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  • Concurso de miss mirim na TV é alvo de críticas: 'Impacto psicológico terrível'

Segundo a psicóloga Sally Carvalho, a participação em competições de beleza não é saudável para o desenvolvimento social de uma criança, já que o impacto psicológico é terrivel. Jorge Hessen comenta.

  • Data :31 Aug, 2019
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‘Esse tipo de competição reforça padrões de beleza: magra, loura, alta. É algo extremamente maléfico para o desenvolvimento infantil’, destaca psicóloga

Clarissa Pains

RIO - O Programa do Silvio Santos, do SBT, tem trazido nos últimos domingos um concurso de miss infantil, em que meninas de menos de 10 anos de idade disputam para saber quem é a mais bonita. Elas desfilam de maiô e maquiadas. As críticas de pessoas — a maioria mulheres — na internet não demoraram a vir: quase todas destacam o fato de competições deste tipo levarem meninas a se enquadrarem desde cedo em um padrão extremamente restritivo de beleza.

A psicóloga Sally Carvalho, especialista em clínica infantil pela PUC-Rio, concorda com as críticas virtuais. Segundo ela, a participação em competições de beleza não é saudável para o desenvolvimento social de uma criança.

— O impacto psicológico é terrivel — resume ela. — A sociedade está agora num movimento de desconstrução de vários padrões. Realmente, eu acho que concurso de miss, em especial para crianças, já não deve ser mais aceito em uma sociedade que está tomando consciência de outras necessidades. Esse modelo gera muitos danos.

Sally ressalta que as consequências são ruins tanto para a menina que ganha, quanto para as que perdem. Crises de ansiedade, transtornos alimentares, baixa autoestima e depressão estão entre os principais riscos.

— A menina que ganha normalmente se prende àquela imagem de “beleza” que, caso se modifique na adolescência ou na vida adulta, vai levá-la a se sentir inferior, porque ela não vai mais se reconhecer mais como “aquela beleza” que ganhou o concurso. Já as meninas que perdem não têm como compreender isso. Elas vão começar a questionar “o que a outra tem que eu não tenho?”, e aí a autoestima vai lá embaixo — afirma.

A especialista põe na conta dos pais:

— A criança não tem naturalmente o desejo de aparecer, de ser a mais bonita, se não for estimulada por adultos. No fundo, é o ego dos pais que estimula. E isso é danoso.

Sem negras na disputa

Chama atenção no concurso “Miss Infantil” que, até agora, nenhuma das participantes é negra. Isso, destaca a especialista em psicologia infantil, reforça a mensagem preconceituosa de que a noção de beleza está apenas associada a características brancas.

Logo, na realização de um concurso assim, não apenas o estímulo à competição baseada na beleza é nocivo, mas também o enquadramento do que a tal beleza significa.

— Esse tipo de competição reforça padrões de beleza: magra, loura, olhos claros. É algo extremamente maléfico para o desenvolvimento infantil — diz Sally Carvalho.

De acordo com a psicóloga infanto-juvenil Janaína Moraes Gonzaga, as meninas negras ou com qualquer fenótipo ou característica que se descole da apresentada no concurso serão negativamente influenciadas.

— Se ficam de fora (do programa) não apenas crianças negras, mas crianças com deficiência, por exemplo, fica reforçado que elas não seguem um padrão desejável. A criança vai então crescer sentindo-se à margem. E isso é muito perigoso, considerando que essas crianças estão se formando enquanto seres humanos, enquanto cidadãs. Isso reforça um padrão de desigualdade — afirma ela.

Em redes sociais, muitos internautas têm criticado o programa. “As crianças entram de maiô no palco, pra quê? Vai avaliar o quê?”, questiona uma usuária do Twitter.

Outra destaca um trecho de um diálogo entre o apresentador do programa e uma das meninas candidatas: “Silvio Santos perguntando para uma criança de maiô quanto ela pesa no quadro de miss infantil no programa dele. A menina responde que não sabe e ele diz ‘você não tem balança’. Quantos erros na história acima?”.

Notícia publicada no Jornal O Globo , em 29 de julho de 2019.

Jorge Hessen* comenta

Tal iniciativa robustece arquétipos de beleza que se enquadram desde cedo em um padrão extremamente restritivo de “formosura” feminina, ou seja: magrinha, loirinha, altinha, olhinhos claros etc. Obviamente tudo isso é extremamente lesivo para o desenvolvimento da criança. Pois que competição de beleza desse tipo não é saudável para o desenvolvimento social de uma criança. Até porque, os efeitos dessa “brincadeira” poderão ser perversos tanto para a “vencedora”, quanto para as “perdedoras”. Pois, todas tenderão tombar sob transtornos de ansiedade, desordens alimentares, baixa autoestima e depressão dentre outras patologias psíquicas e emocionais.

A “vencedora” certamente se prenderá àquele conceito de “beleza” que, caso se transforme na adolescência ou na vida adulta, poderá levá-la a se sentir “menos bela”. Já as “perdedoras” poderão interrogar: “O que a ‘vencedora’ tem que eu não tenho?” Derivando daí o nascedouro de tumultos psicológicos.

A criança não tem espontaneamente o desejo de aparecer, de ser a mais bonita, se não for estimulada por adultos. No fundo, é o ego dos pais que estimula. Pais que estão conduzindo suas filhas a entrar precocemente no mundo sexual adulto, atropelando fases do desenvolvimento e prejudicando o processo de aprendizagem afetiva das pequenas. Ou seja, a sexualidade, entendida como elemento presente em todos os estágios de desenvolvimento do indivíduo, acaba sendo desviada para o erótico, o excitante, o sensual, quando na realidade deveria ser canalizada para a construção das emoções, das relações sociais, da experimentação de papéis e do desenvolvimento da afetividade. E isso é profundamente danoso.

