dias atuais, em grande parte graças ao acesso livre à Internet. O resultado está nos renascimentos desastrosos, que abrem expectativas nunca antes observadas. Todavia, graças à imortalidade, todas elas serão induzidas ao processo contínuo de evolução infinita, ocasionando, através da reencarnação, a fórmula divina para a definitiva conquista de si mesmas.

Enquanto isso, esse funesto estágio moral as remete à aventura do prazer impulsionando a recondução dos recém reencarnados à era das cavernas, fazendo-as mergulharem nos subterrâneos das orgias e ali entregando-se à fuga da consciência e do raciocínio pela busca, às vezes inconsciente do encanto alucinado pelo amadorismo das emoções imediatas da sexualidade.

No Sudeste do Brasil há casos em que meninas de 10 a 12 anos, frequentadoras dos típicos bailes (funk e análogos), engravidam. No Nordeste há diversos casos de aliciamento de menores, muitas vezes abusadas pelos próprios pais. Cada vez mais cedo, e com maior magnitude, as excitações da criança e do adolescente germinam adicionadas pelos diversos e desencontrados apelos das revistas libertinas, da mídia eletrônica, das drogas, do consumismo impulsivo, do mau gosto comportamental, da banalidade exibida e outras tantas extravagâncias, como espelhos claros de pais que relaxam em demorar-se à frente da educação dos próprios filhos.

É óbvio que reencarnação em tais circunstâncias, embora muito difícil, não é uma penalidade imposta por Deus, como ajuízam alguns, porém tão somente um mecanismo intrínseco de superação da imperfeição moral do Espírito e um meio forçoso para o progresso. A reencarnação é indispensável com vistas ao duplo avanço moral e intelectual do Espírito, considerando o progresso intelectual que se dá através da atividade obrigatória do trabalho útil e do progresso moral que se realiza pela necessidade recíproca da prática do bem entre os homens.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (vinte e seis livros “eletrônicos” publicados). Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.