Entendo que os pais que inscrevem suas filhas para tais concursos certamente transportam frustrações íntimas e transferem para os rebentos a pretensão íntima de desfilarem nas passarelas. São pais que insistem em viver no mundo da fantasia e dos contos de fadas.

Recordo de Isabella Barrett, uma criança de apenas 6 anos, foi estrela de concursos de beleza mirim transmitido pelo canal Discovery Home & Health, no programa Toddlers & Tiaras. O evento, transmitido com o título “Pequenas Misses”. Pasmem! Concursos de beleza de crianças são populares nos Estados Unidos porque têm clientela.

Recentemente assisti a um documentário assombroso, noticiando sobre a adolescência e a juventude dessas “ex-misses mirins”. Muitas delas foram forçadas pelos pais a participar desses concursos peculiares. Registra o documentário que a maioria dessas crianças se transforma em pessoas com dramas psiquiátricos profundos, e algumas mergulham nos subterrâneos das drogas e do meretrício. No epílogo do programa, ficamos sabendo que ao início dos problemas pessoais dessas crianças, na fase pré-adolescente, a maioria dos pais abandona as filhas ao “deus-dará”, na vida mundana.

Assunto correlado, escrevemos há alguns anos sobre Thylane Lena Rose Blondeau, uma menina de 10 anos de idade, que fez uma produção fotográfica para a revista Vogue Paris, erguendo polêmica devido à roupa ousada, maquiagem e poses provocantes. O ensaio fotográfico causou indignação em pessoas ligadas a ONGs de proteção à criança. De acordo com a organização “Concerned Women for America”, os pais da criança devem ser responsabilizados por ter permitido à criança realizar aquele trabalho.(1)

Percebemos claramente a exploração infantil e temos convicção de que os pais deviam ser criminalizados. Infelizmente, o mundo ingênuo da criança vem sendo explorado pela fúria predadora da sensualidade desorientada, envilecendo a inocência e dignidade infantis. Como se não bastasse “o caso Thylane”, há outras situações polêmicas na contenda, a exemplo dos cursos de pole dancing(2) para crianças, na cidade do México, e dança “funk carioca”, no estado do Rio de Janeiro. Muitas meninas (crianças e adolescentes) têm aderido ao “sexting”,(3) postando fotos sensuais na internet. São meninas e meninos que exploram os espaços virtuais nos sites de relacionamento.

Cada vez mais cedo, e com maior magnitude, as excitações da criança e do adolescente germinam adicionadas pelos diversos e desencontrados apelos das revistas libertinas, da mídia eletrônica, das drogas, do consumismo impulsivo, do mau gosto comportamental, da banalidade exibida e outras tantas extravagâncias, como espelhos claros de pais que vivem alucinados, estancados e desatualizados, enjaulados em seus quefazeres diários e que jamais podem demorar-se à frente da educação dos próprios filhos.

A criança é o futuro, sabemos disso. E, “com exceção dos espíritos missionários, os homens de agora serão as crianças de amanhã, no processo reencarnacionista”.(4) A demanda de redenção dos novos tempos que chegam há de principiar na alma da infância, se não quisermos divagar nos cipoais teóricos da fantasia exacerbada. Precisamos perceber no coração infantil o esboço da geração próxima, procurando ampará-lo em todas as direções, pois “a orientação da infância é a profilaxia do futuro”.(5) Por questão de prudência cristã, não podemos permitir “que as crianças participem de reuniões ou festas que lhes conspurquem os sentimentos em nenhuma oportunidade, porque a criança sofre de maneira profunda a influência do meio”.(6)

Fiquemos atentos, pois a educação, por definição, constitui-se na base da formação de uma sociedade saudável. A tarefa dos pais é a da educação das crianças pelo exemplo de total dignificação moral sob as bênçãos de Deus. Nesse sentido, os postulados Espíritas são antídotos contra todos os venenosos ardis humanos, posto que aqueles que os conhecem têm consciência de que não poderão se eximir das suas responsabilidades sociais, sabendo que o futuro é uma decorrência do presente. Deste modo, é urgente identificarmos no coração infantil o esboço da futura geração saudável.

Referências bibliográficas:

(1) Hessen, Jorge. Artigo Educação Espírita: Arcabouço da futura geração saudável, disponível em <http://aluznamente.com.br/educacao-espirita-arcabouco-da-futura-geracao-saudavel/ > acessado em 17/05/2013;

(2) Pole dance tem suas raízes na dança exótica, strip-tease e burlesco e têm elementos de apelo sexual e subversão;

(3) Refere-se a envio e divulgação de conteúdos eróticos, sensuais e sexuais com imagens pessoais pela internet utilizando-se de qualquer meio eletrônico, como câmeras fotográficas digitais, webcams e smartphones;

(4) Xavier, Francisco Cândido. Coletânea do Além, ditado por Espíritos Diversos, São Paulo: FEESP, 1945, Cap. A Criança e o Futuro pelo Espírito Emmanuel;

(5) Vieira, Waldo. Conduta Espírita, ditado pelo espírito André Luiz, Rio de Janeiro: Ed FEB, 1997, Cap. 21 - Perante a Criança;

(6) Idem.

  • Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (vinte e seis livros “eletrônicos” publicados). Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.